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quarta-feira, 11 de abril de 2018

CENAS DE UM DIA NA CORTE - Zuenir Ventura


Cenas de um dia na Corte

Foram quase 11 horas com apenas alguns intervalos, bem mais do que a peça de Ariane Mnouchkine “Rei do Camboja”, de oito horas, a que assisti em 1985 em Paris e que era o meu recorde de espectador. Só que o espetáculo do STF teve mais suspense, pois não se sabia o que iria acontecer com o protagonista.

O número exótico foi apresentado por Gilmar Mendes, vindo especialmente de Lisboa, para onde voltou após votar. Deu um show de interpretação com sua retórica teatral de caras e bocas. Exaltou-se, responsabilizou os petistas pela atual intolerância e jogou pedras na Geni, que é a imprensa hoje.

Disse que nunca viu uma “mídia opressiva” como a de agora. Acusou o “Jornal Nacional” de “neopunitivismo” por querer “provar minha incoerência” , deu um esbarrão no GLOBO e fez pior com a “Folha de S.Paulo”, chamando-a de “mídia chantagista. Queixou-se também dos que querem lhe dar lição sobre o sistema penitenciário. “É injusto ou indigno para comigo. Eu fui a Bangu e Pedrinhas, conheço esse sistema”. Ah, sim, e também votou, como esperado, a favor da concessão do habeas corpus.

O melhor momento foi proporcionado por Luís Roberto Barroso. Com um discurso claro, objetivo e convincente, ele deixou sem graça os que defendem o tal trânsito em julgado, ao exibir exemplos de condenados que, de recurso em recurso, passaram dez, 20 anos livres. Como “impactos devastadoramente negativos” de uma decisão proibindo a prisão após condenação em segunda instância, ele citou a impunidade de quem tem bons advogados e o descrédito do sistema penal. “Condenou-se a advocacia criminal ao papel de interpor recurso incabível atrás de recurso incabível para impedir a conclusão do processo e gerar artificialmente prescrições”.

Rosa Weber foi a quinta a votar, cercada da maior expectativa. Era aguardada como fiel da balança. Por cerca de uma hora fez uma apresentação técnica, hermética, coerente, sem concessões, de sua justificativa. Ela se baseou no “princípio da colegialidade”, que faz “as vozes da individualidade cederem em favor de uma voz institucional”.

Por fim, é triste lamentar o comportamento de Marco Aurélio (ajudado por Levandowski), que, inconformado com a derrota, foi deselegante e descortês com Cármen Lúcia e Rosa Weber, interrompendo-as enquanto falavam, lançando farpas e distribuindo ressentimentos e queixumes.

Marco Aurélio perdeu uma boa oportunidade de se mostrar um cavalheiro com duas das mais brilhantes e serenas representantes do empoderamento feminino na Justiça.

O Globo, 07/04/2018

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Zuenir Ventura - Sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 da ABL, Zuenir Ventura foi eleito no dia 30 de outubro de 2014, na sucessão do Acadêmico Ariano Suassuna, e recebido no dia 6 de março de 2015, pela Acadêmica Cleonice Berardinelli.

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À MARGEM DA INTERVENÇÃO NO RIO: VALORES MORAIS (V) - Marcos Costa


11 de Abril de 2018
Marcos Costa

Recente pesquisa Datafolha assinala que 76% dos cariocas aprovam a intervenção federal. Não é nosso objetivo comentar o mérito desta, mas a adesão dos cariocas reforça a atualidade dos temas aqui tratados: Valores Morais.

As declarações do ministro Jungmann (“El País”, 27-2-18) sobre a perda dos valores e a contradição da juventude, que ao mesmo tempo em que clama contra a violência consome drogas, põem em foco o problema que aqui tratamos, um dos mais graves da nossa sociedade.

Ora, os valores morais são os fios com que se fabrica o tecido social de uma nação. Mostramos, no último artigo, a família como umas das pilastras-mestras do tecido social. Tradição e propriedade completam essa trilogia sobre a qual se edificaram as nações cristãs.

Tradição, família e propriedade são, pois, os pilares da nova ordem que, conscientemente ou não, as gigantescas manifestações públicas de 2016, nas principais cidades do País, cobravam de nossos homens públicos: “Queremos nosso Pais de volta”.

Os progressistas e a esquerda reconhecem a importância dessa trilogia

Como bem observou Max Delespesse, conhecido progressista belga, em livro com o significativo título Tradition, Famille, Propriété. Jésus et la triple contestation, “observadores superficiais poderiam surpreender-se diante da trilogia ´tradição-família-propriedade´ como se se tratasse de um amálgama artificial. Na realidade, a junção destes três termos não se deveu ao acaso. […] ‘Tradição-família-propriedade’ é um bloco coerente que se aceita ou se rejeita, mas cujos elementos não podem ser separados” (Max Delespesse, Tradition, Famille, Propriété. Jésus et la triple contestation, Fleurus, Paris, 1972, pp. 7, 8).

No mesmo sentido, é muito frequente a mídia de esquerda referir-se à trilogia tradição família propriedade como sendo a ponta de lança da reação conservadora em nosso Brasil.

