Tempo de Carnaval
Cyro de Mattos
Tempo de carnaval. O banco, o escritório, a indústria e o
comércio eram substituídos por uma máquina de fazer alegria. O corso passava
pela Avenida Sete numa maravilhosa ventura em torno do tempo perdido na
história. Improvisava figurações diversas, tinha feições de cores e luxo, uma
ópera no desfile do carro alegórico lembrava a Grécia antiga, Veneza.O êxtase
e riso invadiam a Rua Chile. Havia a guitarra elétrica na fóbica, puxava atrás
pequena multidão, formada por gente do povo nos prazeres, vibrações de corpo
que insinuavam uma dança frenética.
O bar Cacique, antes Bob’s, vizinho ao Cine Guarani e ao
cabaré Tabaris, era parada obrigatória do folião para o chope.
Ele se impregnava no carnaval daquela forma de viver, que
não queria saber do mundo rotineiro, fantasiava a onda humana para cantar e
dançar na avenida. Blocos antigos, afoxés, batucadas. Na tanga do índio, na
mortalha suada da moça, no amor da colombina. Ventos da utopia. A vida
suavizada pela passagem mística do bloco Filhos de Ghandy.
Tempo que transformava o branco no preto, o pobre no rico, o
sacro no leigo, com o padre e a freira. Não havia vencedores e vencidos, viver
era igual a se divertir.
Pelo salão com a espada de pau. O olho tapado na cara de
mau. E a cigana que fingia ser definitivo o amor passageiro no carnaval. O chão
cheio de confete, serpentina colorindo o ar, a lança que perfumava a melindrosa
em cada volta. Risos com mais de mil palhaços no salão, pierrô fazendo suas
juras, arlequim chorando pelo amor da colombina no meio da multidão.
Vestido de marujo, viajando pelo mundo de uma só cor, a da
euforia. Na quarta-feira de cinzas, quando o coral silenciava, sem o apito da
alegria, descia da nau, que chegava ao porto no jardim da Piedade. Chegava de
madrugada, polvilhada de fadiga pela cauda, puxando a manhã fresca e pura.
*Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro Titular da
Academia de Letras da Bahia e do Pen Clube do Brasil. Primeiro Doutor Honoris
Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Um dos idealizadores da Academia
de Letras de Itabuna (ALITA).
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