Fui assistir a semifinal do jogo BRASIL X ALEMANHA com um
forte pressentimento. Na véspera a minha vizinha convidou-me para comemorarmos
o seu aniversário, na referida data, junto às amigas. O pior é que segundo a
aniversariante, o Brasil, repetidamente em outras ocasiões, jogando na mesma
data, tinha obtido resultado adverso. Não deu outra. No entanto são
coincidências que fazem parte do cotidiano.
O que aconteceu dentro do campo tem relação com o que
acontece fora. Ouvi muita gente dizer que não confiava no futebol brasileiro e
que precisávamos de mais educação, saúde, segurança etc. A nossa psicosfera
gerava um clima de dúvida e desesperança antes da copa do mundo. O Brasil
precisava de um choque de realidade, por mais cruel que fosse. Diz Tostão, craque
do time tricampeão em 1970 e hoje lúcido crítico. "É um sistema viciado,
incompetente e promíscuo, baseado numa estrutura política de troca de favores
que começa desde as categorias de base. A derrota só reflete isso".
Mas, para amenizar o texto transcreverei o ensaio poético
que fiz durante uma partida de futebol, no mês de abril de 1978. Época que eu
tinha mais prazer de ir aos estádios com os meus amigos e o Esporte Clube
Vitória sagrou-se campeão.
VIM, VI E VENCI
Rola a bola no gramado
E há o predomínio das cores rubro-negras
Numa mística de geração à geração
De que o vermelho e preto
É a cor da guerra e a cor da morte.
Dando um impacto visual até nos indígenas
Quando numa partida de futebol
Apontaram nessas cores: as suas preferidas.
Olho em volta do estádio
Num confronto torcida x torcida.
Vejo nesses comportamentos os anseios,
As frustrações, os
recalques,
O fanatismo de um povo.
Nesse momento penso no estudo que poderia fazer
do comportamento grupal e individual.
São apenas divagações que são despertadas
Pelo gool que não existiu, mas perigou.
A torcida do Vitória vaia a torcida do Bahia
Em um coro de vozes uníssono.
É o espetáculo dos artistas no gramado
Que parece um jogo cadenciado
Mas prevalece um futebol modernizado
No ritmo de sinfonia e de luz.
De repente o silêncio total:
O número nove do Vitória entra na área adversária
E num pique drible um, dribla dois.
De cara
com o goleiro é goooooolllllll......
Mais uma vez brilha a bola nos pés do jogador
Como brilha a lua cheia no céu nesse momento,
Substituindo o placar eletrônico:
VIM, VI E VENCI!
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*Antônio Baracho, membro da Academia Grapiúna de Letras
(AGRAL), ocupante da cadeira nº 11. Email: antoniobaracho@hotmail.com.
Nasceu na cidade de Valença, Bahia, em 22 de agosto de 1911.
Muito jovem, recém formado em direito veio residir em Itabuna, onde se dedicou
ao jornalismo, à advocacia e à política. Aqui dirigiu durante onze anos o
jornal diário “A Época”, que tinha no seu corpo de redatores os jornalistas
Hélio Pólvora e Manoel Leal. Em 1947, eleito para a Assembleia Legislativa do
Estado transferiu-se com a família para Salvador onde exerceu como deputado
três legislaturas. De 1958 a 1959, assumiu a presidência da Assembleia
Legislativa Estadual. Foi nomeado para o tribunal de Contas do Estado no qual
se tornou conselheiro.
É autor do livro de poesias Inquietudes. Sua poesia de bom
nível seria mais reconhecida se publicada em jornais de circulação nacional.
Aparecia nos jornais de Itabuna e Ilhéus. E assim, impressa nas ilhas
literárias do interior, ficou esquecida. Ele era o pai da consagrada contista e
romancista Sônia Coutinho e do sociólogo Carlos Nelson Coutinho, uma das
maiores autoridades sobre a dialética marxista através do prisma de Georg
Lukacs. Filhos de Itabuna, ambos passaram aqui a sua infância, antes de o pai
com a família fixar residência em Salvador.
Nathan Coutinho
foi incluído na antologia Poesia Moderna da Região do Cacau, organizada pelo
poeta Telmo Padilha, com dois poemas. Um deles transcrevo agora.
