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sexta-feira, 7 de junho de 2019

RISCANDO O FÓSFORO – Jorge Luis Santos


Na maioria dos livros e das pregações evangélicas, seus autores falam mais do Diabo, do que todos os apóstolos disseram sobre ele na Bíblia Sagrada. O mais pertinente e grave deste detalhe é que, a cada um dos pormenores, parece até que o Diabo e eles são afins e cúmplices, há muito tempo.

Há comentários sobre tudo. Fazem uma verdadeira autobiografia, como se ele fossem. As informações vão desde o seu odor pessoal, ao seu modo de pensar, de vestir-se, da sua práxis e até dos seus sentimentos íntimos. Traçam um retrato físico e psicológico perfeito, daquele que se tornou o ser mais indigno da criação divina.

Desde a época de Lutero, esse quadro vem se desenhando. Naquele tempo, já se associavam odor de enxofre do pum ao cheiro do diabo. Tinha-se o hábito de riscar o fósforo para acabar com o fedor, mas esse reformista recomendava que substituíssem o fosforo pelo pum, soltando-o na cara do diabo para afastá-lo.

Já imaginaram se todos os fiéis reunidos numa igreja, decidissem que um irmão estava com o demônio e resolvessem afastá-lo com um pum? A igreja ficaria com um cheiro insuportável. Os fiéis não assistiriam nem a metade das preleções evangélicas. O templo teria que ter um teto, com abertura móvel acima da cabeça de cada fiel, que assistiria o culto sentado, levantando-se para colocar as narinas do lado de fora, todas as vezes que tivesse uma sessão de cura, motivada pelo pum coletivo.

A exposição do perfil daquela entidade tornou-se o fundamento para institucionalizarem a vigília do medo. O conteúdo e a ênfase que dão ao discurso evangélico, não nos permite outra interpretação. Os fiéis temem mais ao Diabo do que
 tem fé em Deus. Falam mais do mal e do seu criador do que de Deus e da mensagem divina.

Mas, mesmo assim, devido a quantidade de adeptos e de templos construídos, sem os fiéis questionarem a qualidade da mensagem proferida, a religião da tirania psicológica foi legalizada.


Por Jorge Luís Santos.
Advogado e cronista. Itabuna - Bahia

Jornal Direitos, junho de 2019

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PÁSSARO ACAUÃ – Cyro de Mattos


Pássaro Acauã
Cyro de Mattos

           
O canto agourento quando canta no galho seco. Cruz-credo, não sossega, com que insistência magoa o peito. O tempo anuncia com estiagem demorada, canta perto e longe. Céu de fósforo o amanhecer, forno quente no poente. Bocas na amplidão de fome e sede. Os pais, a mulher, os filhos pequenos, todos ouvindo o canto atanazado, ferindo os tímpanos. Manhãs e tardes. O pai: Não esmoreça nem desespere. Espere   que cante no galho verde.  Lembre disso: No galho seco é do demo. No verde, canto bendito, o melhor tá pracontecer. O céu junta fiapos de nuvem no começo. Não demora de escurecer o teto. Vem chuvisco de primeiro, chuva de segundo, no fim aguaceiro. Relâmpago, trovão, temporal. Vento valente vira vendaval. Terra e água, uma só liga, mundéus. Quando o sol então abre o olho, a flor brota do chão humoso. Tronco morto vira árvore, o gavião rei amanhece. Pelos ares circulam cantos, nas folhas o brilho dos pingos, no seio da natureza generosa tudo é festejo.

            Atravessar males da estiagem, ouvindo o canto agourento, veja que Deus tarda, mas não falha, eis que um dia vem cantar no galho verde. Bom lembrar que acontecerão as flores, virão pra compensar os sentimentos esvaídos quando o canto é triste, repetido. O pai ouviu isso do avô, que ouviu do bisavô, que ouviu do trisavô, que ouviu do tetravô, que ouviu do tempo infindo.

            Crendice besta de velho sem juízo. Fizera pouco dos ditos, os ouvidos entupidos praquele tipo de iludição. O que existe mesmo pro pobre é trabalho muito e o pouco de-comer, vidas secas, destino. Pobre nasceu pra ter na vida só secura, foi o que se deu com o pai, a mãe, os irmãos pequenos. Como dói olhar as cruzes deles nas covas junto do lajedo. Lembrar dos corpos com pele e osso. Olhos mortiços.
           