O ensinamento dos Papas: valores morais são o alicerce

São Pio X, na Encíclica Il Fermo Proposito, de 11 de junho de 1905, insistiu em que “a civilização do mundo é a Civilização Cristã, tanto mais verdadeira, mais duradoura, mais fecunda em frutos preciosos, quanto é mais autenticamente cristã”1;

E na Carta Notre Charge Apostolique, de 25 de agosto de 1910, ele recordava: “Não se deve inventar a Civilização, nem se deve construir nas nuvens a nova sociedade. Ela existiu e existe: é a Civilização Cristã, é a sociedade católica. Não se trata senão de a instaurar e restaurar incessantemente nas suas bases naturais e divinas, contra os ataques sempre renascentes da utopia malsã, da revolta e da impiedade: ‘Omnia instaurare in Christo’ (Ef. I, 10)”2.

Por sua vez, Leão XIII ressalta o valor da propriedade privada:

“A teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranqüilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular” (grifos nossos).3

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Não pretendemos esgotar a fundamentação doutrinária da trilogia tradição família propriedade no âmbito de um artigo. Daremos apenas alguns traços essenciais que ajudem o brasileiro (aquele que saiu às ruas em 2016, em gigantescas manifestações) na busca da verdadeira solução dos nossos problemas.

Saber ver as raízes de uma crise como a nossa já representa 80% da solução e exclui as utopias da esquerda ou da pseudo-direita.

Resta-nos uma pincelada sobre a importância da tradição.

Face às contradições atuais: tradição, por que não?

A tradição não é só um passado. Pelo contrário, ela cabe no presente. Escreve o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em artigo para a “Folha de S. Paulo”:

“A verdadeira tradição não é — em princípio — só pelo passado enquanto passado, nem só pelo presente enquanto presente. Ela pressupõe dois princípios:

a – que toda ordem de coisas autêntica e viva tem em si um impulso contínuo rumo ao aprimoramento e à perfeição;

b – que, por isto, o verdadeiro progresso não é destruir, mas somar; não é romper, mas continuar para o alto.

Em suma, a tradição é a soma do passado com um presente que lhe seja afim. O dia de hoje não deve ser a negação do de ontem, mas a harmônica continuação dele.

Em termos mais concretos, nossa tradição cristã é um valor incomparável que deve regular o que é hodierno. Ela atua, por exemplo, para que a igualdade não seja entendida como o arrasamento das elites e a apoteose da vulgaridade. Para que a liberdade não sirva de pretexto ao caos e à depravação. Para que o dinamismo não se transforme em delírio. Para que a técnica não escravize o homem. Numa palavra, ela visa impedir que o progresso se torne desumano, insuportável, odioso.4

Vejamos a sábia advertência de Nosso Senhor

“E ninguém deita remendo de pano cru em vestido velho, porque (este remendo) levaria consigo uma parte do vestido, e ficava pior o rasgão. Nem se deita vinho novo em odres velhos; doutro modo rebentam os odres, e derrama-se o vinho, e perdem-se os odres. Mas, deita-se vinho novo em odres novos; e assim ambas as coisas se conservam”. (Mt 9, 16-17).

Em outras palavras, o tecido velho representa aqui os erros liberais e petistas que nos têm governado. Saibamos, pois, edificar o novo Brasil, reconstruir o tecido social com os valores perenes da tradição família propriedade.

O alicerce de toda civilização é a moralidade: edificando o novo Brasil

“O alicerce de toda civilização é a moralidade. E quando uma civilização se edifica sobre os alicerces de uma moralidade frágil, quanto mais ela cresce, tanto mais se aproxima da ruína. É como uma torre que, assentando-se sobre alicerces insuficientes, ruirá desde que chegue a certa altura. Quanto mais se sobrepõem uns andares a outros, tanto mais está próxima sua ruína. […] O trabalho que a Humanidade tem efetuado desde o século XIV consistiu em enfraquecer os alicerces e aumentar o número de andares”.5

 Desafio à geração atual

Reconstruir o Brasil com base nos valores morais, esses são os fundamentos do tecido social. Os pilares são: tradição, família, propriedade.

Não à ideologia de gênero, que desonra a Família.

Não às invasões de propriedade pelo MST e assemelhados, guiados pela CPT (ramo da CNBB).
Não aos inimigos da tradição cristã brasileira, os quais, seguindo socialismos, bolivarianismos ou petismos, quiseram implantar aqui a ideologia igualitária da foice e do martelo.

Não ao esfarelamento da unidade nacional com a criação de “nações” indígenas e quilombolas como se estes não fossem partes integrantes de nosso Brasil.

Não àqueles que querem colocar um “remendo” nesse tecido social apodrecido pela revolução libertária, igualitária e sensual de nossos dias.

Confiantes em Nossa Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, lutemos, rezemos e trabalhemos pelo nosso porvir.
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Notas:
São Pio X, Encíclica Il fermo proposito, in ASS, vol 37 (1905) p. 745
São Pio X, Carta Notre Charge Apostolique, de 25 de Agosto de 1910, cit., p. 612.
Leão XIII, Encíclica “Rerum Novarum”, de 15 de maio de 1891 – Editora Vozes Ltda., Petrópolis, pág.12.