O Soneto de Agosto
Na sombria mudez de teus dias cinzentos
há soluços de inverno e angústias de sol posto.
És veneno e ilusão... E nos teus céus nevoentos
há o motivo maior de todo o meu desgosto.
Mês das horas mortais e dos minutos lentos,
mês de melancolia e de penumbra... Agosto!
Tu vens ressuscitar a dor dos meus tormentos,
pondo-me crepes na alma e lágrimas no rosto.
No lívido palor dos teus dias de calma
com o noturno da chuva a minha dor confortas
e ouço a alma de Chopin a chorar na tua alma...
Quando vens, mansamente, no Nada me convidas:
porque és o mês do tédio, o mês das folhas mortas
- ó mês sentimental das ânsias incontidas!
“O Soneto de Agosto”
apresenta-se no formato fixo do próprio soneto, o conteúdo tem laivos
simbolistas. Sem deslizes na ideia e nos versos, emerge da tristeza e revela as
interioridades do poeta através das unidades rítmicas. Um soneto que tem a cor
das sombras, da melancolia, como pedia a estética simbolista e que dá uma
pequena mostra de quanto Nathan Coutinho era um poeta de qualidades, que sabia
se expressar com inconfundível disponibilidade anímica. Ele é um dos patronos
da Academia de Letras de Itabuna (ALITA).
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* Cyro de Mattos é poeta e ficcionista. Detentor de prêmios
literários importantes e, entre eles, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de
Letras, Associação dos Críticos Literários de São Paulo, Nacional de Poesia
Ribeiro Couto (UBE-RJ), Internacional Maestrale Marengo d’Oro, Itália, duas
vezes, Menção Honrosa do Jabuti, Nacional Pen Clube do Brasil e Nacional Cidade
de Manaus. Publicado em oito idiomas.
Se não pudermos ser Flores para
enfeitar as janelas,
Que possamos ser Vasos.
Se não pudermos ser Canção para
embalar os sonhos,
Que possamos ser Silêncio.
Se não pudermos ser Discurso para
encorajar os corações,
Que possamos ser Escuta.
Que tenhamos um Sorriso doce,
Quando faltar Esperança.
Que tenhamos um Olhar sereno,
Quando faltar Doçura.
Que tenhamos uma Palavra terna,
Quando faltar Companhia.
Se não pudermos ter a Segurança da
terra firme,
Que possamos ter a Singeleza do
grão de areia.
Se não pudermos ter a Valentia do
vento,
Que possamos ter a Suavidade da
brisa.
Se não pudermos ter a Força dos
mares,
Que possamos ter a Simplicidade de
uma gota d’água.
Que não almejemos ser estrelas,
mas que possamos ser a menor
centelha de luz a iluminar a escuridão.
Que não precisemos fazer grandes
Obras,
mas que consigamos ser uma pequena onda de calor a dissipar a Solidão.
Que não intencionemos fazer
Sucesso, mas que tentemos plantar
uma minúscula partícula de Esperança em cada
Coração.
Se não pudermos ser Elogio sem
restrição,
que possamos ser Paciência.
Se não pudermos ser Parceria sem
questionamento,
que possamos ser Respeito.
Se não pudermos ser Atenção,
Que possamos ser Gentileza.
Se não pudermos ser Escada de
transformação,
que possamos ser, apenas,
“Degraus de Luz”!
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Sonia Argon é Bacharel em Direito. Pós-Graduanda em
Filosofia. Locutora, Roteirista e Narradora de Audiodescrição. Eterna Aluna de
Canto! Atuou como Professora de Educação Infantil por longo período, em sua
cidade natal, Petrópolis, situada na região serrana fluminense. Confessa ser
encantada pela Comunicação e pelo enriquecimento proveniente da troca de ideias
e da interação entre as pessoas. É Petropolitana de nascimento e alma, mas,
pelo fato de viver na cidade do Rio de Janeiro há um bom tempo, já se considera
Carioca de coração!
Neste 4 de abril de 2021, a Academia Grapiúna de Letras
(AGRAL), sediada na cidade de Itabuna e sob a recém presidência do professor
universitário Samuel Leandro Oliveira de Mattos [Foto acima], que sucede o jornalista e
autor do livro “De Tabocas a Itabuna 100 anos de Imprensa” (Agora Editora,
1999), Ramiro Soares de Aquino, completa dez anos de existência.