            Agora enfrenta essa estiagem braba há quase um ano. Nada pode fazer. Como brasa céu e margem. A história novamente acontece. Canto, encanto, desencanto. Frutos murchos, folhas mortas, choro oco, grito sem eco. Ele e o deserto, só deserto. Ares da morte nas pedras, tocos, troncos. Diabo de canto resinguento. E ainda o coro dos filhos nos pedidos: “Tou com fome, tou com sede.” Surdo ele, muda a mulher. O coração de cada um doendo, a fome roendo nas tripas.

            Quem tem medo de acauã?

            Rumores, clamores, tremores: humanos anseios. Sonha com a chuva, no íntimo querendo ver a flor, o fruto, pegar o verde. Inundar o olho alegre pela terra como brasa verdejante, de tanta beleza e brilho.  A-c-a-u-ã, a-c-a-u-ã, a-c-a-u-ã, o canto do Cão no arvoredo seco. Tenso apalpando, segue ouvindo, desespero no corpo, raiva marca o ritmo da mente. Mira perfeita, dedo no gatilho, a bala bem no peito.do bicho. Como se saísse pela goela seca, latejando ódio, vendo o bicho cair junto aos pés. Troço nojento, tão ruim quanto veneno!

            Quem falou que emudeceu? Na serra, baixada, jaqueira no terreiro. Depois do acontecido, mais cantou. Que estranha magia rege este canto secreto? Psiu, veja, homem de Deus, chuvisco, daqui a pouco chuva, em pouco tempo aguaceiro. É mesmo?

            De cara virada para o céu, chumbo, a chuva como chumbo batendo na terra, o pai não disse? Esqueceu? Por que não quis ouvir o que os mais velhos bem conhecem? Encharcando-se, sentado no cepo do ipê, lambendo os pingos. Do estômago à boca há um gosto diferente. Sal de lágrima misturada com a água que cai do céu. Escorre bendita por entre rachaduras, noites mal-dormidas. Ele todo febrento. Não é que o bicho cantou no arvoredo verde? Enfim, os olhos com visões alegres: capim chovido, a natureza toda alaridos.

            Solitário, cabisbaixo, a tristeza de dentro dele quer saber:  O que é, o que é, põe o sol como hóspede no arvoredo seco, esperança no galho verde quando quer?

             A noite envolve o casebre com as paredes de adobe exalando o cheiro de barro molhado. Ferrado no sono. Decerto um canto propaga-se no sonho, atravessa caminhos sob o silêncio da noite turva. Preserva o mistério das falas. Sabe o flagelo do sol, o prazer da chuva.

            De jejuns, de água. Desencanto ou encanto. Lá fora quieto. Por enquanto.


Cyro de Mattos é escritor e poeta. 
Prêmios importantes. 
Também editado no exterior. 

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quinta-feira, 6 de junho de 2019

O BRILHO DE MANOELA - Arnaldo Niskier


Foi um sucesso, em Vitória, o lançamento do livro “Ilha do Frade, paraíso capixaba”, da escritora Manoela Ferrari. Muita gente compareceu, felicitando vivamente a autora pelo belo trabalho.

Na obra, valorizada por dezenas de ilustrações coloridas do fotógrafo André Sobral, registra-se, de forma competente, não apenas o que significa o local, considerado o bairro mais exclusivo da capital do Espírito Santo, sinônimo e requinte, graça e refinamento, com os seus valorizados 204 terrenos.

Lá é possível encontrar moradores que têm sobrenomes tradicionais, como os Coser (Octacílio esteve no lançamento, no Hotel Sheraton), Camata, Chieppe, Cabral, Buaiz, Lindenberg, Santos Neves, Tommasi, Rezende, Esteves e Braga (da família do estimado Rubem Braga, meu colega dos gloriosos tempos da Manchete).

A professora Sônia Cabral, casada com o jornalista Maurílio Cabral, foi uma das primeiras moradoras da Ilha do Frade, ainda na década de 70. O casal ficou conhecido como anfitriões de primeira ordem. Ela era uma pianista consagrada, daí o seu renome nos meios artísticos do estado e fora dele.

O levantamento histórico e memorialístico realizado por Manoela Ferrari, que tem o dom da escrita em seu DNA, com inspiração acadêmica, resgata dados documentais do passado, traçando a trajetória do local desde os primórdios do descobrimento, num apurado trabalho de pesquisa. Com requinte, talento e sensibilidade, a autora foi além do registro simplesmente textual.
Mesclou, com exatidão primorosa, como é próprio do seu acurado estilo, a tênue linha que separa o lirismo da precisão histórica. Daí os calorosos elogios com que a autora tem sido cumulada.

Como resultado, temos uma obra impecável de resgate, não só de documentos, mas principalmente de memória e afetos, apresentando, com leveza e ao mesmo tempo profundidade, o que significa, realmente, o privilégio de morar na Ilha do Frade, um encantador reduto  da capital espírito-santense.

