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segunda-feira, 8 de abril de 2019

DIÁRIO DE VIAGEM - Francisco Benício dos Santos (14)


BORDO DO Pedro II

31º DIA (Final)

Post anterior - clique no link abaixo: 

Isauro:
- Não nos faça uma conferência. Olhe, querida, que os nossos digníssimos ouvintes já devem estar com Morfeu a lhes rondar os sentidos...
- Não, é cedo. Morfeu está no salão do baile ao lado do casal de sírios.
-Magnífica está a limonada, pena que não sirva para os mistérios do santo sacrifício da missa; isto faria mais bem e saberia melhor aos santos abades. Eles preferem, porém, a limonada da parra. Dá-lhes sonhos, dá-lhe ilusões!
- E dá-lhe irreverência – rematou a embaixatriz.
Doutor Hidalgo:
- Sempre brigona e inquisitorial a minha cara-metade!

Nísia:
- Como percebo Deus: A humanidade que vem percorrendo toda escala dos seres da criação, desde o infusório ao leão e deste ao homem, cedo compreendeu eu precisava de um ser que o protegesse e daí começou adorando animais, aves, répteis, o sol e, por último, criou um nome com a evolução, para defini-lo.
Chamou-o Deus, Alá, Júpiter, Pam, etc.

Foi o medo quem criou este nome e as religiões tomaram conta deles e fantasiaram ao ponto de tecerem uma teia complicada dando lugar às milhares de definições e, com elas, as milhares de obras, todas com um único fim de manter a humanidade na sua milenar ignorância, tornando-a escrava do medo.

Criaram o inferno com as suas penas eternas, os dogmas, os mistérios, as divindades e uma corte celestial do feitio das casas reinantes da terra, com ministros, anjos, serafins e até virgens!
Depois veio a inquisição. A golpes de torturas obrigava a toda a população a acreditar nos seus dogmas ou então seria mandada em nome de Deus para a casa do outro Deus de igual poder ; o Satanás. E foram milhões de seres imolados por esta infame e sacrílega instituição que, segundo ela, estão povoando outros infernos, eternamente, sem outra culpa senão a de não acreditar, por exemplo, que o papa é Deus e que o inferno e o purgatório são lugares reais. Ora, isto é apenas infantil! Sem que queira embrenhar-me nos mundos metafísicos, os deixo de lado e vou dizer o que penso sobre Deus...

Admiro Deus em tudo quanto no universo existe.
O Todo dentro do Todo.
Ao surgir do sol, quando os seus raios cheios de luz, calor e eletricidade, penetram em todos os lugares; nas choupanas, nas tocas, nas florestas, nos ninhos, nos lagos, nos rios, nos mares, no solar, nos palácios, nas igrejas, nas academias, nas roças dos lavradores, nos campos, no leito do moribundo, no berço de recém-nascido.
Aí vejo Deus... a sua imagem com a sua bondade, com a sua justiça, com a onisciência...

Vejo Deus em tudo que palpita, que vibra!
Quando contemplo o céu estrelado e ponteado de sóis, de lua, de planetas, de cometas, de nebulosas, de Via-Láctea, nestas noites lindas do céu do Brasil, sem nuvens, de um azul profundo e suavíssimo, eu fico admirada, enlevada, agradecida na contemplação do Cosmo-Deus que naquele conjunto harmonioso, vibra, palpita e observa as diversas humanidades contadas  aos trilhões que naqueles mundos vivem, vibram, trabalham, gozam e rendem culto à harmonia, à fraternidade, à justiça e ao amor que é, em síntese, o único nome que define Deus. Sim... que define Deus!
 Porque Deus é amor.

Não esse amor humano, egoísta, falso, não esse amor-desejo, amor-paixão, amor-instinto, amor-sensualidade, mas amor-sentimento, amor-altruísmo, amor-desprendimento, amor-justiça, amor-bondade, amor-perfeição.
Eu vejo e sinto Deus-Amor dentro de mim, dentro da humanidade.

