O estilo realista, objetivo, com
muitos pormenores, apresentando as pessoas como se fossem animais e anormais,
mostrando atitudes típicas da considerada “ralé humana” em cenas grosseiras,
chama-se estilo naturalista ou NATURALISMO.
O naturalismo é um exagero do
Realismo, dominado por extremo materialismo. As pessoas são animalizadas, agem
e reagem por instinto, como se fossem bichos. Tudo isso, para criticar a
sociedade e suas injustiças.
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UM AUTOR NATURALISTA
ALUÍSIO TANCREDO GONÇALVES DE
AZEVEDO nasceu em 1857 e morreu em 1913. Era filho do vice-cônsul português em
São Luís (Maranhão). Estudou ali até o secundário. Foi para o Rio de Janeiro e
trabalhou como caricaturista nas redações de jornais políticos e humorísticos. Foi
diplomata e morreu em Buenos Aires.
Sua linguagem era chocante,
objetiva, direta. Procurava denunciar pela palavra a miséria, a corrupção
moral, à luz dos novos conceitos científicos. Muitos de seus personagens são
doentes físicos, mentais ou fisiológicos, vítimas de suas próprias
imperfeições. É considerado escritor naturalista. Sua obra “O Mulato”,
publicada em 1881, ao lado de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de
Assis, é considerada como marco inicial do realismo em nossa literatura.
OBRA: Romances: “Uma Lágrima de
Mulher”; “O Mulato”; “Casa de Pensão”; “Filomena Borges”; “O Coruja”; “O Homem”;
“O Esqueleto”; “O Cortiço”; “Mortalha de Alzira”; “Livro de uma Sogra”; “O
Touro Negro”.
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Anoitecia já.
O velho Libório, que jamais ninguém
sabia ao certo onde almoçava ou jantava, surgiu do seu buraco, que nem jabuti
quando vê chuva.
Um tipão, o velho Libório! Ocupava o
pior canto do cortiço e andava sempre a fariscar os sobejos alheios, filando
aqui, filando ali, pedindo a um e a outro, como um mendigo, chorando misérias
eternamente, apanhando pontas de cigarro para fumar no cachimbo, cachimbo que o
sumítico roubara de um pobre cego decrépito. Na estalagem diziam, todavia, que
Libório tinha dinheiro aferrolhado, contra o que ele protestava ressentido,
jurando a sua extrema penúria. E era tão feroz o demônio naquela fome de cão
sem dono, que as mães recomendavam às suas crianças todo o cuidado com ele,
porque o diabo do velho, quando via algum pequeno desacompanhado, punha-se logo
a rondá-lo, a cercá-lo de festas e a fazer-lhe ratices para o engabelar, até
conseguir furtar-lhe o doce ou o vintenzinho que o pobrezito trazia fechado na
mão.
Rita fê-lo entrar e deu-lhe de
comer e de beber, mas sob condição de que o esfomeado não se socasse demais,
para não rebentar ali mesmo.
Se queria estourar, fosse estourar
para longe!
Ele pôs-se logo a devorar,
sofregamente, olhando inquieto para os lados, como se temesse que alguém lhe
roubasse a comida da boca. Engolia sem mastigar, empurrando os bocados com os
dedos, agarrando-se ao prato e escondendo nas algibeiras o que não podia de uma
só vez meter para dentro do corpo.
Causava terror aquela sua
implacável mandíbula, assanhada e devoradora; aquele enorme queixo, ávido,
ossudo e sem um dente, que parecia ir engolir tudo, tudo, principalmente pela
própria cara, desde a imensa batata vermelha e grelada, que ameaçava já
entrar-lhe na boca, até as duas bochechinhas engrelhadas, os olhos, as orelhas,
a cabeça inteira, inclusive a sua grande calva, lisa como um queijo e
guarnecida em redor por uns pelos puídos
e ralos como farripas de coco.
Firmo propôs embebedá-lo, só para
ver a sorte que ele daria. O Alexandre e a mulher opuseram-se, mas rindo muito;
nem se podia deixar de rir, apesar do espanto, vendo aquele resto de gente, aquele
esqueleto velho, coberto por uma pele seca, a devorar, a devorar sem tréguas,
como se quisesse fazer provisão para uma outra vida.
De repente, um pedaço de carne,
grande demais para ser ingerido de uma vez, engasgou-o seriamente. Libório
começou a tossir, aflito, com os olhos sumidos, a cara tingida de uma
vermelhidão apoplética. A Leocádia, que era quem lhe ficava mais perto,
soltou-lhe um murro nas costas.
O glutão arremessou sobre a toalha
da mesa o bocado de carne já meio triturado.
Foi um nojo geral.
- Porco! Gritou Rita, arredando-se.
Pois se o bruto quer socar tudo ao
mesmo tempo, disse Porfírio. Parece que nunca viu comida, este animal!
E notando que ele continuava ainda
mais sôfrego por ter perdido um instante:
- Espera um pouco, lobo! Que diabo!
A comida não foge! Há muito aí com que te fartares por uma vez! Com efeito!
- Beba água, tio Libório! Aconselhou
Augusta
E, boa, foi buscar um copo de água
e levou-lhe à boca.
O velho bebeu, sem despregar os
olhos do prato.
-
Arre diabo! Resmungou Porfiro, cuspindo para o lado. Este é mesmo capaz
de comer-nos a todos nós, sem achar espinhas!
AZEVEDO, Aluísio – O CORTIÇO,
12ª edição.
Ed. Ática, São Paulo, 1982.
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