Até o ano de 2011, Itabuna lamentavelmente cometia um
descaso com a cultura grapiúna, que detém nomes nacionais em suas diversas
vertentes, não dispondo de uma academia de letras que os imortalizassem no seio
de suas origens, mas que foi corrigida por um grupo de abnegados intelectuais
dessa urbe, em 4 de abril, quando fundaram a AGRAL.
A propósito, o Sul da Bahia é uma das únicas regiões
brasileiras que tem uma literatura própria, com identidade diferenciada. A
chamada Civilização do Cacau, pois, produziu expressões idiomáticas, adjetivos
e substantivos peculiares, a exemplo dos encontrados na obra “Dicionareco das
Roças de Cacau e Arredores”, de Euclides Neto (1925-2000). Por sua vez, as
temáticas abordadas nas obras de Adonias Filho (1915-1990), Sosígenes Costa
(1901-1968), Jorge Medauar (1918-2003), Jorge Amado, dentre outros, difundiram
um expressivo imaginário cultural sulbaiano, já reproduzido na dramaturgia,
teledramaturgia e no cinema.
A AGRAL, que tem como patrono o escritor Jorge Amado
(1912-2001), reverencia grandes literatos sulbaianos e brasileiros, como um
todo, e objetiva o cultivo da língua e da literatura, sobretudo a regional,
inclusive nas áreas das ciências e das artes.
O seu estatuto diz que os membros efetivos, serão escolhidos
preferencialmente entre os destacáveis em sua atuação cultural, científica e
artística em Itabuna, ou seja, privilegiará intelectuais ou artistas que tenham
atuação ou trabalhos em quaisquer meios escritos ou falados de informação e
arte etc., acolhendo-se, também, alguns residentes nas cidades que compõem a
Região Grapiúna, sob essas mesmas condições.
A AGRAL, que inspirou-se no formato da Academia Brasileira
de Letras (fundada em 1897), é composta por 40 acadêmicos e/ou imortais efetivos (e
perpétuos) e 20 correspondentes, tem como fundadores e historicamente membros
de sua primeira diretoria, Ivan Krebs Montenegro, cadeira 10, presidente; Vercil
Rodrigues, cadeira 1, vice-presidente; Washington Farias de Cerqueira, cadeira
3, secretário-geral; Antônio da Silva Costa, cadeira 8, tesoureiro; Jorge
Ribeiro Carrilho, cadeira 7, 2º tesoureiro; Ramiro Nunes de Aquino, cadeira 9,
diretor de eventos e José Carlos Oliveira, cadeira 4, diretor de biblioteca. [Foto abaixo]
A poesia clássica persa é um condensado de beleza, em língua
delicada: antiga e jovem, intensa e maleável, aberta e rigorosa. Seu timbre não
esconde uma sublime vocação. Atenta às formas transitórias. Habitada por
nuances. Herdeira de semitons. Todo um repertório de imagens que
incessantemente se renova. Tema e variação: o jardim e a luz da aurora, as
flores perfumadas e os espinhos, o rouxinol de amor perdido pela rosa. Língua
suave e subtil, feita de símbolos e formas vicárias. E se abastece de sua
própria linfa. Uma vogal apenas une umas às outras as palavras. Não se apagam
as vozes de Rūmī e Hāfez. Esse mesmo frescor feriu o Divã de Goethe e a poesia
de Mohammed Iqbāl.
Iqbāl, poeta paquistanês (1877-1938) mergulha nas várias
línguas de sua cultura. E quando escreve em persa, filia-se a uma tradição, que
lhe pertence, amorosamente. Usa o repertório para modificá-lo, mais inclinado a
Rūmi que a Hāfez. Menos a Pérsia barroca, de que falava Scarcìa, e mais o
tesouro sufi de águas claras. Íntimo, contudo, de Sanā’ī , Sa‘dī e Attār. A
rosa e o jardim, a flauta e o rouxinol aparecem deslocados em Iqbāl. Adquirem
novas ressonâncias. Um centro que desde então se descentra. Mantida
entretanto a moldura simbólica.
