O corrimão
Depois de um
intervalo de três anos, voltei às palestras pelo interior do Brasil. Alegria ao
reencontrar o público, principalmente os professores. Tive um companheiro
especial pelo interior mineiro, Campos Altos, São Gotardo e Ibiá. Mauro
Ventura, escritor e jornalista, filho de Zuenir Ventura, meu colega na Academia
Brasileira de Letras. Ele seguiu como mediador, mas funcionou principalmente
como meu 'cuidador'. Aos 86 anos, me veio um leve desequilíbrio físico ao
andar. Adotei uma bengala, que, às vezes, me parece elegante. Outras, me deixa
constrangido, expondo minha fragilidade. Vaidades. Também, vez ou outra, me vem
a vontade de dar bengaladas. Contenho-me, as pessoas estão em ponto de bala,
pisando nos cascos, não se sabe o que pode acontecer.
Mas descobri um
lado que ainda existe, a cordialidade. Pessoas que me estendem a mão, abrem
portas, levam a bengala enquanto subo a escada do avião, apoiado ao corrimão.
Ah, sim, aqui está onde queria chegar, ao corrimão. Certo dia, perguntei a uma plateia
de jovens: 'Qual foi a melhor invenção, ou descoberta, do mundo?'. Responderam
o celular, o computador, o motor flex, a lâmpada elétrica, o picolé, o
Instagram. Eu disse: 'Nada disso! É o corrimão. Mas é preciso viver para
entender'. Quantos percebem a presença do corrimão? Este suporte low profile,
grudado em uma parede, demora anos para ser considerado essencial. Só se
percebe que é fundamental no dia em que, ao colocarmos o pé no primeiro degrau,
descobrimos a dificuldade para levar o pé ao segundo, ao terceiro e assim por
diante.
Quando entro e vejo
o corrimão, agradeço ao gênio que intuiu a função que ele teria. Estou há
décadas nesta vida e nunca notei a ausência do corrimão. Porque não precisava.
Subia lépido de dois em dois degraus. Subia 13 andares fácil. Depois, percebi
que havia corrimão, mas ignorava. Até o dia em que cheguei e não havia energia
no prédio. Decidi: vou de escada. Subi o primeiro degrau, o segundo e, antes do
terceiro, senti a coisa complicar, estava caindo para trás. Aí vi! Grudadinho
na parede, humilde, o corrimão. Agarrei-me a ele com volúpia.
Agradeci ao
altíssimo que alguém tenha tido essa inspiração. No dicionário de inventos, o
corrimão não está relacionado. Injustiça ou ignorância? Pesquisei, não se sabe
quem o inventou. Mas quem o criou deveria ser homenageado com uma estátua, ou
com ingressos por toda a vida para a peça Eu de Você, da Denise Fraga. Tem
coisa mais simples que um corrimão? Não passa de uma barra de ferro afixada à
parede. Que bem nos faz. Ele aguarda lugar no Museu das Grandes Ideias Para o
Bem-Estar da Humanidade.
Estava caindo para
trás. Aí vi! Grudadinho na parede, humilde, o corrimão. Agarrei-me a ele com
volúpia.
Jornal O Estado de
S. Paulo, 09/04/2023
https://www.academia.org.br/artigos/o-corrimao
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Ignácio de Loyola Brandão - Décimo ocupante da Cadeira 11,
eleito em 14 de março de 2019 na sucessão do Acadêmico Helio Jaguaribe.
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