Deus-Amor está no desabrochar da flor, no germinar da semente, no perpassar da brisa, nos movimentos dos oceanos, nos estampidos dos trovões, no movimento dos astros, no brilho dos sóis, na magnitude das noites enluaradas. Está também no silvo do réptil, no canto do passarinho, no lamento do injustiçado, nas dores do doente, no leito do moribundo, no berço do infantil, nos soluços da mãe, no grito de dor do desesperado.
Deus está em tudo. Está dentro de nós, de nossa consciência, nos nossos atos.

Por isso, admiro-o pelas suas obras. Ele é tal imenso sol , de tamanho absolutamente incompreensível aos nossos sentidos, que emite chispas, fagulhas e estas fagulhas seguem universo a fora, descrevendo órbitas, limando-se, polindo-se, aprendendo e fazendo outras iguais evoluírem e nessa trajetória de milênios, retornará ao sol de onde saiu, unindo-se a Ele e com Ele se confundindo.
 É assim que eu compreendo Deus!

Falou doutamente.
Pena que a madame não ouvisse a sua dissertação. Rezava ave-marias e ladainhas castelhanas “inacianas”.

- Sei que tudo isto nada representa, sei que a Igreja está com a verdade e que o munto está cheio de fantasias e de descrenças.
- Bem, agora vamos repousar. Buenas noites...

Desperto às cinco horas.
As costas e os contornos da capital estão à vista.
O pessoal de bordo está lavando o convés.
O sol vem surgindo do mar, lançando reflexos sobre as águas.
Um marinheiro vem içar a bandeira nacional no mastro do Bagé, e, ao fazê-lo, o sol vai beijando o verde-amarelo das nossas cores, ao balanço do terreal fresco e macio, fazendo-a ondular enlaçada de reflexos dos seus raios violáceos...
Senti-me poeta e relembrando o cearense Paulo Ney, declamei-lhe os versos:

“Auriverde pendão da minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que à luz do sol encerra
As promessas divinas da esperança!”

- Bravo, bravíssimo! Estás poeta?!
Era Nísia que me despertava  do meu êxtase, como uma deusa seráfica, radiante de beleza e encantos...
Não me contive.
Beijei-a apaixonadamente...
...afinal, éramos humanos.

O sol inflamava as águas e o casario da cidade com as reverberações dos seus lampejos.
O farol ainda emitia tênues lampejos de três cores a despedir-se da noite, incendiando os fios elétricos.
As luzes da cidade já se apagaram.
Apenas o verde-escuro da cidade-Pomar vai se iluminando de claridades solares.
O navio vai mansamente transpondo a barra.
Alvoroço à bordo.
Muita gente no cais.
Conhecidos acenam sorrindo.
Famílias dos congressistas.
Convidados.
Curiosos.
Amigos.
O cais está apinhado como se fosse dia de chegada de algum figurão oficial.
Os carregadores conhecidos abrem os dentes alvíssimos, destacando-se do preto da cara e do azul da vestimenta.

Meu pai.
Minha mãe!
Pedrito!
Até Frutuoso e Massimo estão no cais.
Diviso-os, saúdo-os com o lenço.
Nísia e eu saltamos juntos.
Abraços fortes, congratulações, alegrias.
Rumo à chácara.
 ...............
CONCLUSÃO

Meus pais ambientados e afeitos à nova vida.
A chácara fora magnífico negócio.
Frutuoso superintende o pomar e a horta.
Massimo, o estábulo e a capineira.
Tudo em progresso e rendendo lucros.

Eu e Nísia casamos.
Não houve festas. Tudo feito e realizado numa simplicidade wagneriana.
Somos felicíssimos.
Montamos consultório na cidade e vivemos dos labores da nossa profissão, que nos enche de entusiasmo e convida-nos a prosseguir.

Pedrito, juntando o útil ao agradável, também casou-se.
Hoje é genro e sócio do senhor Castro.
Sob o mesmo teto paterno, na casa ampla da chácara, vivem agora três casais. Dois deles sem filhos, por enquanto...

                                    Finalmente,
A árvore plantada pelo Velho Martinho transportou-se para terreno fértil e profundo.
Frondou, e novos galhos virentes e robustos surgiram impetuosamente.
                                   
                                     (Ponto Final)

NOTA.
         Entrou a minha historinha por
         Uma porta e saiu na outra,
        Agora... Julinha...
        ... que me conte outra.

