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quinta-feira, 26 de maio de 2022

MEU TIO RAIMUNDO – Cyro de Mattos


  

                             Meu tio Raimundo 

                               Cyro de Mattos

 

            Meu tio Raimundo tinha uma fazenda grande de criatório de gado. Às vezes ele pedia a meu pai para deixar eu ir passar com ele alguns dias na sua fazenda chamada Bela Paisagem. Lá o capim era verde e parecia que não tinha fim, se perdia nos pastos até onde as vistas pudessem alcançar.  Meu tio era muito sorridente, mostrava que estava de bem com a vida, apesar de não ter um filho, ele dizia que isso tia Edite não podia lhe dar. Ele dizia que eu era o sobrinho que ele mais gostava, o filho que ele queria ter.

         Gostava de pegar na minha cabeça e ficar repetindo Mundeco, meu sobrinho esperto, corra bem depressa, que é evem o boi brabo, maior que um boneco. Gostava de fazer adivinha comigo. Se eu acertasse uma adivinha, ele me dava sorvete, saco de pipoca, cocada ou um copo grande com caldo de cana. Eu escolhesse. Se eu não acertasse, ele dizia que não tinha importância. Era uma adivinha com a reposta difícil. Guardasse comigo, fosse apostar guloseima com os amigos para ver quem acertava a resposta da adivinha difícil, que somente ele e eu sabíamos.  

         Guardei várias adivinhas que ele me passou. Como essa: O que é, o que é? Bolota voadora, Tem um zumbido Que não para, Entrando e saindo De uma casa Com cem portas? Ou essa outra: O que é, o que é?  Tem cabeça, Não tem rosto, Fura e segura, Marca o caminho Para a agulha Andar na costura? Olhe, se você não for um menino esperto, não vai responder certo. Eu lhe ajudo com a resposta certa. A primeira é abelha, a segunda só pode ser alfinete.

         Meu tio presenteou-me no aniversário com um carneirinho. Pai e mãe não aprovaram o presente, ia dar preocupação e trabalho até que ficasse crescido. A ovelha, mãe do carneiro, morreu de uma picada de cobra, o carneirinho ficou órfão, berrando sem parar, de causar pena, segundo meu tio informou. Agora eu ia ter que cuidar dele dando leite na mamadeira. Fiz a dormida dele no quintal, na casa onde guardava meus brinquedos, como bicicleta, skate, bola de futebol, bambolê e patim.

         Quando chegava da escola, ele ficava no quintal berrando até que eu chegasse com a mamadeira grande de leite. Saía comigo pela rua puxado pelo cabresto. Gente adulta parava, ficava olhando admirada o menino e seu carneiro, fazendo seu passeio pela rua do comércio. Ao passar a mão nele para fazer agrado, os dedos pareciam que estavam pegando em algodão. Ele tinha uma pelagem fofa. Daí eu passar a lhe chamar de Lanzudo. Quando deixou de beber leite e começou a comer capim, que meu pai mandava trazer na carroça, a mãe dizia que ele devia voltar para a fazenda do tio, era melhor ele viver no meio dos outros carneiros. Lugar de carneiro era no campo, finalizava, meu pai concordava com ela, sem pestanejar.  

         De fato, isso aconteceu, não que me conformasse com a ausência dele.  Era meu bicho de estimação, com quem me exibia com os amigos lá da rua. Cada um tinha seu bicho de estimação, cada um achava que o seu era melhor, mais bonito e esperto do que o do outro menino.

          Quando meu tio Raimundo faleceu, meu pai ficou muito triste, minha mãe chorou bastante, era o único irmão que ela ainda tinha. Eu, nem é bom falar do quanto chorei, até hoje fico saudoso quando lembro dele.  Não escondo, choro porque tenho saudades de mim.

 

Cyro de Mattos - é escritor e poeta com prêmios literários importantes, no Brasil e exterior. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz, Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil e Ordem do Mérito do Governo da Bahia, no grau de Comendador

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 ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS REALIZA SESSÃO DA SAUDADE


 

Cumprindo o que preceitua o seu regimento interno, que aduz que quando um dos seus acadêmicos falece, a Academia de Letras de Ilhéus (ALI) deve realizar uma sessão da saudade em sua homenagem, assim foi feito na noite de sexta-feira (20), quando o confrade Mário Augusto Albiani Alves, morto no dia 11 de junho de 2021, em Salvador, foi postumamente homenageado.

A solenidade, que foi presidida pelo acadêmico-presidente Pawlo Cidade (Cadeira 13), ocorreu no Salão Nobre da “Casa de Abel” e contou com a participação de familiares e autoridades, entre elas o juiz e membro da ALI, Antônio Carlos de Souza Hygino (Cadeira 1) e o desembargador Mário Albiani Alves Júnior, que com emoção e reverência discorreram sobre a trajetória do desembargador aposentado, figura importante no meio jurídico baiano.

O ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Mário Augusto Albiani Alves ocupava a Cadeira nº 37 da ALI, cujo patrono é Vasconcelos de Queiroz e fundador Nathan Coutinho, cursou Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Na função judicante, ele atuou na comarca de Palmeiras, na Chapada Diamantina. Em dezembro de 1989 foi promovido desembargador do TJ-BA e no ano seguinte tornou-se presidente.

Mário Albiani foi também presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) por sete mandatos, fundou a Escola de Preparação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Epam), em 1987, no ano 1991 assumiu o cargo de governador da Bahia pelo período de 10 dias, durante o governo de Nilo Augusto de Moraes Coelho (15/5/1989 – 15/3/1991).

Na solene e prestigiada sessão, discursou em nome do sodalício o acadêmico Antônio Carlos Hygino, que sobre o confrade Mário Albiani declarou: “Foi um juiz que se destacou por participar do meio social em que vivia, inteirando- -se dos problemas, anseios e aflições da sociedade, com vista a solução dos conflitos e em busca da paz social. Era um conciliador nato e será lembrado pelo seu talento, como o eterno presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)”.

 

Por Vercil Rodrigues

Advogado, professor e escritor. Membro-fundador da Academia Grapiúna de Letras (AGRAL), Cadeira1; Membro-idealizador fundador da Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA), Cadeira1 e membro da Academia de Letras de Ilhéus (ALI), Cadeira 21.

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Fonte: JORNAL DIREITO, EDIÇÃO 141 – MAIO DE 2022


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