Itabuna Centenária Artes & Literatura - ICAL
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quinta-feira, 5 de junho de 2025
terça-feira, 3 de junho de 2025
Cyro de Mattos
ADONIAS FILHO
"Diferente de Jorge Amado, que se interessa mais em contar a história de
princípio, meio e fim, com personagens previsíveis, vinculada aos saberes
populares, Adonias Filho tem na forma e ideia uma técnica revolucionária de
inventar um drama, uma tragédia. Escritor de alto nível estético, denso,
elíptico, de estilo poético no fraseado que ultrapassa o regional e alcança o
plano universal porque em sua narrativa há muito de simbolismo. Às vezes sua
linguagem tem entonação bíblica. A paisagem humana não é trabalhada em nível do
típico, exótico, e o cenário, tanto na geografia intimista da zona cacaueira
baiana como na urbana, é formado de magias e mitos. Um mestre na armação do
drama, na condução da tragédia. Sua obra é uma das perpendiculares da
moderna ficção brasileira. “
FLORISVALDO MATTOS
“Meu amigo e
patrício. Poeta de minha admiração. De lastro clássico, versos extensos.
De estro enorme, no épico, histórico, solidariedade social, evocativo do campo
com fatura lapidar. Desde o início, o bardo de Água Preta une o eu lírico
ao artesão da palavra com os instrumentos do sonho, sonoridades e metáforas
incandescentes de esperança resultando no discurso vigoroso, encanta a quem
lê.”
HÉLIO PÓLVORA
“Meu conterrâneo,
deu-me o prazer de ser o primeiro crítico arguto que se debruçou sobre um livro
de nossa autoria, foi muito generoso, não precisava tanto, coisas de
conterrâneo. É visível que a vocação desse contista tende para as
intenções de recolher e transformar na arte genuína as impressões que a vida
propõe nos momentos habitados por vozes vertiginosas. Seu conto Os Galos da
Aurora é um primor da prosa de ficção curta. Bastava que escrevesse as quatros
narrativas antológicas de Mar de Azov para ter seu lugar assegurado na
literatura moderna brasileira
JORGE AMADO
“Homem de coração
bom. Mantivemos uma rica relação de amizade. Também nascido em terras de
Itabuna, Escritor grandão, de linguagem sensual, despretensiosa, em sua maneira
fraternal de conceber o mundo. Para ele é mais importante o conteúdo, muitas vezes
interligado na trama, do que a palavra com a qual a vida é recriada. Construtor
de personagens que ficam para sempre. Faz pensar e ao mesmo tempo rir sua
mensagem de esperança, muitas vezes de fraternidade, vozes cheias de liberdade
na escrita irreverente.”
JORGE ARAÚJO
Nascido em Baixa
Grande, radicado há anos no Sul da Bahia. Poeta, cronista, contista, autor de
livros infantis, crítico literário, dramaturgo e ensaísta. Professor de
literatura aposentado pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Tornou-se
Doutor em Letras com a tese Perfil do leitor colonial, em 1988, sendo
esse título concedido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Conquistou
duas vezes o Prêmio Nacional de Literatura da Academia de Letras da Bahia. Um
dos vencedores do Prêmio da Associação Brasileira de Editoras Universitárias.
Erudição e sensibilidade unem-se com lucidez em seus ensaios investigativos,
marcados por conceitos de alto nível e raciocínios inteligentes.”
JORGE MEDAUAR
“Também foi poeta,
esse contista de Água Preta, de estilo simples, cheio de humanidade ingênua em
suas histórias que prendem, desenhadas como flagrantes da vida diária na cidade
pequena, recheada dos costumes de seu tempo. Marcada com a boa prosa gostosa de
escutar, ler no bilhete, carta, notícia do jornal que vinha de Ilhéus no trem.
Aparentemente fácil, na serenidade de seu discurso há muita observação da vida
documentada com sensibilidade.”