O diálogo com Goethe inscreve-se no seio da comunidade
muçulmana. Um olhar de mão-dupla, mais permeável entre Oriente e Ocidente na
sua leitura corânica. E a partir do cerco de Bagdad (1258), quando se inicia
uma longa crise no islão. O poeta deixa de lado a dissolução contemplativa
radical, e encontra na ação o empenho na reforma do pensamento religioso, como
Dante, no Paraíso, clamando por justiça. Não é Virgílio o guia de Iqbāl, mas o
poeta Rūmī. Temos aqui a elaboração de uma genealogia, de um legado mútuo,
fascinante e especular. As palavras de Abdālī, no Empíreo traduz sua densidade:
“A força da Europa consiste na ciência e na técnica, desse fogo brilha a sua
lâmpada. A sabedoria não consiste no corte da roupa, nem o turbante é obstáculo
às ciências e às artes. Pouco importa como proteges a cabeça! Basta um
pensamento ágil, uma inteligência aguda".
Nas alturas do Céu, Iqbāl encontra ninguém menos do que
Nietzsche. Justamente no prelúdio ou no átrio do Paraíso: “Perguntei a Rūmī:
‘Quem é esse louco?’. Respondeu: ‘é um sábio alemão. Seu lugar é entre estes
dois mundos, um canto antigo o que sai de sua flauta! Suas palavras foram
ousadas e grandioso o seu pensamento. Cortou a Europa em duas partes com a
espada de suas palavras. A sua melodia rompeu a corda de seu alaúde.” Quem é
capaz de colocar Nietzsche no Céu, pode sondar a delicada fronteira da
alteridade. Iqbāl é o poeta do encontro, além de fortes e fronteiras, segunda a
expressão de João da Cruz. Uma nova inscrição em que a paz se redesenha.
Jornal de Letras, Artes
e Ideias (Lisboa), 24/03/2021
Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15 da ABL,
eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila, foi
recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito
Presidente da ABL para o exercício de 2018.
Vacina eficiente. Lula voltou
ao proscênio da cena política, prepara sua volta em 2022 como candidato
pretendendo alcançar vitória. Ponto vivo da estratégia, o demiurgo petista
conta com o esquecimento popular. Sabe, a memória boa é a mais eficaz vacina
contra a reinfecção petista.
Coligação forte à vista. Tudo o
indica, o morubixaba petista busca pôr em pé coligação forte para 2022; para
isso certamente irá migrar rumo ao centro e escolher vice tranquilizador — como
o fez com êxito ao pinçar milionário, líder empresarial e político de centro
para as eleições de 2002. São suas armas para reconquistar o Planalto. Como
molhar a pólvora? Nenhuma amnésia. No caso, a memória boa será a salvação do Brasil.
Desgaste da reação antipetista. Lula conta
ainda com o desgaste das desorganizadas forças direitistas e conservadoras que
surgiram e surraram eleitoralmente o PT em 2018, tendo como principal
combustível os avassaladores sentimentos antipetista e anticorrupção, gerados
pelo horror dos desgovernos da “cumpanherada”. Por isso, em particular, o
esquecimento dos desgovernos é primordial na estratégia petista.
Tais sentimentos perpassavam então de alto a baixo a sociedade,
horrorizada com o inescrupuloso assalto ao poder pela tigrada insaciável.
Debilidade a ter em vista, noto só de passagem, sentimentos e emoções costumam
ser efêmeros. Cuidado com eles, precisam ser cultivados, alimentados e
enraizados; permanentes são os princípios e hábitos entranhados. E é
congruente, já está em curso intensa campanha de desmoralização das forças
conservadoras e direitistas que emprega como munição motivações reais,
inventadas ou aumentadas, pouco importa aqui. Vale tudo.
Por tudo isso, retomo e reitero, em 2022 a memória do passivo petista
será fundamental. Décadas atrás foi muito popular lema em São Paulo, relativo à
Revolução de 1932. Vale a recordação: “São Paulo não esquece, não
transige, não perdoa”. Agora realço uma das três posturas, não
esquecer, a primeira e mais fundamental delas. O perigo será esquecer. Com o
olvido, a transigência e o perdão ficam dispensáveis; de fato, nem entram em
linha de conta.