27/01/1941
F. B. Santos

(AQUARELAS E RECORDAÇÕES Capítulo XXII) –Francisco Benício dos Santos

Postagem final

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Para facilitar sua leitura, ICAL publica abaixo os links de postagens do capítulo XXII – DIÁRIO DE VIAGEM:

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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

DIÁRIO DE VIAGEM - Francisco Benício dos Santos (13)


BORDO DO Pedro II

31º DIA (Continuação)

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Chegou o pessoal.
Nísia está radiante, contentíssima.
Os colegas, cabotinos e bancando importância,
cheios de dedos, cada qual a se considerar mais importante, e nas cavaqueações a misturarem frases inglesas castelhanas ao vernáculo.
As gafes eram imensas.
Eles não as contam.
Cada um arrota mais prestígio.
As citações de nomes arrevezados, saem a cada momento.
Uma coisa eu sei que é verdadeira:
Estão limpos e sem vintém nas algibeiras.
A salvação é que viajam num barco do Loyd e o governo paga-lhes o sustento.
Nísia está contrariada com a conduta de alguns, tais as inconveniências praticadas em terra estranha, manchando a reputação da pátria.
São uns insensatos.
Atenções do governo e da sociedade mexicana.
Passeios, convescotes, banquetes, recitais e sessões científicas.
Estou cansado de tanta festa!
Aspirando a um descanso e a um repouso.
Partida marcada.
Aguardamos a chegada do Bagé, de sua volta da América, para conduzir-nos à pátria de regresso.

Chegou o Bagé.
Explosões de júbilo.
Contentamento.
Despedida com uma festa que a nossa embaixada ofereceu à sociedade mexicana a bordo do navio.
Foi solene
Foi impecável.
Distinta!
Fechamos com chave de ouro a nossa estada no estrangeiro.

Rumo ao Brasil direto a Recife.
Viagem tumultuosa e cheia de encantos.
Eu e Nísia boicotamos os componentes da embaixada e a sós vivemos o nosso mundo.
Uma lua-de-mel espiritual.
Numa comunhão de ideais e sentimentos.
Somos invejados.
Somos vistos com olhos pérfidos.
Não ligamos para eles.
As festas de bordo não mais compartilhamos.
Afinal houve uma festa em honra ao ministro mexicano que viaja para o Rio onde vai representar o seu país.
Fomos convidados.
Aceitamos.
Foi uma exibição artística magnífica.
Declamações.
Recitais de canto.
Um número de dança nacional.
Nísia representou a bandeira mexicana.
A embaixatriz do México a brasileira.
Quando as duas, empunhando as bandeiras do México e do Brasil, penetraram no salão de festas, as palmas foram estrepitosas.
Nísia fez um improviso ao México numa felicidade rara. Numa eloquência cicereana, percorre lembrando os heróis mexicanos e termina beijando a bandeira do México.
Salvas de palmas abafaram as suas últimas palavras.
A embaixatriz do México comovida, também beijou a bandeira do Brasil e ternamente a Nísia.
O representante do México fez o brinde de honra ao Brasil saudando o seu presidente na pessoa do comandante do navio.
Foi uma festa maravilhosa, especialmente pela cordialidade.

Recife à vista.
Saudamos a terra do Brasil com vários urros e palmas.
Saltamos.
Passeio pela Veneza brasileira, cheia de pontes, rios e palácios.
O Bagé apenas demorou quatro horas no porto.
Novamente à bordo, para o término da viagem.

A costa do Norte já não tem o pitoresco e a magia daquela do Sul.
A natureza aqui não se esmerou tanto. Lembro, entretanto, Gonçalves Dias no seu verso candorado e patriótico.
Mas praias alvíssimas a orlam e dão beleza singular, bordadas com os coqueiros e as carnaúbas.
Sem esquecer-me das lendárias jangadas que salpicam de encantos o seu verde mar, sempre protegido por um céu de um azul tão puro e tão suave como não há igual na terra.
O Doutor Hidalgo, embaixador mexicano, entreteve à noite sobre o pálio do cruzeiro, uma palestra agradável conosco (refiro-me à Nísia), que vou tentar aqui descrevê-la.
Madame Hermosa, a embaixatriz, foi coparticipante na tertúlia, se bem que somente para discordar e manter-se irredutível na defesa de seu dogma de fé religioso.