SONIA COUTINHO
“Nascida em
Itabuna, cedo mudou-se com a família para Salvador. Viveu no Rio de Janeiro
onde exerceu o jornalismo e a tradução para sobreviver. Na traiçoeira invenção
da vida, os fados não lhe permitiram que desfrutasse do lado azul da canção.
Ficcionista de solidão em família, de atritos e conflitos, pungentes,
doloridos. Um momento singular da atual ficção brasileira, ao nível de Clarice
Lispector e Lígia Fagundes Telles.”
SOSÍGENES COSTA
“Poeta nascido em
Belmonte, que lhe inspirou Iararana, seu mito nativista. Quando
viveu em Ilhéus, viu a cidade como um búfalo fosfóreo, inventou uma sereia que
se despiu do mito, depois de ter lido Marx e Freud, e deu uma festa no mar.
Poeta de signos irregulares, mesclado nas vertentes barroca, parnasiana,
simbolista, modernista e popular. De tardia repercussão nas letras brasileiras.
Desenhou a flor do cacau toda orvalhada e moça. Mostrou que na lira não habitam
somente versos malditos, também existem as flores, os pavões de audição
colorida, fazendo a vida rútila e festiva.”
TELMO PADILHA
“Nascido em
Ferradas, distrito de Itabuna, onde também nasceu Jorge Amado. Em seu Voo
Absoluto há uma difícil travessia, exposta aos olhos como impossível de
aceitar. Seu discurso aprofunda-se nos temas impregnados de perda, fuga, medo,
solidão e morte. Em Provação, livro póstumo, o clima lírico do eu sereno
está impossibilitado de acolher a adversidade da vida armada pelo fato
estúpido, inexplicável, da derradeira verdade. A tragédia que ceifou o
filho amado vem ao debate através do eu reflexivo, lamento em grito, em que a
palavra aflora intensa na dor, emerge das silabas feridas na alma em delírio,
do coração que sangra, e não tem cura. Um livro que merece uma edição digna de
um poeta verdadeiro.”
VALDELICE PINHEIRO
“Outra poeta
nascida em Itabuna. Seus poemas bem construídos integram-se no repertório
valoroso da poesia produzida na Bahia. Atestam que, se a melhor poesia
produzida no Brasil hoje está no Nordeste, como foi lembrado pelo tradutor e
poeta Ivan Junqueira, acontece principalmente na Bahia. E, entre os baianos,
Valdelice Soares Pinheiro tem sua voz, sua impressão digital, seu talento, sua
ideia imaginada com precisão e saber, que se inscreve em patamar de afirmativo
nível literário.”
Outros autores de expressiva qualidade estão chegando para com suas criações dar andamento ao legado desse conjunto de escritores do melhor exemplo. Apesar de cometer o pecado da omissão, cito alguns deles: Antonio Junior, Renato Prata, Heloísa Prazeres, Piligra, Margarida Fahel, Marcos Luedy, Gustavo Felicíssimo, Ruy Póvoas, Heitor Brasileiro e Pawlo Cidade.
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Cyro de
Mattos é escritor e poeta. Autor de 70 livros pessoais e, entre
eles, cinco de crônicas. Também editado no exterior. Advogado e jornalista.
Colabora quinzenalmente com a revista da crônica Rubem, há mais de quinze anos
editada pelo jornalista e cronista Henrique Fendrich em Brasília, como
homenagem a Rubem Braga, o melhor cronista do Brasil. Conquistou o Prêmio Casa
das Américas em 2023 com o livro Infância com Bicho e Pesadelo e outras
histórias.
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quarta-feira, 7 de maio de 2025
Romance da Terra Amarga
Certa vez, a comissão julgadora desse concurso concedeu Menção Honrosa ao romance Terra Amarga, do baiano José Almiro Gomes, e foi constituída de Jorge Amado, Antônio Olinto e João Guimarães Rosa. Reconhecia assim as qualidades de um romance de conteúdo social no seu conjunto de vícios e virtudes. Essa obra ficou no fundo da gaveta durante décadas e agora na sua primeira edição pede passagem para remontar as vidas sofridas de camponeses subjugados nas relações entre os que mandam fazer e os que cumprem porque não veem outra maneira de sair do impasse, que lhes nega a vida de maneira justa.
