Me conte o que você faria para que o amor da sua vida
voltasse
A amiga me contou, em tom dramático, que pegou uma
coqueluche tão forte que achou que morreria. Foram semanas tossindo sem parar,
com dores e mal-estar terríveis. A coisa foi tão grave, ela disse, que o
ex-marido, de quem estava separada havia mais de um ano, voltou para cuidar
dela. Depois que a doença passou, reconciliados, eles resolveram tentar de
novo.
“Como se faz para contrair coqueluche?” eu perguntei, afoito
e esperançoso, assim que ela terminou de contar. Na hora, me pareceu uma boa
ideia. Depois, calculei que tossiria sozinho, ou na companhia de um amigo que
roncaria como urso na poltrona e discutiria comigo se era mesmo preciso que ele
fumasse fora do quarto.
Vocês estão rindo, mas conheço gente que faria qualquer
coisa para atrair de volta o ex-marido ou a ex-mulher extraviados.
Entre os homens, ataque cardíaco é um clássico. Estive no
hospital há duas semanas com dores no peito, mas os médicos me dispensaram como
se eu fosse um velocista olímpico. “Rivotril”, receitou o jovem plantonista
lacônico, me olhando com cara de enfado, profundamente desinteressado da minha
complexa situação existencial.
Eu vinha sonhando havia dias com um post no Facebook dizendo
assim: “Foi só infarto. Os médicos dizem que está tudo bem”. O comentário seria
acompanhado por um selfie na cama do hospital, com aquele sorriso abatido, mas
cheio de coragem. Se ela não voltasse correndo, seria um monstro.
Mulheres – eu já tive a chance de testemunhar – preferem o
colapso emocional. As amigas vão ligar para o sujeito e informar: “Fulana está
péssima. Se você gosta um pouquinho dela, melhor vê-la”. O cara vai, se
sentindo culpadíssimo, e encontra uma ex que parece ter saído de uma colônia de
férias do Estado Islâmico. Magra, pálida, distante. Ele tenta segurar as mãos
dela, mas ela as retira, assustada, como se ele fosse o bastardo malvado de Game
of Thrones. Se o sujeito não tiver coração de pedra, ficará e cuidará dela,
talvez por dez anos.
Depois de ver o sofrimento humano de perto (o meu,
sobretudo) parei de julgar os manipuladores de sentimentos alheios. Eles são
apenas psicopatas apaixonados. O resto de nós se preocupa com ética,
integridade, verdade. Queremos ser amados espontaneamente. Temos escrúpulos,
princípios, limites. Eles só querem a fulana ou o sicrano de volta na cama
deles, ponto final. Outras considerações são secundárias.
Tenho certeza de que no longo prazo as chantagens e os
truques não funcionam, mas alguém já observou corretamente que no longo prazo
estaremos todos mortos. Logo, por que não tentar ser amado a qualquer preço?
Uma vez, conversei com um amigo cuja ex-mulher insistia em
se manter longe da casa e da vida dele. O cara estava desesperado. Saímos para
beber e ele me contou, animadíssimo, que acabara de saber que a ex tinha
engordado 10 quilos. "Por que você está feliz com isso?", eu
perguntei. “Porque ela vai ficar feia, ninguém mais vai querê-la e ela vai
voltar para mim”, ele respondeu, com um sorriso lunático no rosto. Algum tempo
depois, ela voltou.
Lembrei dessa história nas últimas insônias, mas com mínimas
esperanças. Uma mulher que corre, faz ioga, pratica musculação e come como um
coelho vegano não vai ganhar 10 quilos. Nem cinco. A possibilidade de que ela
fique feia nos próximos anos equivale à de que eu fique mais jovem. Não vai
acontecer nesta encarnação.
Não adianta dizer isso aos amigos, claro. Todos têm uma
ideia infalível para trazer de volta o amor da vida dos outros. “Esqueça as
palavras, você precisa criar situações emocionais incontornáveis”, diz um
deles. Exemplo? “Compre para ela uma banca inteira de pimenta da feira. As
mulheres são loucas por pimenta.” OK, próxima. “Prometa o que ela quiser,
ofereça o que ela mais desejar, depois as coisas se arranjam”, diz outro. Se
bem me lembro, foi assim que começaram os caras presos pela Lava Jato em
Curitiba. “Você já fez reservas para Paris”? perguntou uma amiga. “Chegue com
as passagens na mão e ela não vai resistir.” Problema: se ela cair por um
clichê desses eu não vou querê-la de volta.
Essas ideias rocambolescas reforçam minha convicção de que
em caso de abandono não há nada a fazer além de respirar, esperar e torcer.
Aqueles anúncios do poste que prometem trazer seu amor de volta não funcionam.
Eu sei. Tentei três deles e eles não devolvem o dinheiro.
As coisas no terreno afetivo se resolvem com simplicidade,
ou não se resolvem. Se a moça gostar de você, virá naturalmente. Se o sujeito
ainda ama você, ele voltará de livre e espontânea vontade – e isso exclui seu
amigo delegado ligar para ele ameaçando prendê-lo.
Gente que sofre vive sob a tentação de um gesto heroico,
capaz de atordoar e seduzir o outro, mas é bobagem. Passado o efeito dos fogos
de artifício – ou das garrafas de vinho no restaurante mais caro da cidade,
cujos efeitos ficarão no seu cartão de crédito para sempre – os
sentimentos voltarão ao normal, e você terá a seu lado uma pessoa entediada. Ou
ressentida, porque deixou-se iludir.
Eu sei que todo mundo conta uma exceção notável a essa
regra. Há sempre uma história de jantar, presente, viagem ou gesto inesperado
que reverteu os sentimentos do outro e fez tudo mudar, mas eu simplesmente não
acredito nelas. Quando a gente olha de perto, percebe que não foi bem assim. A
pessoa voltou por um mês – ou ficou para sempre porque nunca havia saído. Quem
realmente vai voltar dispensa os malabarismos. Quem partiu de coração torna-se
imune a pirotecnias. Sobretudo as mulheres.
Na vida real, é importante abrir seu coração, falar do seu
amor com todas as letras e deixar que o outro decida por si mesmo. Fazer com
que ele ou ela ria da situação ajuda. Lágrimas sinceras também, sobretudo no
rosto dos homens. É uma pena que muitos de nós não saibam chorar.
IVAN MARTINS
Colunista de ÉPOCA
Autor do livro Alguém especial, escreve em epoca.com.br
às quartas-feiras
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