Tombadilho do Bagé. Sala de estar.
Cadeiras de vime pintadas de esmeralda e decoradas a ouro.
Ao centro uma mesa redonda também de vime ostentando braçadas de flores recifenses...
Eu e Nísia lemos.
Nísia, um tratado inglês sobre fisiologia; eu releio o meu diário de viagem.
Aproxima-se o casal de embaixadores mexicanos.
- Buenos dias...
- Buenos, mui Buenos...
- Estão a ler tão cedo. Acho que para noivos e em viagem de recreio, isto é algo admirável e estranho.
- Concordo madame.
- Sentem-se, façam-nos a graça da companhia tão gentil e cativante como instrutiva.
- Aceitamos, não pelas bondosas afirmativas, mas pelo prazer da jovem companhia.
- Leem...
- Os meus borrões de viagem.
- Um tratado sobre fisiologia.
- E nada de amores nem de versos, nem de madrigais. Esquisito que tão jovens e já com o inverno dos anos a lhes perturbarem as alegrias e as espontaneidades da juventude!...
- De certo que gostamos destas cousas, a que todos da nossa idade rendem culto, mas é que encaramos a vida, o amor, o sentimento por outros prismas.
- Parece-lhes que estamos no século de Demóstenes e de Cícero?
- Não, apenas vejo espíritos velhos em corpos novos, moços. Não concordo, isto é, contra todos os dogmas da Igreja e como tal devemos respeitá-los; são mistérios que o ser humano não pode e não deve contrariar, a não ser que se queira tornar incréu e infiel.
- Mas senhora embaixatriz, nem eu nem Nísia concordamos com o crer sem saber a razão. A nossa doutrina religiosa resume-se apenas no cumprimento do dever, no respeito a todos os seres da criação, especialmente ao homem, nosso semelhante.
- De acordo, estou com o seu pensamento – disse o embaixador. A senhora é católica dogmática a esta classe de gente que “têm olhos, mas não veem e têm ouvidos, mas não ouvem”, é inútil, é inútil a discussão. São irredutíveis nos seus dogmas, mistérios e convicções religiosas.
- De fato, a Deus pertence o mundo e as criaturas e só a ele é possível o conhecimento das cousas divinas. A nós só compete adorá-lo e honrá-lo.
- Estou de perfeito acordo com a madame, mas embora seja mulher e tenha admiração pelo culto artístico e rico dos católicos e que reconheça que a Igreja deve ao mundo grandes causas e importantes obras, todavia, discordo dos dogmas e dos mistérios, das penas e das recompensas. Acho-os absurdos e inexplicáveis.
- Oh! Não fale assim, minha querida, não ofenda a Jesus. Olhe que a sua santíssima Mãe está a ouvir-nos e Lúcifer não perde oportunidades para lançar as suas garras sobre as pessoas que falam inconsideradamente. Cuidado, minha filha, com as palavras e com aquelas que representam ofensas, blasfêmias. Deus castiga com ira a quem o desobedece...
- Desculpe-me, madame, mas não posso compreender um Deus irado e vingador. Um Deus que criou um ser igual a si no poder e que este poder é somente para arrebatar ao inferno e ao purgatório os seres que ele criou à sua imagem e semelhança. Não, isto é conto para fazer temer a crianças.
- Bem, “a cada um segundo as suas obras”, pode a menina pensar assim, mas, está em erro e cedo ou tarde, responderá pelo que diz.
- De certo que respondo pelos meus atos, de posse como estou do meu livre arbítrio, responsável, portanto, perante o meu espírito, pelos atos bons ou maus que praticar. Mas, posso errar, posso cair, posso laborar em erro, mas tenho em minha frente não o castigo, mas o tempo, para com novas obras meritórias pagar o mal que fiz com o bem que fizer e deste modo remir-me da culpa, não perante Deus, mas perante mim mesma, no tribunal da minha consciência.
Palmas do embaixador...
- Disse profundas e consoladoras verdades aristotelinas...
- Isto são divagações contrárias ao que ensina a Santa Madre Igreja. A mocidade de hoje em todos os países é a mesma. Desculpe-nos, senhorita.
- Não há por que se desculpar, estamos numa tertúlia agradável; o meu espírito sente-se contentíssimo nestas divagações. Há de concordar comigo que são melhores do que aquelas que se estão realizando ali no salão de bailes, ao som do jazz e ao enlaçar de corpos nos bamboleios do samba, da rumba, do fox e do tango!
- De fato, mas é que a música e os divertimentos são permitidos por Deus. Não devemos abusar deles, mas usá-los com moderação é até salutar.
- Tanto mais quando os cérebros estão toldados com os vapores do néctar dos deuses, que até no altar é admitido, no sacrifício da missa.
- Oh! Mas ali ele representa o sangue de Jesus Cristo. Não blasfeme, minha querida.
- Mas é sempre com o suco da parreira que se faz o “sangue do Cristo”, que se faz a Champagne com que as “cocotes” e as levianas celebram as saturnas do vício e as sociedades galantes toldam o cérebro e perdem a noção de dignidade, tornando-se presas da volúpia, da licenciosidade e do sensualismo.
- É grande menina! Sois com as vossas ideias um compêndio de moral. Eu vos felicito.
Obrigada Doutor Hidalgo. Agradeço o vosso encorajamento. Sois um corpo velho com uma alma de moço.
- Não admira que meu marido aprecie as ideias feministas da menina, ele é ateu, e não sei como não é comunista.
- Pobre da minha mulher, grande alma infantil! Não sei quando quer despertar e abrir os olhos à luz.

