Entre os mil tipos de noite que existem, escondidas no meio
das outras, dormem as Azuis, as Brancas e as Desgraçadas.
De vez em quando, uma delas acorda para dar plantão. A gente
identifica logo.
Nas Noites Azuis, as crianças sonham com os anjos.
As
mulheres sonham com beijos.
Os homens sonham com feitos.
As dores roncam
profundamente.
As gentilezas saem por aí a passeio, os crimes tiram uma noite
de folga e o amor sofre uma terrível insônia.
Os casais acordados sussurram
baixinho. (Se alguém despertar, eles não estarão mais sozinhos).
No entanto, os sonhos acordados falam mais alto, ansiosos
para ser logo promovidos a fatos.
Os namorados namoram, namoram e namoram, pois
quem vai fazer a besteira de não aproveitar uma noite azul para esse tipo de
coisa?
As partes tentam se colar uma na outra.
O escuro vira
cúmplice.
Cada olhar cumpre sua cota.
A lua ajuda no que pode.
As estrelas se
empenham especialmente.
Os vaga-lumes executam seu trabalho.
A brisa e o calor
se alternam no ritmo dos suspiros.
As mãos também fazem cada qual sua parte.
Nas noites azuis, o preto, o marrom, o roxo, o cinza e
todas as outras cores descansam, exceto o dourado.
Os velhos sentem vontade de dar pulos.
Os adultos têm ataques súbitos de doidice.
Os adolescentes se tornam as vítimas preferidas dos acasos.
É como se tudo fosse festa.
A bebida desce bem, nas noites azuis. Depois sobe, pra
cabeça, e então a gente pode cometer o que quiser, inclusive insanidades.
Tomara que não amanheça! Tomara que não amanheça!
Tomara que não amanheça!
Tomara!
Nas Noites Brancas os sonhos de quem dorme sente falta das ideias
melhores e aí vai qualquer uma mesmo: Escola, ônibus, engarrafamento, Caneta,
carteira, trabalho, Até documento serve.
A chatice às vezes dá para chatear as dores e elas não
dormem direito. Doem acordadas. O resto todo fica quieto. Até mesmo os
namorados.
As alegrias cochilam de vez em quando.
O escuro não se mete.
A lua fica muito preguiçosa.
As estrelas discutem entre elas.
Os vaga-lumes passam em branco.
A brisa não sopra. O calor não esquenta.
As mãos permanecem cruzadas.
As cores todas se misturam na roleta da noite e então
desaparecem.
Os velhos balançam nas cadeiras. Os adultos fazem contas.
Os adolescentes se trancam nos quartos porque as festas
foram todas devidamente canceladas. São sóbrias, as noites brancas.
Devido à falta de surpresas, o amanhecer não atrapalha.
Nas Noites Desgraçadas, os pesadelos se intrometem entre um
respirar e outro, abreviando os outros espaços.
Em compensação, os ponteiros dos relógios tropeçam,
empacam, se arrastam, e não aceitam ordens nem pedidos.
Os namorados estão cansados, ou desanimados, ou
raivosos, ou sozinhos.
Em todos os casos não se beijam. Preferem fazer uso das
bocas para pronunciar palavras, uma após a outra, formando frases enormes.
Infelizmente não se entendem.
No meio da gritaria, as dores acordam irritadas. O escuro
ameaça.
A lua não dá as
caras. As estrelas fecham os olhos.
Os vaga-lumes andam sumidos. A brisa se enfurece em
desaforos.
O calor sente falta de casaco. As mãos deixam escorrer
qualquer oportunidade.
Noites assim quase sempre não têm cores. Nem música. Nem
dança. A bebida não faz bem. Faz mal ao fígado.
Os velhos morrem de saudades de antes.
Os adultos se irritam
facilmente.
Os adolescentes envelhecem anos.
Não há o que
festejar em noites desgraçadas, a não ser o amanhecer, quando ele
chega.
Mas é só o sol arrebentar a teimosia das horas e todo mundo comemora: Graças!