Anão diplomático. Vou lembrar alguns, só alguns,
infindo é o rol dos pesadelos pelos quais passamos entre 2002 a 2016 — e a
lista voltará aumentada e agravada se o petismo triunfar em 2022. Hostilizar os
Estados Unidos e a Europa, na prática, foi política de Estado. Sob o mesmo bafo
e em direção contrário bajular e favorecer China, Rússia, Cuba, Venezuela, Irã,
Síria e estados em situação semelhante. Claro, também a Argentina de Nestor e
Cristina Kirchner. O petismo triunfante tentou criar uma aliança destrutiva da
qual participavam países onde campeava a ditadura, o terrorismo e a corrupção
para opô-los ao mundo desenvolvido. Era uma versão tóxica da rivalidade
Norte-Sul. Ídolos da diplomacia brasileira foram Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo
Morales. Do sanguinário ditador cubano, Lula afirmou que foi “o maior
de todos os latino-americanos” A disputa do governo brasileiro com
Israel chegou ao ponto de o porta-voz do Estado judeu, em 2014, ter qualificado
o Brasil de “anão diplomático”.
Modelos a imitar, Cuba e Venezuela. Na política interna, a união com partidos políticos complacentes (para
dizer o mínimo) levou por anos à roubalheira solta — mensalão e petrolão, e
ainda não tivemos o destape do eletrolão —, pilharam em especial estatais, o
maior assalto aos cofres públicos de que o mundo tem notícia. E à continuação
da escandalosa política de promoção da reforma agrária, que empobrece o campo
há décadas. Sofremos ainda no fim do governo Dilma, a paralisia econômica, a
inflação em alta, o empobrecimento generalizado e a recessão. E suportamos a
teimosia do PT em continuar no mesmo rumo, o abismo. Sem falar na parcialidade
gritante da assim chamada Comissão da Verdade, em que pululavam favorecimentos
para alguns da patota, bem como perseguições claras ou veladas aos opositores.
Um autêntico ensaio dos tribunais populares, de sinistra memória nas ditaduras
comunistas. No horizonte escuro, o fantasma aterrador de o Brasil virar uma
nova Cuba ou uma nova Venezuela. Outra vantagem da memória boa, dificulta
idealizações acarameladas dos desgovernos petistas.
Todas as agendas de ideologia do gênero, promoção do aborto,
“normalização” social e institucional da “família”, sob as mais absurdas
formas, receberão impulso novo, o que não impedirá à CNBB, CPT e entidades
congêneres de darem apoio a tais governos, que trabalharão efetivamente para
eliminar restos ainda vivos da evangelização em solo brasileiro.
O ex-frei Leonardo Boff com o boné do MST
As CEBs fundaram o PT. Convém
reproduzir diálogo entre o ex-frei Leonardo Boff e Lula — está na rede. Temos
ali a responsabilização da esquerda católica pelos padecimentos populares de
2002 a 2016, o Brasil atolado no pântano do atraso. Diz o antigo
franciscano: “As CEBs, as comunidades eclesiais de base, que eu
acompanhei tantas, não entraram no PT, elas fundaram as células do PT, isso é
muito mais que entrar num partido, é fundar um partido”. O líder do PT
comenta: “O PT não existiria do jeito que ele existe, se não fossem as
comunidades eclesiais de base, se não fosse a Teologia da Libertação, eu sei o
que é o valor de um padre progressista numa cidade pequena.”
De outro modo, segundo os dois corifeus da extrema esquerda, as
comunidades eclesiais de base formaram o caldo de cultura indispensável para
fazer germinar no Brasil partido que trouxe no bojo, o retrocesso, a
intolerância, o desenho de uma sociedade socialista, com atrofia enorme das
possibilidades de realização pessoal. E cuja implantação invariavelmente
acarretou exclusões brutais, sufocamento da liberdade, fuga dos pobres
apavorados com a generalização da miséria, uma forma de inferno na Terra.