Nísia:
- Mas senhora embaixatriz, a quem admiro como respeitável senhora, como digníssima esposa, como dama aristocrática da raça, como mexicana amiga do meu país, como cristã e adoradora do maior filósofo que palmilhou a crosta deste “vale de lágrimas”, permita-me que lhe diga, que não há ser nenhum ateu, especialmente em se tratando do seu digno marido, essa grande alma sonhadora e possuidora de dotes de inteligência que ofuscam a maioria de seus semelhantes. Não senhora, não existe ateu!
- E a menina crê em Deus e como O define, já que se referiu a Jesus.
- Peço-lhe dez minutos de atenção para nesse diminuto espaço de tempo, dizer-lhe em síntese como creio em Deus e como O percebo.
- Perfeitamente.
- Sirva-nos limonada para acalmar os nossos cérebros e as nossas emoções.
- Sentemo-nos mais confortavelmente. (final na próxima postagem)


(AQUARELAS E RECORDAÇÕES Capítulo XXII) – continuação...
Francisco Benício dos Santos

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terça-feira, 21 de agosto de 2018

DIÁRIO DE VIAGEM Francisco - Benício dos Santos (12)


BORDO DO Pedro II

31º DIA (Continuação)

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No mesmo “Hudson”, o navio que me trouxe de Valparaíso, embarco com destino ao México, via Canal do Panamá. Quito.
O navio demorou poucas horas no porto. Não saltei.
Caracas. Venezuela.
Desembarco.
Percorro a cidade de automóvel e visito os pontos principais.
Palácio Mira Flores, Museu Nacional...
Estamos no Panamá.
O navio é medido e revistado para poder penetrar no canal propriamente dito.
Maravilhosa obra de arte e de engenharia que assombrou o mundo e superou todas as realizações do engenho humano.
Via de comunicação segura entre o Pacífico e o Atlântico, sem os perigos e os riscos da travessia pelo estreito de Magalhães.
O homem aqui venceu a natureza e superou-a.
A língua que se fala e que se ouve é somente a inglesa.
Tudo americanizado.
O dólar é o imperador.
De comporta em comporta, ordens, contraordens, tudo mecanicamente, militarmente disciplinado...
Vamos sulcando as águas protegidas e tranquilas do canal.
Fortificações monstruosas dos Estados Unidos de uma e outra margem do canal.
No Pacífico a frota de guerra americana faz exercício de tiro.
Ondas de aviões passam ensurdecendo tudo com o ruído dos seus possantes motores.
E os tiros espaçados dos couraçados são ouvidos ritmadamente.
É o poderio e a potência da bandeira estrelada.
Cinquenta quilômetros de travessia e o espetáculo solene da entrada do “Hudson” no Oceano Atlântico.
Um apito, um tiro de canhão,  e a marcha livre do transatlântico no leito macio das águas atlânticas.
Rumo ao México, sem escala.
Na costa, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e, no meio do Atlântico, como um oásis de bem-aventurança e fartura – Cuba.
Amanhecemos tendo Vera Cruz em nossa frente.
O sol dardejava latejadas de luz sobre  os metais dos navios, tirando chispas e queimando a epiderme cor de camarão torrado dos marinheiros “ianques”, desnudos, a fazerem a lavagem do tombadilho, metidos em botas de borracha, dorso nu e, na cabeça um minúsculo gorro branco com a aparência  exótica.
Saltamos.
Viagem para o México de automóvel.
Estou instalado na capital da República do México – o término e o ponto final  da minha excursão – viagem-prêmio.