Adriana Falcão
Enviado por: "Gotas de Crystal"
<gotasdecrystal@gmail.com>
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Mateus.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, Jesus disse aos sacerdotes e anciãos do
povo: “Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao
primeiro, ele disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na vinha!’ O filho
respondeu: ‘Não quero’. Mas depois mudou de opinião e foi.
O pai dirigiu-se ao outro filho e disse a mesma coisa. Este
respondeu: ‘Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi. Qual dos dois fez a vontade
do pai?”
Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: “O
primeiro”.
Então Jesus lhes disse: “Em verdade vos digo que os cobradores
de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus. Porque João
veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes nele. Ao
contrário, os cobradores de impostos e as prostitutas creram nele. Vós, porém,
mesmo vendo isso, não vos arrependestes para crer nele”.
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a encenação do Evangelho:
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Presença provocativa de Jesus
“...os cobradores de impostos e as prostitutas entrarão antes
de vós no Reino de Deus” (Mt. 21,31)
A frase acima é uma das mais cortantes, proferida por Jesus
aos chefes religiosos. Os cobradores de impostos e as prostitutas constituíam
as duas classes de pessoas mais odiadas e que sofriam maior preconceito na
sociedade religiosa de seu tempo.
Com sua presença e ternura Jesus quebra as atitudes
preconceituosas que delimitam friamente os espaços e alimentam proibições que
impedem a manifestação da vida. Jesus provoca um grande escândalo nos seus
ouvintes, sobretudo entre os fariseus, sacerdotes e anciãos do povo, que se
consideravam superiores aos outros, perfeitos cumpridores da lei, e, portanto,
merecedores da atenção de Deus. Eles apresentavam-se como modelos para o povo,
porque viviam atraídos por um Deus que somente eles encontravam. É duro viver
ao lado de um fundamentalista, porque igualmente duro é seu “deus”.
De fato, há um monstro que habita as profundezas de nosso
ser, devorando-nos continuamente e expelindo seu veneno mortal: trata-se do
preconceito. Ele constitui o risco permanente em nossa vida, pois limita a
realidade, aumenta as distâncias, estreita o coração, inibe o olhar e nos faz
incapazes de acolher o bem e a verdade presentes no outro que é diferente.
O preconceituoso está o tempo todo petrificado em suas
velhas e deformadas opiniões sobre tudo e sobre todos. Ele é precipitado em
julgar, apressado e ansioso na formulação de juízos sem critérios.
Geralmente, os preconceituosos são dogmáticos e fervorosos, muitos deles
tornam-se fundamentalistas, com hostilidade e intolerância religiosa. Cegos
para a verdade, eles preferem o auto-engano ao conhecimento de fato; fincam pé
naquilo que pensam que sabem, no que está estabelecido e normatizado; não se
atualizam, não conseguem ver o novo e a necessidade de mudanças.
Ao tornarem absoluta uma verdade, condenam-se à intolerância
e passam a não reconhecer e a respeitar a verdade e o bem presentes no outro.
Não suportam a coexistência das diferenças, a pluralidade de opiniões e
posições, crenças e ideias. Daí surgem o conservadorismo radical, o medo à
mudança, a violência diante da crítica, a suspeita, a vigilância, o controle
autoritário...
Jesus, pelo seu modo de ser e pela sua pregação, toca as
profundezas da vida. Ele convive, a maior parte de seu tempo, com aqueles que
não tinham lugar dentro do sistema social-religioso existente. Ele se coloca ao
lado dos excluídos e dos últimos da história: acolhe os “imorais” (prostitutas
e pecadores), os “marginalizados” (leprosos e doentes), os “hereges” (samaritanos
e pagãos), os “colaboradores” (publicanos e soldados), os “fracos e os pobres”
(que não tem poder nem saber); os que não tem lugar passam a ser incluídos.
Jesus se revela “excêntrico” com relação aos sistemas,
poderes e costumes de seu tempo, e isto numa dupla dimensão: - o centro,
para Jesus, está nas margens,
- os marginalizados e excluídos são trazidos por Ele para o centro.