O esquecimento, causa de tragédias. Dou
um cavalo de pau e recorro a exemplo imaginário — já aconteceu
coisa assim. Um pai estaciona o carro na rua, dia de muito calor, deixa os
vidros fechados, o filho pequeno fica no banco. O pai vai cuidar da vida, faz
negócios, demora, esquece que o filho está trancado. Quando volta, desespero, a
criança está morta por insolação e asfixia. Não quis o fato, não agiu para que
acontecesse. Foi culpado? Sim, pela lei e jurisprudência. Negligenciou atenção
que deveria dar à situação em que era garantidor. Situações desse tipo
configuram os chamados crimes de olvido ou de esquecimento. Reza o artigo 13 do
Código Penal: “O resultado, de que depende a existência do crime,
somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se a causa a ação ou
omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. E está no § 2º do mesmo
artigo: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e
podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha
por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”.
Crimes de esquecimento. Por que
fui tão longe e dei o cavalo de pau no texto? Para lembrar um
ponto, mesmo de forma inconsciente, até desejando o contrário, o esquecimento
não raras vezes leva a tragédias e até ao crime. A criança do exemplo pode no
futuro lembrar o Brasil. O pai, qualquer um de nós, se negligentes; faltaríamos
no caso ao dever de cuidado.
Todas as vezes que me abeiro de Dante, é como se a esfinge
estivesse pronta a devorar-me.
*
A Commedia é uma fonte secreta no deserto por onde
vago. Não me peçam água salobra!
*
Melancolia do canto 33 do Paraíso. O impronunciável. Um
sonho se desfaz. A neve descongela. E as folhas da Sibila que se perdem. Não é
possível desatar a trama do silêncio, pejado de mistério e ressonância. Feliz
contradição no adjetivo: a poesia, uma derrota vitoriosa.
*
Como se deu a vitória, senão desde as potências da
metalinguagem? Poesia que indaga seus limites, o repertório de que pode lançar
mão. Poesia de segundo grau, a novos patamares elevada.
*
A cada dia visito a Commedia. Mas não me pronuncio:
como se fosse um bem intransmissível. Herança dos estudos neoplatônicos? Quem
sabe um incompleto parricídio? Uma zona de guerra que apressa ao silêncio.
Consonante? Dissonante?
*
Escrevi certa vez: o náufrago lugar do não-lugar. Do Inferno
e Purgatório, a densa geografia. A que se opõe o frágil Paraíso, em busca da
moldura luminosa.
*
O silêncio inegociável do Paraíso. Mas de outra espécie, no
Inferno e Purgatório. Aliado da luz e cúmplice da sombra: o silêncio tem fome
de silêncio.
*
No Paraíso, o rosto possível de Deus: totum sed non
totaliter. Se a Torá projeta o rosto no futuro, o Alcorão amplia
o meta-ôntico. Um rosto que jamais se desvela: Or fu sì fatta la sembianza
vostra?
Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15 da ABL,
eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila , foi
recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito
Presidente da ABL para o exercício de 2018.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
João.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, havia alguns gregos entre os que tinham
subido a Jerusalém, para adorar durante a festa. Aproximaram-se de Filipe,
que era de Betsaida da Galileia, e disseram: “Senhor, gostaríamos de ver
Jesus”.
Filipe combinou com André, e os dois foram falar com
Jesus. Jesus respondeu-lhes: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai
ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que
cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então
produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca
conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém
me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém
me serve, meu Pai o honrará. Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai,
livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai,
glorifica o teu nome!” Então, veio uma voz do céu: “Eu o glorifiquei e o
glorificarei de novo!”
A multidão que aí estava e ouviu, dizia que tinha sido um
trovão. Outros afirmavam: “Foi um anjo que falou com ele”. Jesus respondeu
e disse: “Essa voz que ouvistes não foi por causa de mim, mas por causa de
vós. É agora o julgamento deste mundo. Agora o chefe deste mundo vai ser
expulso, e eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a
mim”. Jesus falava assim para indicar de que morte iria morrer.
Estamos chegando ao final do tempo quaresmal; abre-se a
porta para a intensa vivência Pascal. Percorremos este caminho vivo de jejum,
esmola e oração, centrados na pessoa de Jesus, para aprender d’Ele como viver
de maneira mais oblativa, aberta, solidária... Tem sido um caminho de
intensidade humana? Temos colocado o tom de nossa fé na direção da Páscoa?