As visitas protocolares de praxe.
Hotel Juarez

Uma surpresa:

Uma carta de Nísia por intermédio da Embaixada do Brasil, avisando-me da próxima chegada da Embaixada que em viagem de retorno, breve estariam nesta capital.
A alegria foi indescritível.
Era o remate final, com chave de ouro.
A terra de Juarez e dos astecas, quíchuas, é verdadeiramente impressionante.
Ruínas e vestígios de um passado importante e de uma civilização maravilhosa observa-se a cada passo.
Templos e escombros de cidades que diziam da magnificência destruída.
Lembranças me vêm à mente, dos morticínios perpetrados por Cortez, cuja cobiça e rapinagem destruíram um povo e uma civilização pacífica e interessante.
Quanto sangue, quanta miséria, quanta destruição perpetradas em nome de uma religião que queria salvar as gentes das garras do paganismo!...
Oh! Espanha criminosa, Espanha inimiga do progresso, ah, Espanha fradesca e inquisitorial.
Tu manchaste a terra com o sangue das vítimas inocentes, imoladas ao altar dos teus inconfessáveis desejos.
Hás de pagar um dia perante a história, as tuas culpas e os teus crimes.
O sangue dos habitantes do México e do Peru clama contra ti e a justiça é tardia, mas um dia chegará.
Maximiliano pagou e era culto e bom.
Os descendentes do intrépido Juarez estão se multiplicando e com eles o grito de vingança e de revolta contra esta Europa cínica e criminosa, egoísta e idólatra.

Chegada da Embaixada acadêmica brasileira.

Faz hoje sessenta dias de viagem, viagem em que estou a fazer um “S” pelas Américas.
O cérebro cheio de emoções e de recordações.
E na tela do pensamento vejo deslizarem as cenas, os cenários, os motivos e as vistas panorâmicas policrômicas que me deixam extasiado com a sua contemplação.
Fecho os olhos e percorro toda a caminhada.
Rio, Santos, Porto Alegre, Montevidéu, Buenos Aires, os Andes, o Pacífico, Santiago, Valparaíso. Calau, Lima, Cuzco, Titicaca, Quito, Caracas, Panamá, o Atlântico, Vera Cruz, México...

Abro-os e digo assim a mim mesmo:
Nada igual ao meu Brasil. (continua na próxima postagem)


(AQUARELAS E RECORDAÇÕES  Capítulo XXII)  continuação...
Francisco Benício dos Santos

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segunda-feira, 2 de julho de 2018

DIÁRIO DE VIAGEM - Francisco Benício dos Santos (11)


BORDO DO Pedro II

31º DIA


Um mês de viagem.
Malas arrumadas.
Passaporte visado.
Cartas de apresentação.
Despedida.

Embarco na “Ferro Carril Transandina” para Valparaíso, no Chile.
Em frente, os Andes, maciços, imponentes – a divisa natural entre Argentina e o Chile.
Eternamente coberto de neve e povoado pelos condores e vulcões.
Ao sul a terra do fogo e ao fim o cabo Horn, onde o Pacífico e o Atlântico se digladiam eternamente sem nenhum dos pugilistas cederem na luta de milhões de séculos.
Lembra-me a coragem e a inteligência  do luso Magalhães, que num assomo de paciência, persistência e intrepidez doou ao mundo a passagem do estreito que tomou o seu nome, cujo epílogo  de tão arriscada e temerosa jornada, foi a sua morte inglória numa ilha selvagem do Pacífico, numa peleja com os nativos.
Triste destino de tão alto personagem.
Pobre Fernão de Magalhães! Viveu somente para o sofrimento, legando o seu nome e a sua descoberta a humanidade que a deixou no mesmo estado até hoje.
Nem valeu a pena o sacrifício.
Aquela passagem pequena, estreita, sinuosa e cheia de escolhos e perigos, é ainda considerada temerosa para os navios que a tentam cruzar, arrastando a raiva e a fúria dos dois oceanos, sempre hostis.