Manoela Ferrari é formada pela PUC/Rio em Comunicação Social e, no seu livro, ela assinala que “graças à visão e empreendedorismo do empresário capixaba José Moraes, a ilha se tornou o mais admirado loteamento até hoje surgido no Espírito Santo”. Para o empresário Américo Buaiz Filho, “é uma ilha dentro de outra ilha, com praias exclusivas, vistas lindas, parques... onde só casas podem ser construídas”. E foi isso que aconteceu, numa região verdadeiramente abençoada. O livro é da Editora Consultor/Rio.

O Globo, 30/05/2019

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Arnaldo Niskier - Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da ABL, eleito em 22 de março de 1984, na sucessão de Peregrino Júnior e recebido em 17 de setembro de 1984 pela acadêmica Rachel de Queiroz. Recebeu os acadêmicos Murilo Melo Filho, Carlos Heitor Cony e Paulo Coelho. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1998 e 1999.

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JAMAIS DESISTIR - Ermance Dufaux



 Nenhum de nós sentirá bem ante as faltas que podíamos ter evitado. No entanto, nesses momentos infelizes, recorramos ao amor que devemos a nós mesmos. A intolerância e a culpa, a tristeza e a vergonha são efeitos da nossa incapacidade de aplicar o auto-amor! A cobrança e a severidade são os frutos amargos da sementeira que realizamos nos descaminhos da irresponsabilidade.

O tempo presente, porém, chama–nos para a lucidez moral. Compete–nos o perdão incondicional ante os dissabores com nossas atitudes. Nesses momentos de pessimismo e tormenta interior, pacifiquemo–nos para começar de novo. Começa indagando se algo te impede, definitivamente, de retomar a luta. Depois, ORA... suplicando a extensão da misericórdia celeste. Muitos erros da caminhada servem para sentirmos quanto ainda somos suscetíveis à queda, e para reconhecermos com mais exatidão a extensão de nossa fragilidade.

Em seguida, faça um inventário de tuas vitórias e esforços. Perceberás o valor de continuar a batalha sem tréguas. Após esses passos, retomemos o trabalho honesto e o tempo se encarregará do restante. Não existe ascensão espiritual sem tropeços e descuidos. Façamos o melhor que pudermos, mas na hora sombria e dilacerante do fracasso... Pensemos em Deus! ... E adotemos como norma: jamais desistir de lutar e buscar ser feliz, trabalhando dia após dia pelo reerguimento e pela reparação em favor da nossa paz.


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quarta-feira, 5 de junho de 2019

JOSÉ VICENTE, REITOR DA FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES, FAZ A PALESTRA DE ABERTURA DO CICLO DE CONFERÊNCIAS ‘VOZES D’ÁFRICA NA CULTURA BRASILEIRA’ NA ABL



Advogado, sociólogo e reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente abre, na Academia Brasileira de Letras, o Ciclo de Conferências “Vozes d’África na cultura brasileira” sob a coordenação do Acadêmico e professor Domício Proença Filho. O evento está programado para o dia 6 de junho, quinta-feira, às 17h30min, no Teatro R. Magalhães Jr. (Avenida Presidente Wilson, 203, Castelo, Rio de Janeiro). Entrada franca.

A Acadêmica e escritora Ana Maria Machado é a coordenadora geral dos Ciclos de Conferências de 2019.

Serão fornecidos certificados de frequência.

O Ciclo terá mais duas conferências no mês de junho, às quintas-feiras, no mesmo local e horário. No dia 13, “O negro no cinema brasileiro”, com o Acadêmico e cineasta Carlos (Cacá) Diegues, e no dia 27, “Vozes d’África na música brasileira”, com o ator, escritor, produtor e sambista Haroldo Costa.

O CONFERENCISTA

José Vicente é Mestre em administração; Doutor em educação pela Universidade Metodista de Piracicaba; Fundador e presidente do Instituto Afro-brasileiro de Ensino Superior; Fundador presidente da Afrobras – Sociedade Afro-brasileira de Desenvolvimento Sociocultural; Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República – CDES; Membro do Conselho de Autorregulação Bancária – Federação Brasileira de Bancos – Febraban; Membro do Conselho Superior de Responsabilidade Social da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP; Membro do Conselho Consultivo do Centro de Integração Empresa Escola – CIEE; Membro titular do Movimento Nossa São Paulo; Conselheiro diretor da Fundação Care/SP; Membro titular do movimento Todos pela Educação; Membro do Conselho do Memorial da América Latina; Fundador da Ong Afrobras; Reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares.

