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sábado, 9 de fevereiro de 2019

NATURALISMO - Aluísio Azevedo




            O estilo realista, objetivo, com muitos pormenores, apresentando as pessoas como se fossem animais e anormais, mostrando atitudes típicas da considerada “ralé humana” em cenas grosseiras, chama-se estilo naturalista ou NATURALISMO.

            O naturalismo é um exagero do Realismo, dominado por extremo materialismo. As pessoas são animalizadas, agem e reagem por instinto, como se fossem bichos. Tudo isso, para criticar a sociedade e suas injustiças.

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UM AUTOR NATURALISTA

            ALUÍSIO TANCREDO GONÇALVES DE AZEVEDO nasceu em 1857 e morreu em 1913. Era filho do vice-cônsul português em São Luís (Maranhão). Estudou ali até o secundário. Foi para o Rio de Janeiro e trabalhou como caricaturista nas redações de jornais políticos e humorísticos. Foi diplomata e morreu em Buenos Aires.
   
            Sua linguagem era chocante, objetiva, direta. Procurava denunciar pela palavra a miséria, a corrupção moral, à luz dos novos conceitos científicos. Muitos de seus personagens são doentes físicos, mentais ou fisiológicos, vítimas de suas próprias imperfeições. É considerado escritor naturalista. Sua obra “O Mulato”, publicada em 1881, ao lado de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, é considerada como marco inicial do realismo em nossa literatura.

            OBRA: Romances: “Uma Lágrima de Mulher”; “O Mulato”; “Casa de Pensão”; “Filomena Borges”; “O Coruja”; “O Homem”; “O Esqueleto”; “O Cortiço”; “Mortalha de Alzira”; “Livro de uma Sogra”; “O Touro Negro”.

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“SEO” LIBÓRIO COME COMO UM PORCO!


            Anoitecia já.

            O velho Libório, que jamais ninguém sabia ao certo onde almoçava ou jantava, surgiu do seu buraco, que nem jabuti quando vê chuva.

            Um tipão, o velho Libório! Ocupava o pior canto do cortiço e andava sempre a fariscar os sobejos alheios, filando aqui, filando ali, pedindo a um e a outro, como um mendigo, chorando misérias eternamente, apanhando pontas de cigarro para fumar no cachimbo, cachimbo que o sumítico roubara de um pobre cego decrépito. Na estalagem diziam, todavia, que Libório tinha dinheiro aferrolhado, contra o que ele protestava ressentido, jurando a sua extrema penúria. E era tão feroz o demônio naquela fome de cão sem dono, que as mães recomendavam às suas crianças todo o cuidado com ele, porque o diabo do velho, quando via algum pequeno desacompanhado, punha-se logo a rondá-lo, a cercá-lo de festas e a fazer-lhe ratices para o engabelar, até conseguir furtar-lhe o doce ou o vintenzinho que o pobrezito trazia fechado na mão.

            Rita fê-lo entrar e deu-lhe de comer e de beber, mas sob condição de que o esfomeado não se socasse demais, para não rebentar ali mesmo.

            Se queria estourar, fosse estourar para longe!

            Ele pôs-se logo a devorar, sofregamente, olhando inquieto para os lados, como se temesse que alguém lhe roubasse a comida da boca. Engolia sem mastigar, empurrando os bocados com os dedos, agarrando-se ao prato e escondendo nas algibeiras o que não podia de uma só vez meter para dentro do corpo.

            Causava terror aquela sua implacável mandíbula, assanhada e devoradora; aquele enorme queixo, ávido, ossudo e sem um dente, que parecia ir engolir tudo, tudo, principalmente pela própria cara, desde a imensa batata vermelha e grelada, que ameaçava já entrar-lhe na boca, até as duas bochechinhas engrelhadas, os olhos, as orelhas, a cabeça inteira, inclusive a sua grande calva, lisa como um queijo e guarnecida em redor  por uns pelos puídos e ralos como farripas de coco.

            Firmo propôs embebedá-lo, só para ver a sorte que ele daria. O Alexandre e a mulher opuseram-se, mas rindo muito; nem se podia deixar de rir, apesar do espanto, vendo aquele resto de gente, aquele esqueleto velho, coberto por uma pele seca, a devorar, a devorar sem tréguas, como se quisesse fazer provisão para uma outra vida.

            De repente, um pedaço de carne, grande demais para ser ingerido de uma vez, engasgou-o seriamente. Libório começou a tossir, aflito, com os olhos sumidos, a cara tingida de uma vermelhidão apoplética. A Leocádia, que era quem lhe ficava mais perto, soltou-lhe um murro nas costas.

            O glutão arremessou sobre a toalha da mesa o bocado de carne já meio triturado.

            Foi um nojo geral.

            - Porco! Gritou Rita, arredando-se.

            Pois se o bruto quer socar tudo ao mesmo tempo, disse Porfírio. Parece que nunca viu comida, este animal!

            E notando que ele continuava ainda mais sôfrego por ter perdido um instante:

            - Espera um pouco, lobo! Que diabo! A comida não foge! Há muito aí com que te fartares por uma vez! Com efeito!

            - Beba água, tio Libório! Aconselhou Augusta

            E, boa, foi buscar um copo de água e levou-lhe à boca.

            O velho bebeu, sem despregar os olhos do prato.

            -  Arre diabo! Resmungou Porfiro, cuspindo para o lado. Este é mesmo capaz de comer-nos a todos nós, sem achar espinhas!



                    AZEVEDO, Aluísio – O CORTIÇO, 12ª edição.
                 Ed. Ática, São Paulo, 1982.


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