Atravesso regiões maravilhosas  e cidades importantes, e os vários túneis, viadutos e paisagens  da cordilheira.
Afinal Valparaíso, estou no Chile.
Cidade sorriso, cidade encanto, cidade dum povo bom, acessível e, sobretudo, amigo do Brasil e dos brasileiros.
Es brasileno, es Hermano”.

Avenida Brasil, belíssima, artéria cujo nome lembra o meu país distante.
Estamos na costa e porta do oceano Pacífico.
Do outro lado da cordilheira andina, o Brasil...
Indústrias de salitre e de nitratos, riqueza mineral e principal fonte de receita do Chile.
Santiago.
A grande capital e principal cidade do país, tão importante como São Paulo, Porto Alegre  e Montevidéu, apenas inferior ao Rio e Buenos Aires.
Sede do governo e das escolas superiores e universitárias. Centro cultural importantíssimo. Comércio notável.
Demoro-me pouco aqui. Estou atrasado e preciso chegar ao México e a distancia a percorrer é enorme...
Amanhã viajo para a República do Peru.

Já perdi a cronologia deste diário. Agora as notas serão contínuas.
Os incômodos, as viagens, as mudanças, prejudicaram  a continuidade.

Bordo do navio “Hudson” transoceânico norte americano da linha Pacífico Atlântico, via canal do Panamá-Valparaíso-New York.
A costa do Pacífico no Peru é desnuda e desprovida de vegetação; uma desolação!
Verdadeiro contraste com as costas magníficas do Brasil.
A viagem é monótona e aborrecidíssima.

Quatro dias de Valparaíso a Calau. Passei todo esse tempo em leituras. Não fiz camaradagem com os passageiros, na maioria, norte-americanos, ingleses e japoneses, poucos sul-americanos. Apenas dois rapazes peruanos e um casal chileno que se destinavam à Venezuela.

Fiz relações ligeiras com um peruano, muito simpático, mas que nada sabia do Peru e da sua história. Foi criado no Chile.
Chegamos a Calau, o principal porto do Peru, espécie de subúrbio de Lima.
Desembarco só. O navio descarrega mercadorias e ruma ao seu destino.
As dificuldades aduaneiras aqui não existem, especialmente para os brasileiros que são aqui queridos e estimados.
Estou encantado com os peruanos, tal a sua cativante bondade.
E as mulheres, verdadeiros tipos de beleza. A mestiçagem entre fidalgos espanhóis e fidalgos incas deu em resultado o belo tipo moreno das mulheres peruanas.

Lima é uma cidade bem diferente das suas congêneres sul-americanas. Aqui o cunho andaluz é proeminente,  na terra dos vice-reis da Espanha onde a fidalgaria espanhola deixou largos traços da sua característica, nos edifícios, nos costumes,  no povo e na sua aristocracia.
A todo passo encontram-se  edifícios notáveis ao gosto e ao estilo andaluz, em contraste com os mais belos edifícios do estilo moderno e de traços arquitetônicos deslumbrantes e suntuosos, tais como o palácio presidencial que é, sem contestação, um dos mais suntuosos das Américas, tal a imponência da sua arquitetura.
Lima está cercada de tradições históricas, do passado da civilização inca.