O final da quaresma é tempo de olhar para trás com muita
gratidão; tal atitude nos capacita para continuar olhando para frente, subindo
com Jesus e seus discípulos a Jerusalém. Sempre há oportunidade para
consoli-dar nossa vida e enraizar nossa fé. Não permitamos que continuemos
passando o tempo como se nada surpreendente pudesse acontecer!
À luz da Páscoa somos movidos a re-inventar continuamente
a nossa vida. Há uma outra forma de vida que subjaz debaixo daquela que levamos
cada dia: uma vida mais calma, mais consciente, mais autêntica; uma vida de
pequenas coisas, de gestos carregados de ternura, de rotinas habitadas que são
vividas como novidade, de silêncios que dançam com as palavras...
“Inventar”, vem da expressão latina “inventio-onis” que
significa “encontrar algo” que até agora não se havia descoberto; inventores
são aqueles que descobrem algo até então oculto.
Por detrás da pandemia, está sendo oferecida a todos nós uma
“mudança de rumo na humanidade”. Estamos sendo forçados a quebrar o ritmo
estressante e apressado que levávamos; nosso planeta respira, nossas cidades
estão se purificando de tanta contaminação acumulada; estamos encontrando
formas novas de trabalho e de educação escolar; estamos ficando mais sóbrios,
contentando-nos com o necessário; temos descoberto outra forma de inter-relação
e de mais intensidade no amor...
O apelo de Jesus, no evangelho deste domingo, é para “perder” nossa
vida, no sentido de não nos apegar de maneira egóica a ela e abrir-nos para
recebe uma Vida maior, nossa verdadeira vida, a Vida de Deus em nós. Precisamos
nos destravar, abandonar nossas medidas de segurança, libertar-nos do domínio
cego do ego, para que possa transparecer o que realmente somos, nossa dignidade
mais profunda. Não é o autocentrar-nos que confere dignidade à existência, mas
o descentrar-nos e deslocar-nos em favor dos outros.
Aquele que “se apega à sua vida”, ou seja, aquele
que quer estar bem, não quer ter compromissos, não quer se envolver com as
situações exigentes, quer estar à margem da realidade que pede uma presença
diferente..., esse “perderá sua vida”. Quê vida mais atrofiada quando se vive
bem comodamente, bem tranquilo, bem instalado, bem relacionado politicamente,
economicamente, socialmente...!
Mas aquele que, por amor ao Reino, se desinstala, acompanha
o povo, se solidariza com o sofrimento do pobre, encarna-se e faz sua a dor do
outro... esse “ganhará” a vida. Sua vida transformar-se-á em Vida. Libertam o
mundo todos aqueles e aquelas que fazem de suas vidas uma doação, um
oferecimento. Assim, se deixam atravessar por Deus, puro Dom de Si, Amor que
não se reserva a Si mesmo.
É gratificante fazer memória de tantos homens e mulheres que
foram presenças de misericórdia e, à maneira de Jesus, consumiram suas vidas em
favor da vida; histórias silenciosas de tantas pessoas que com seu compromisso
ajudaram os outros a viver; pessoas que revelaram a paixão por viver em
pequenas paciências cotidianas, que entregaram suas vidas sem aparecer nas
“redes sociais”, sem vozes que as proclamassem; foram como o fermento
silencioso que se dissolve na massa para fazê-la crescer.
“Se o grão de trigo não morre”, ou seja, se o ser humano
não faz de sua vida um dom para os outros, se ele não investe a sua vida em
favor da vida, acaba perdendo-se a si mesmo. Esta é a mensagem radical deste
quinto domingo da quaresma: “morrer de vida”, não de morte, morrer
fazendo que outros vivam, numa efusão de amor. Trata-se de “morrer de tanto
viver”, nas diferentes dimensões da vida: individual, familiar, comunitário,
social... Esse é o sentido da Cruz cristã: não é cruz vazia, nem um “peso
morto”. É perda que se converte em ganho.
Sabemos que, à medida que nosso ego aumenta, ele
se distancia da vida dos outros e só se ocupa em conservar a sua, buscando
saciar sua fome devoradora para conquistar, acumular, ser o centro...