Sua história acontece na Fazenda Aurora, no município baiano de Santo Antônio de Jesus. Foca as condições miseráveis de vida no latifúndio, com quase uma centena de trabalhadores descendentes dos negros escravos. Mostra a vida numa propriedade rural extensa com suas plantações de mandioca, fumo, café, cana e o extrativismo de madeira. Tem como personagens principais Du e Noratinha, o Coronel João Vicente, proprietário do latifúndio, e o feitor Alcebíades, ambos impiedosos nas relações com os seus trabalhadores.
Além do estilo desenvolto na condução onisciente das cenas, chama a atenção na trama os intertextos usados com a reprodução das cantigas de roda, ladainhas e improvisos do folclore regional. Recurso empregado na narrativa para atenuar o ambiente desumano em que vivem criaturas marcadas para trabalhar sem volta decente, a não ser sofrer e morrer. De repente um vento alegre derrama-se com sua festiva cantoria popular do folguedo. Alivia assim o cenário cruel de uma humanidade sedenta por dias redentores, cantando e dançando como forma de resistir às dores impingidas pela terra trabalhada em regime de quase escravidão.
Quem conheceu o autor desse romance de fundo social, que viveu na cidade sul baiana de Coaraci por muitos anos, soube como ele era um homem singular. Marido cuidadoso, pai exemplar, advogado corajoso e combativo, nunca se rendendo ao Juiz de Direito de comportamento duvidoso. Era apaixonado pela poética condoreira de Castro Alves, dos versos inigualáveis de Gabriela Mistral e Pablo Neruda, íntimo dos romancistas russos de cárter social.
Terra Amarga é romance que pode levar o leitor não especializado e o estudante a se familiarizar com uma série de noções importantes de sociologia literária, como grupo, socialização, relações de classe, trabalho, liberdade, opressão, personalidade, linguagem, tradição, sociedade, tensão, sobrevivência, dando uma visão global do mundo social numa zona do sertão baiano, no Brasil arcaico do século XX.
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Cyro de Mattos é escritor e poeta. Autor de 70 livros
pessoais e, entre eles, cinco de crônicas. Também editado no exterior. Advogado
e jornalista. Colabora quinzenalmente com a revista da crônica Rubem, há mais
de quinze anos editada pelo jornalista e cronista Henrique Fendrich em
Brasília, como homenagem a Rubem Braga, o melhor cronista do Brasil. Conquistou
o Prêmio Casa das Américas em 2023 com o livro Infância com Bicho e Pesadelo e
outras histórias.
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quarta-feira, 30 de abril de 2025
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Naqueles tempos do holocausto
Cyro
de Mattos
Havia
sido aprovado no concurso do Conservatório Nacional de Música. Sonhara muito
tempo com isso. Desejara começar a exercer a carreira de violinista na
Alemanha, onde certamente desenvolveria seus pendores musicais com o
instrumento que mais apreciava, melhor dizendo amava. Era um país perfeito.
Culto, de grandes artistas. Dera ao mundo homens como Bach, Mozart, Beethoven,
Haendel, Goethe, Hesse, Thomas Mann, Rilke, Kant, Hegel.
Quando o avião aterrissou em solo alemão, sentiu pulsações
boas no coração sonhador com o bem, crente na perfeição da vida quando o
assunto era música. No entanto, sensações expectantes de que iria aprender
muito com o mundo civilizado da Alemanha tiveram a primeira cena decepcionante
quando viu no jardim a tabuleta avisando que ali estavam proibidas de brincar
crianças não arianas. No aeroporto viu o aviso na parede proibindo que judeus
saíssem da Alemanha.
No dia seguinte viu na rua um judeu de rosto
apatetado, desfilando com o cartaz de papelão pendurado no pescoço. O cartaz
dizia: SOU UM RATO SUJO. Jamais ia imaginar que encontraria cenas piores do que
aquela contra o povo judeu. Naqueles idos de 1938, a Alemanha nazista agia como
um povo selvagem, que vomitava ódio contra os judeus. Havia uma vontade
inconcebível para espancar, humilhar, usurpar os bens conquistados por um povo
que se manifestava na vida com inteligência e trabalho.