Filho caçula de boias-frias, José Vicente nasceu e cresceu no Morro do Querosene, bairro pobre de Marília, no interior de São Paulo. A partir dos 7 anos, trabalhou como engraxate, vendedor ambulante, pintor de paredes, entre muitas outras ocupações. Aos 21 anos, tendo cursado somente até o 2.° ano do Ensino Médio, foi soldado da Polícial Militar e mudou-se para a capital paulista. A vida de José Vicente começou a se modificar quando entrou em bandas marciais da cidade, dentre elas a da Associação de Ensino de Marília. Através da banda, conseguiu um emprego na área administrativa da Faculdade de Odontologia.

Na década de 90, quando Vicente ganhava a vida como advogado criminalista, também encabeçava um grupo de pessoas que conseguiam bolsas de estudos para negros em universidades particulares. Em 1997, fundou a Afrobras, ONG que existe até hoje e administra a faculdade. Em 2004, após a colaboração de diversas pessoas e empresas, começavam as aulas na Zumbi dos Palmares. Hoje são oferecidos cinco cursos (Administração, Direito, Publicidade, Pedagogia e Tecnologia de Transportes Terrestres).

30/05/2019



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A ÁRVORE E O COGUMELO – Oscar Benício dos Santos


A Árvore e o Cogumelo


05 de junho, Dia do Meio Ambiente


O Big Bang foi o início de tudo, 
pulverizando de astros o nada.
E o Planeta Terra, só e desnudo,
logo sentiu a vida despertada.


A célula (cissípara) inicial 
dividiu-se e, uma a uma cada,
bipartiu-se sob força vital,
dando origem à celular camada...


...e o vento da vida soprou forte!
Agora, a humanidade suicida,
sem amor, sem paz e sem norte,


abandonou-o à malfadada sorte
– transmudando a árvore da vida
em sombrio cogumelo da morte!



Oscar Benício dos Santos, 
poeta itabunense.
1926 - 2019

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terça-feira, 4 de junho de 2019

EUCLIDES NETO E SEU ROMANCE MACHOMBONGO – Cyro de Mattos



 Euclides Neto e Seu Romance 
Machombongo 
Cyro de Mattos

          Se com o romance Comercinho do Poço Fundo e a novela Os genros o ficcionista Euclides Neto passa a ocupar um lugar de destaque na expressiva literatura da região cacaueira na Bahia, é com o livro Machombongo que o escritor de Ipiaú consegue realizar a sua obra de ficção mais bem estruturada em termos de novelística moderna.

          Escritor que dá, em alguns de seus romances, um testemunho significativo de acontecimentos e vivências nas terras do cacau, outrora ricas, registrando emoções, expressões e cenas típicas de uma realidade que tão bem conhece, Euclides Neto não coloca no coração do camponês a alegria que ele não possui. Não caminha também por certo regionalismo espiritual em que as impressões colhidas pelo ficcionista vão formando o clima da história, a atmosfera que sustenta a narrativa, deixando num plano secundário o ambiente onde os personagens vão mover seu drama.

          Euclides Neto não transfigura a realidade da região cacaueira na Bahia e nesta não instaura um império de tragicidade por onde as criaturas terão de inexoravelmente cavar as próprias sepulturas. O seu compromisso é antes de tudo com a realidade social, de exploradores e explorados em torno da lavoura cacaueira, da terra que brota o seu processo econômico com novos aspectos nos tempos atuais.

          Escritor experimentado, fiel à problemática social de sua região, Euclides Neto evita a gratuidade de certo esteticismo regionalista. Com um estilo vigoroso, impregnado de oralidade, muitas vezes com a linguagem recriada de maneira feliz, o romancista em Machombongo mais uma vez mostra ser conhecedor de sua arte, da psicologia de sua gente, da condição de miséria em que populações abandonadas vivem em sua região. E com isso nos dá em Machombongo um romance que é o resultado bem-acabado de ficção imbricada na realidade, envolvendo aspectos sociais, econômicos e culturais do homem como animal político.

         
 Machombongo trata dos desmandos do deputado Rogaciano, homem prepotente e atrabiliário, fazendeiro de cacau e pecuária, que antes do golpe militar de 64 já possuía muitas terras, mas que foi ampliando seu império durante o tempo da ditadura, quando passou a ter ampla influência na vida dos habitantes de sua região, no sudoeste baiano. Romance poderoso, de tema atual, relato da escalada ao poder do deputado Rogaciano em um teatro típico, com suas implicações psicológicas do coronel da região cacaueira na Bahia.

          Romance que, se fosse assinado por Jorge Amado, teria certamente grande ressonância no Brasil e, como sempre, correria o mundo.


Cyro de Mattos é poeta e escritor.

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