Isso lhe faz perder a capacidade de assombrar-se e de
deixar-se afetar pela alegria e pela dor dos outros; tudo se converte em meio e
instrumento para sua própria gratificação. O auge da afirmação de si mesmo se
contrasta com a afirmação de Jesus, vista como aberração humana: “aquele
que se apega à sua vida, perde-a”. Qual é a pérola de grande valor
que se oculta nesta afirmação? Onde nos quer conduzir Jesus?
É um fato central de nossa existência que a própria vida,
por mais valiosa que seja, não se encontra sob nosso controle. Então precisamos
nos soltar, deixar de apegar-nos a nós mesmos, abrir as mãos, abandonar nossa
autoafirmação, para que Deus possa entrar e atuar livremente em nosso interior.
Jesus recorre a uma brevíssima parábola, para fundamentar
isso. Só o grão de trigo que morre dá muito fruto. Esta parábola apresenta mais
uma vez, e de outro modo, a lição fundamental do Evangelho inteiro, o ponto
máximo da mensagem de Jesus: o amor oblativo, o amor que se entrega a
si mesmo, e que nesse perder-se a si mesmo, nesse morrer a si mesmo, gera a
vida.
O ser humano se caracteriza por ser capaz de amar, por ser
capaz de sair de si mesmo e entregar sua vida ou entregar-se a si mesmo por
amor. A humanização ou hominização seria esse “descentramento” de si
mesmo, que é centramento nos demais e no amor. A parábola do grão de trigo que
morre expressa o ponto máximo dessa maturação da Humanidade; tanto é verdade
que pode ser considerada como uma expressão do cume do amor. No fundo, esta
parábola equivale ao mandamento novo: “Este é o meu mandamento, que
vos ameis uns aos outros como eu vos amei; não há maior prova de amor que dar a
vida” .
As palavras de Jesus têm também aqui a pretensão de síntese:
aí se encerra toda a mensagem do Evangelho. E, na realidade, aí se encerra
também toda mensagem religiosa, pois também as outras religiões chegaram a
descobrir o amor, a compaixão, a solidariedade, o “des-centramento” de si como
a essência da religião.
Jesus é a expressão máxima da humanidade que busca e deixa
emergir o melhor que há em seu interior.
A vida é constantemente chamada a ser Páscoa.
Porque na vitória da Vida entregue, a vida ganha sentido, avança,
como uma torrente que rega terras secas, ávidas de água, como um fogo que, na
noite mais escura, traz uma luz que permite vislumbrar a vida oculta.
A vida não se conta pelas respirações, mas pelos
momentos de assombro, de alegria e encantamento. Ela tem a dimensão do milagre
e carrega no seu interior o destino da ressurreição.
A vida, desde o mais íntimo da pessoa humana,
deseja ser despertada e vivenciada em plenitude. A certeza de nossa fé em
Cristo morto e ressuscitado nos ajuda a ir tirando do coração os medos, os
impulsos egoístas de busca de segurança e imortalidade, e ir encontrando uma
paz profunda que nos permita fazer de nossa vida uma oferenda gratuita para a vida
de outros.
Texto bíblico: Jo 12,20-33
Na oração: Se o grão de trigo não cai na terra e não
morre, fica estéril. O grão de trigo precisa entregar-se, enterrar-se,
perder-se... para ser fecundo. Desate a Vida de Deus que já está em você!
- Você sente resistência em fazer de sua vida uma contínua
oferta em favor da vida, nos pequenos gestos de cada dia ou nos grandes
momentos decisivos?
- Você captou que o centro da mensagem do evangelho é fazer
da vida uma contínua doação por amor? Está dispos-to(a) a aceitar essa “morte”
para viver mais plenamente?
- Sua prática cristã se reduz a cumprir ritos, devoções,
práticas piedosas... ou se expressa na vivência do encontro e do diálogo
amoroso, como pede a Campanha da Fraternidade deste ano?
Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, ensaísta, cronista,
romancista e autor de literatura infantojuvenil. Editado também em Portugal,
Itália, França, Espanha, Alemanha e Estados Unidos. Premiado no Brasil e
exterior. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia e Pen Clube do Brasil.
Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Sua obra
é estudada na universidade, adotada nas escolas.