A trinta quilômetros está localizado o célebre Pacha-lanec, local onde se encontram os vestígios da milenária civilização incaica, que os espanhóis destruíram com a conquista do nefasto “Cortez”.
Ruínas de cidadelas, fortes, fortalezas, além do vasto depósito de ossos humanos descobertos e desenterrados pelos terremotos periódicos que assolam aquela região.
Disseram-me que em Cuzco (contou-me o Panchito, meu companheiro de viagem de Valparaíso a Calau), que ali é onde está a magnificência do passado inca.
Lá estão os templos do Sol, as ruínas de Machu-Pichu.
Até foi a milênios, o centro e a metrópole do vasto império que se estendia da Colômbia à Argentina.
É um país de tradição, de um passado único na América.
Lima é a cidade aristocrática da América.
Sua cultura científica, artística, literária é importantíssima.
E quanto à bondade, a gentileza e a hospitalidade dos seus habitantes, só é comparável à brasileira.
A encantadora Lima é o centro cultural e aristocrático por excelência.
Aqui deste lado do Pacífico, tem o Brasil um povo amigo que o admira e venera.

De estrada de ferro vou ao afamado lago Titicaca.
Lá está trepado nos Andes, a oitocentos metros de altura e com cerca de oitocentos metros quadrados de águas salobras. Um verdadeiro espetáculo da natureza!
Água, céu e nuvens formam um todo.
Lhamas mansas, domesticadas a serviço do homem, e lhamas selvagens, vivem à beira do  lago numa sociedade com os indígenas, restos de uma raça de fortes que se definha  e se confunde com seu próprio desaparecimento.

Deixo o Peru saudoso e Lima vai ficar na minha mente com a sua paisagem típica, a sua sociedade culta, a sua hospitalidade à brasileira e a sua bondade inata. (Continua na próxima postagem).


(AQUARELAS E RECORDAÇÕES  Capítulo XXII)
Francisco Benício dos Santos

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quarta-feira, 9 de maio de 2018

DIÁRIO DE VIAGEM – Francisco Benício dos Santos (10)


BORDO DO Pedro II

27º DIA


Um churrasco no campo; oferecido pelos senhores Alvelar Hermanos.

Fraternidade, camaradagem, lisonjeiras referências ao Brasil e aos brasileiros.

Agradeço saudando a gentileza argentina.

Jardim Zoológico.

Jardim Botânico.

Admiráveis, bem cuidados, bem tratados.

Ricas coleções vegetais.

Uma vitória-régia amazônica.

Orquídeas do jardim botânico do Rio.

Begônias brasileiras.

Um tatu. Um tapir.

Saúdo-os, são patrícios.

A rica flora e fauna argentina apresenta aspectos surpreendentes.

Águias, cisnes, cegonhas, gaviões e o rei do espaço, o condor, imponente, majestoso.

Foi um belo passeio, uma aula magnífica.

Um belo e útil dia.
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28º DIA


Hoje é dia dedicado à Embaixada. Passo na sua biblioteca o dia inteirinho, vendo arquivos, lendo, compulsando, analisando.

Toda a nossa história ali catalogada ao lado da do Uruguai e Argentina.

Documentos interessantes e impressionantes.

Verdadeiro veio de informações preciosas.

Artigas, Rosa, Solano Lopez, ao lado dos nossos grandes vultos.

Caxias, Osório, Tamandaré...

... e centenas de outros mais.

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29º DIA

Passeio com o meu cicerone, e o secretário da Delegação por toda Buenos Aires, esse imenso formigueiro humano, de ruas e avenidas geométricas à europeia, e praças e jardins maravilhosos, estátuas e palácios.

É, de fato e de direito, a mais importante cidade sul americana, mas está longe, muito longe da “maravilhosa”.

O  Rio de Janeiro é único.

Tem tudo: beleza, comércio, movimento, passeios encantadores.

É o espelho do Brasil.

É a sua sala de recepção.

É a sua mais importante glória.

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30º DIA

Vi tudo. Analisei. Comparei.

Em conclusão:

Nada se compara ao Brasil.

Nem em progresso,

nem em artes,

nem em palácios,

nem em ruas, praças e jardins,

nem em comércio,

nem em indústria,

nem em riquezas.


E quanto à beleza do seu solo,

das suas montanhas,

das suas cascatas,

dos seus rios,

dos seus mares,

dos seus lagos,

nada há que se compare.


E quanto à bondade da sua gente,

e a sua cativante hospitalidade,

nada há que lhe supere,

e que se possa comparar...


(AQUARELAS E RECORDAÇÕES  Capítulo XXII)
Francisco Benício dos Santos

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