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quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

DOIDOS, MAS NEM TANTO - José Sarney


Algumas figuras populares são adeptas à política. O nosso Sócrates era um dos que sonhava ser eleito para qualquer coisa. Outro, na década de 1950, aqui no Maranhão, era o Paletó.

Ele dizia sempre: 'Sou o número um das Oposições Coligadas.' Eu ainda o conheci: ele não faltava a nenhuma das reuniões dos nossos partidos políticos.

O Deputado Clodomir Millet foi, durante algum tempo, o chefe da oposição. Uma hora resolveu dar uma missão ao Paletó: ir todo dia ao TRE assistir às sessões e trazer de volta o relatório do que tinha sido votado e de como havia votado cada um dos juízes.

Um dia, Paletó entrou, meio cansado e revoltado, na redação do jornal O Povo - que pertencia a Neiva Moreira, um dos nossos líderes -, onde nos reuníamos todas as tardes, e foi logo dizendo:

- Dr. Millet, não volto mais ao Tribunal. Está tudo perdido: um juiz da Oposição - como é o Desembargador Eugênio Piva - votou com o juiz do Governo!

Naquela época a política muitas vezes se tornava violenta. Quando organizamos uma passeata para protestar contra o Governo, que tinha sido acusado de estar queimando as casas dos pobres, das palafitas, cobertas de palhas, o Paletó também quis participar dela.

Neiva lhe deu uma bandeira, dizendo:

- Paletó, leve esta bandeira.

Então, o Paletó, 'membro número um da Oposição', enrolou a bandeira no pescoço, deixando uma parte caída nas costas, e foi, exaltado, à passeata, gritando palavras de protesto. Até que, chegando perto do Palácio, onde havia uma fila de soldados com metralhadoras apontando para a passeata, ele parou e disse:

- Seu Neiva Moreira, está aqui a sua bandeira. Arrume um mais doido do que eu que, daqui, não passo!

No Recife havia outro popular meio doido. Ele andava com um capote pesado, absolutamente inadequado para o clima da região. Com a barba grande, entre profeta e andarilho, acompanhava todos os movimentos da Esquerda pernambucana e gostava, para gozação da cidade, de dar conselhos ao Governador. Deram-lhe o apelido de Malenkov, o efêmero sucessor de Stalin.

Certa vez, encontrou Miguel Arraes num comício, aproximou-se dele e denunciou:

- Dr. Arraes, isso não é possível, o Delegado de Polícia de Caruaru não sabe nada de marxismo. É preciso zelar pela doutrina.

Em 1964 ele foi detido. Na prisão o inquisidor, um capitão revolucionário, ao olhá-lo, foi direto:

- Seu comunista miserável, enfim o pegamos!

olhou de lado, sacudiu a cabeça e retrucou:

- Capitão, não venha me furar. Eu sou kardecista, da linha 2 - porque existiram dois

. Comunista, jamais! Sou espiritualista.

Malenkov e Paletó não eram tão doidos quanto todos pensavam.

Os Divergentes, 19/12/2021

 

https://www.academia.org.br/artigos/doidos-mas-nem-tanto

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 José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38 da ABL, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.

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PESARES DE SÔNIA MARON – Cyro de Mattos

            Imagem: DiarioBahia


Pesares de Sônia Maron

Cyro de Mattos

 

Quem entende esse gesto?

O passado não tem volta.

Não se esvaem as dores

Prisioneiras do presente.

 

O vento que se aloja

nessas asas fabrica

vozes em rito de pesares,

que não se decifram.

 

Ó tempo rigoroso

no musgo desse muro,

sinto frieza no meu peito,

como fere nesse inverno.

 

Até no encanto assustas,

a flor que aparece

é a mesma que breve

no pó desaparece.

 

Imutável nesse estar

que ceifa a inocência,

a solidão de anoitecer

teu enigma que ofertas.

 

Hora que não tem cura,

Vez que não tem volta

Enquanto a noite chega

Para soterrar o dia.

 

Ó tempo quão amargo

É teu rigor nesse gesto

Que só a ti pertence,

Sufoca no meu peito. 

 

De ti em dó e lágrima,

o que dói não é o calor

que aqueceu o coração,

mas as coisas que não virão.

 


Cyro de Mattos
é escritor de contos, crônicas, romance, poemas, literatura infantojuvenil, ensaio e memorialista. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Possui prêmios literários importantes. Também é editado no exterior.

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