Encontrou um grupo de jovens soldados nazistas querendo
estuprar uma moça judia brasileira em plena luz do dia. Empurravam, davam tapas
no seu rosto enquanto soltavam gargalhadas histéricas e tentavam espremê-la
contra a parede. Interferiu. Falou alto: “Parem com isso! Não admito tamanha
covardia! Vou denunciar o caso ao Consulado do Brasil!” O grupo largou a moça
contrariado, revoltado com aquele brasileiro inconveniente, um intruso na
defesa de uma judia, uma criatura inferior na escala biológica das raças.
Getúlio Vargas era o presidente do Brasil no Estado Novo. O
ditador brasileiro namorava com as ideias nazistas de Hitler. Determinou que os
diplomatas brasileiros não se metessem com os problemas internos da Alemanha.
Não queria complicações. Reduzira o visto em passaportes de judeus que queriam
sair da Alemanha e vir para o Brasil.
O mal prenunciava que o mundo estava prestes a ser abalado
com a Segunda Guerra Mundial. Hitler estava mandando judeus de volta para a
Polônia. Sua raiva cresceu, alardeava que os judeus estavam roubando a
Alemanha, eram os donos do comércio, das fábricas e estaleiros. Seu império com
bases na inutilidade do sentimento do amor estava prestes a ser instalado, a
fera ressurgia da caverna para banir a pomba na légua, destruir a relva, só
queria a selva.
Ficou sem querer acreditar quando ocorreu a Noite do
Cristal, lojas de judeus foram quebradas, os donos espancados, numa fúria do
horror sem precedente. Sinagogas queimadas, a ordem era reduzir a cinzas os
estabelecimentos comerciais, tudo o que fosse encontrado pela frente e que
havia sido adquirido pelos judeus com esforço nos dias.
Não era justo o que vinha assistindo, a selvageria
descontrolada assassinar a razão. Não se conformava com o que os olhos viam a
todo momento quando saía na rua. Homens separados das mulheres, pais dos
filhos, irmão do irmão. Eram levados para os campos de concentração como uma
carga imprestável. Sujos, vestidos numa roupa fina para enfrentar o forte frio.
Tossiam, o rosto ossudo, a pele amarelada. As marcas do desprezo e abandono nos
olhos tristes, apagados de qualquer vestígio de luz. Entravam nos caminhões
empurrados pelo cano do fuzil, os olhos já não tinham a lágrima, a inocência
não tinha qualquer possibilidade para contradizer uma condenação sem
sentido.
As noites mal dormidas, o pesadelo tomara conta dos sonhos
alimentados no Brasil sob a expectativa de viver em paz com um mundo justo e
civilizado. Até quando iria suportar conviver com uma raça que se dizia
superiora, sustentada em seu mito ariano com as botas de ferro de soldados
impassíveis?
Depois que teve navios bombardeados na costa por submarinos
alemães, o Brasil rompera as relações com a Alemanha nazista. Passou para o
lado dos aliados, que tinham declarado guerra ao ditador de bigodinho nervoso,
o que comandava passadas de ódio na matança de milhões indefesos por manadas
desenfreadas.
No retorno, assim que desembarcou do avião, ao deixar a
escada, a primeira coisa que fez foi se abaixar e dar um beijo no solo da
pátria querida e saudosa.
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Cyro de Mattos é escritor e poeta. Autor de 70 livros pessoais e, entre eles, cinco de crônicas. Também editado no exterior. Advogado e jornalista. Colabora quinzenalmente com a revista da crônica Rubem, há mais de quinze anos editada pelo jornalista e cronista Henrique Fendrich em Brasília, como homenagem a Rubem Braga, o melhor cronista do Brasil. Conquistou o Prêmio Casa das Américas em 2023 com o livro Infância com Bicho e Pesadelo e outras histórias.
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