Jesus assume a tal ponto a indigência e a fragilidade do ser
humano, que aqueles que o encontram e o escutam reconhecem de imediato estar
diante de um homem profundamente humano. Jesus “entra” na realidade, sem
discriminá-la nem classificá-la. Simplesmente acolhe tudo quanto é desprezível
e aparentemente desprovido de valor. A atuação de Jesus revela-se como abraço
da realidade. Sua visão de vida não o afasta da realidade; manteve-se sempre em
contato com a fragilidade da existência; sentou-se à mesa com pecadores e
misturou-se com prostitutas; voltou-se para aqueles pelos quais as pessoas não
nutriam qualquer interesse: os pobres, os oprimidos, os excluídos...
Jesus derruba as barreiras da religião e raça. A revelação
messiânica se expande como o sol do meio-dia e atinge a todos, sobretudo
aqueles de “má-fama”. O Reino encarna-se na história dos pequenos e
desprezados. O vinho novo faz arrebentar os odres velhos.
A partir da fragilidade, Jesus impulsiona o salto para a
vida; Ele reconstrói o ser humano na própria raiz do seu ser, precisamente onde
ele se revela limitado, frágil. Pois é quando se reconhece fraco e limitado que
o ser humano se abre para Deus e para os outros; ele sente-se necessitado de
salvação; sua indigência e fragilidade fazem-no disponível, aberto à graça de
Deus e lhe permitem abraçar o dom da salvação. Por isso, o específico da vida
cristã é buscar, através do seguimento, fazer e viver o que fez e viveu Jesus:
adotar as atitudes, o olhar e a capacidade de contemplação da realidade que o
mesmo Jesus adotou.
No seu “exceder-se”, Jesus abraçou diferenças e novos
horizontes. O Seu ministério ultrapassou as fronteiras. Convidou-nos a
tomar consciência da ação de Deus em lugares e pessoas que estamos inclinados a
evitar: cobradores de impostos, doentes, prostitutas, pecadores e pessoas de
todos os tipos, que eram marginalizadas e excluídas. Jesus “deslocou” Deus do
Templo para as periferias.
Como água que dá vida a todo aquele que tem sede, Jesus
mostrou-se interessado por todas as zonas áridas do Seu mundo. O Reino de Deus,
que pregava constantemente, tornou-se uma visão de um mundo onde todas as
relações são reconciliadas em Deus. E foi nas “fendas da humanidade” que o
próprio Jesus revelou o novo rosto do Pai e entrou em comunhão com Ele. Jesus
nos aponta o Deus presente e atuante nos meandros de nossa história, de nossas
feridas, de nossos fracassos...; Aquele que não tem vergonha de se aproximar e
de se misturar com a pobreza e a fragilidade dos seus filhos; é o Deus santo
que mergulha e santifica toda nossa existência. Ele se revela como um “Deus
errante”, que corre ao encontro daqueles que estão perdidos.
Nas encruzilhadas desafiadoras de hoje somos chamados a
estabelecer, também com aqueles que não compartilham nossa fé, nem são de nossa
cultura, mentalidade..., relações de proximidade, reciprocidade e intercâmbio;
somos movidos a compartilhar com eles obscuridades e perguntas e também
momentos de luz e de revelação.
A partir das “fendas da humanidade” se faz visível o rosto
Deus que toma partido pela vida de qualquer ser humano e que nos chama a
fazer-nos presentes nos lugares onde essa vida está ameaçada, algo que foi
sempre a “especialidade de Jesus”.
Uma profunda experiência cristã nos faz “virar a cabeça” e
dirigir nosso olhar para as “margens”, para as “periferias” da
história... comprometendo-nos com os prediletos de Deus.
Textos bíblicos: Mt. 21,28-32
Na oração: Nossa vocação é a de construir pontes em
situações de fronteira. Num mundo dilacerado pela violência, preconceito,
indiferença... como você coopera com o Senhor para uma “globalização na
solidariedade”?
* O papa Francisco nos dirige um contínuo apelo a viver a
“cultura do encontro” em meio a uma “cultura da indiferença”. Concretamente:
qual seria sua “ajuda” específica e original neste grande empreendimento?