Falso padre reza missas e toma confissões de fiéis em Imbé
Jovem de 18 anos se apresentou como sacerdote, conduziu
celebrações durante o Natal e, depois de incongruências em sua identidade
despertarem desconfiança, deixou a cidade
Por: Marcelo Gonzatto - de Capão da Canoa
05/01/2017
Entrada da Capela
Santo Antônio de Pádua, em ImbéFoto: Anderson Fetter / Agencia RBS
Na noite de Natal e na manhã seguinte, os fiéis católicos do
Balneário Presidente, em Imbé, no Litoral Norte, testemunharam duas das missas
mais memoráveis já vistas na Capela Santo Antônio de Pádua. Mas, na verdade,
haviam caído em um legítimo conto do vigário: o padre responsável por conduzir
as celebrações e tomar a confissão de vários fiéis não era um sacerdote de
verdade, mas um jovem de 18 anos que se fez passar por religioso e desapareceu
quando começaram a suspeitar dele.
Uma ocorrência de falsa identidade foi registrada na Polícia
Civil de Imbé sob o número 60/2017.
— Não entendemos por que ele fez isso. Enganou todo mundo,
mas não ganhou nada. A decepção entre a nossa comunidade está muito grande com
esse fato, porque todos gostaram muito dele e das celebrações que ele deu —
lamenta a coordenadora da capela, Vera Hahn, 62 anos.
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Tudo o que os devotos do balneário queriam era um padre para
celebrar o Natal — o sacerdote que costuma tirar suas férias na localidade e
rezar as missas durante parte do veraneio só chegaria alguns dias mais tarde.
Surgiu, então, uma possibilidade que parecia caída do céu: um jovem
supostamente recém-ordenado estava passando o final de semana na casa de um
amigo seminarista a poucas quadras da igreja.
O seminarista, que referendou o falso sacerdote, assegura
também ter sido enganado:
— Conheci o rapaz quando ele estava rezando uma missa em
Criciúma, há algumas semanas, e ficamos amigos. Ele meio que se ofereceu para
passar uns dias com a minha família aqui em Imbé, e se prontificou a rezar as
missas — lamenta o seminarista, que prefere não se identificar.
Os fiéis que lotaram os bancos sagrados se surpreenderam com
o talento do moço – - que afirmava ter 20 e poucos anos – ao desempenhar o
papel de pastor de almas. Com uma batina emprestada pela própria igreja,
recebia a população de braços abertos, dando boas-vindas à casa de Deus.
Durante o sermão natalino, discorreu com esmero sobre o significado do
nascimento de Jesus.
— Todos ficaram encantados. Até meu marido, que não gosta
muito de missa, ficou comovido. Adorou — conta uma fiel que também prefere não
dizer o nome.
Ao final da celebração, o pretenso religioso perguntou
quantos dos presentes ali compareceriam outra vez à igreja na manhã seguinte,
domingo, às 8h, para um novo encontro.
Apenas um ou outro fiel ergueu os
braços. O rapaz declarou:
— Não tem problema. Assim como Jesus disse que estaria onde
houvesse duas ou três pessoas reunidas em nome dele, eu também estarei aqui por
vocês.
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Na manhã seguinte, cumpriu a promessa e comandou outra
celebração. Familiar do seminarista que recebeu o falso padre em sua casa, uma
costureira de 64 anos revela até ter se confessado com ele, a exemplo de outros
frequentadores.
— Eu só estranhei um pouco quando fui pagar a penitência e
me dei conta de que ele havia esquecido de me dar a absolvição. Me confesso a
cada Natal, e agora minha confissão não teve validade. Me sinto muito
decepcionada, porque gostei muito do moço. Sinto até pena dele, talvez sonhe
ser padre — sustenta a costureira.
Falso padre ouviu até
mesmo confissões de frequentadores da Capela Santo Antônio de Pádua, no
Balneário Presidente Foto: Anderson Fetter / Agencia RBS
Atitudes incomuns levantaram suspeitas
A família que recebeu o jovem em sua casa, em Imbé, estava encantada com seus modos educados e a disposição em atender a comunidade católica do Balneário Presidente. Mas, aos poucos, algumas atitudes começaram a chamar atenção e a despertar desconfiança. Antes de rumar para a igreja a fim de rezar a missa de Natal, secou uma garrafinha de vodca Ice.
A família que recebeu o jovem em sua casa, em Imbé, estava encantada com seus modos educados e a disposição em atender a comunidade católica do Balneário Presidente. Mas, aos poucos, algumas atitudes começaram a chamar atenção e a despertar desconfiança. Antes de rumar para a igreja a fim de rezar a missa de Natal, secou uma garrafinha de vodca Ice.
— A gente estranhou um pouco aquilo, mas não falou nada —
recorda a costureira que hospedou o jovem.
O padre que não era padre demonstrava um razoável conhecimento
sobre a liturgia. Por isso, durante as missas, o público não percebeu nada fora
do comum. Mas um certo nervosismo e um pouco de dificuldade para lembrar
detalhes da cerimônia provocaram desconforto no seminarista — que auxiliou o
então amigo durante as celebrações.
— Ele disse que estava um pouco nervoso porque não estava
acostumado com tanta gente, mas se esqueceu até de consagrar as hóstias
— relembra o futuro padre.
A aparência extremamente jovem do suposto sacerdote também
virou motivo de comentários. Quando os paroquianos decidiram pedir uma
identificação (a igreja fornece uma carteira com nome completo e foto para
todos os padres), o jovem disse que havia esquecido em casa. Desde então, ainda
no final de semana do Natal, sumiu e não foi mais visto na região.
Na ocorrência registrada na Polícia Civil, ele foi
identificado como Luiz Eduardo Santos Gregis. Seria filho de uma família
bastante católica de Santo Antônio da Patrulha e já teria rezado missas em
outros locais no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Em seu perfil no
Facebook, combina mensagens religiosas com fotos de amigos, viagens e
caminhões. Também se identifica como estudante de engenharia mecânica.
O pároco responsável pelas cidades de Imbé e Tramandaí, frei
Irineu Trentin, lamentou o episódio. Disse que a igreja decidiu registrar
queixa na polícia para que isso não se repita e procurou orientar as demais
paróquias que por vezes têm de contar com padres de fora:
— É preciso, sempre, solicitar a carteira de identificação
do padre — observou.
A coordenadora da capela de Santo Antônio de Pádua, Vera
Hahn, garante que a lição foi aprendida:
— Até pedi conselhos sobre questões familiares muito
pessoais para ele. O pior é que os conselhos foram bons — conta Vera.
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