Mistérios de Curitiba
O possível adiamento do depoimento de Lula ao Juiz Sérgio
Moro decorre do receio de manifestações populares em Curitiba ou sinaliza que
Lula pode ser preso a qualquer momento? A Polícia Federal pediu esse adiamento
por que, como alega oficialmente, quer mais tempo para organizar o esquema de
segurança na cidade, ou está juntando mais provas contra o ex-presidente? Foi
uma vitória de Lula? Foi uma demonstração de medo de Moro?
Nenhuma explicação oficial faz sentido. Desde março a data
está marcada, e os organismos de segurança tiveram tempo suficiente para
organizar seus esquemas preventivos. Se foram surpreendidos com uma
movimentação acima do normal dos militantes petistas, serviços de informação e
segurança não são.
Difícil entender a comemoração dos petistas e aliados, pois
a situação de Lula fica cada vez mais fragilizada a cada depoimento, como os de
João Santana e Monica Moura dados ontem no processo do Tribunal Superior
Eleitoral, ou do próprio ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que demonstrou uma intimidade
com Lula e sua família que não pode ser negada, pois quando foi levado
coercitivamente para depor, o próprio ex-presidente admitiu que era amigo de
Léo Pinheiro.
Evidentemente são ex-amigos agora, mas Lula procura
atenuantes para as acusações, alegando que o ex-presidente da OAS as fazia por
que está negociando uma delação premiada. Claro que com isso procura também
deslegitimar as palavras de Léo Pinheiro, mas as evidências são muitas.
A possibilidade de Lula vir a ser preso nos próximos dias existe,
diante da denúncia de que ele orientou seu amigo a destruir qualquer prova que
ligasse o pagamento de propinas ao triplex do Guarujá. Aconteceu assim com o
ex-senador Delcídio do Amaral, diante de uma gravação explosiva em que relatava
as manobras para impedir que Nestor Cerveró denunciasse Lula.
O fator surpresa, naquela ocasião, foi fundamental para que
o Senado aprovasse sua prisão. Já no depoimento de Léo Pinheiro, a divulgação
do vídeo tirou o impacto da revelação, feita diante de advogados diversos e
procuradores do Ministério Público. Creio que só se surgirem novas provas –
será isso que a Polícia Federal busca? – se justificaria a prisão de Lula neste
momento.
Assim como não acredito que o Juiz Sérgio Moro esteja
preparando a prisão do ex-presidente para o dia do depoimento, a não ser que
Lula perca o controle e afronte sua autoridade, no que também não acredito.
Seria uma atitude irresponsável que não o ajudaria em nada, ao contrário.
O comportamento da defesa do ex-presidente é muito próximo,
em diversas ocasiões, de uma afronta à autoridade do Juiz Sérgio Moro, que tem
conseguido se manter frio diante das provocações. Fazer a mesma pergunta
diversas vezes, de maneira diferente, é costumeira forma de a defesa tentar
protelar a decisão final.
Arrolar 87 testemunhas de defesa é claramente um desafio e
outra tentativa de ganhar tempo, e Moro caiu na esparrela ao exigir a presença
de Lula em cada um dos interrogatórios. Nada indica que tenha poder para tal, e
a única coisa que conseguiu foi mostrar a motivação protelatória da defesa, mas
deu margem a que fosse acusado mais uma vez de perseguidor de Lula.
Para o ex-presidente, o melhor cenário é ser condenado em
segunda instância a tempo de ser impedido de concorrer às eleições de 2018.
Posaria de vítima e não correria o risco de ser derrotado. Ninguém leva a sério
a pesquisa da CUT/Vox Populi que indica Lula como vencedor do primeiro turno. É
só uma pressão política contra sua prisão.
Mesmo que fosse correta, é preciso ser muito ingênuo para
acreditar que Lula, com todas essas acusações, especialmente depois das
delações dos executivos da Odebrecht, conseguirá manter essa pretensa
popularidade numa campanha presidencial acirrada como a que se aproxima.
O que é grave é esse ambiente de confronto que está sendo
armado para o dia do interrogatório. Afinal, Lula é intocável? Está acima das
leis?
O Globo, 25/04/2017
Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de
2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi
recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.
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