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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Um homem lúcido

Ignácio de Loyola Brandão

 


Havia naquela cidade uma mulher que prometera nunca se casar se isso fosse bom para a humanidade a fim de conter o aumento populacional. Não eram poucos os pretendentes, ela era bonita. Não dessas belezas estonteantes, inatingíveis, de comerciais de tevê, principalmente os que vendem cervejas. Aliás, até hoje me pergunto a relação entre cerveja e mulher bonita. Porque? Ao olhar para uma você sente sede? Mas, sede você mitiga com água. E neste mundo corretamente político pergunto: uma mulher feia não inspira a pessoa a tomar cerveja? Preconceito? Machismo? Uma cerveja geladíssima pede paisagem deserta, sem fim, extensão super escaldante. Um lugar onde você precisa caminhar aos pulinhos para não queimar os pés pede o que? Cerveja geladíssima na mente publicitária.

Faz semanas que isto me intriga. Penso tanto que meu cérebro ferve, e com os neurônios queimados o pensamento se torna impossível para mim, preciso me refrescar, fico desesperado em busca de um oásis, com palmeiras, ou tamareiras, porque me parece, ou melhor, parece-me que as tâmaras se dão bem em regimes quentes.

O que, pensando racionalmente, se é que alguém no mundo pensa racionalmente, a não ser os Inteligentes Artificias que entraram em moda. No entanto, confesso que tenho 87 anos e ainda não encontrei nenhum Inteligente Artificial e me alertaram que se eu for procurar entre os políticos, aí é que ficarei desiludido. É um desastre.

Súbito, minha esposa me chama a atenção. Que elocubrações são essas que vejo como legendas na sua testa? No futuro haverá legendas nas nossas testas. Como pensar que em meio a um deserto ardente (nada a ver com a Sarça Ardentes bíblica) uma pessoa apareceria com um isopor cheio de garrafas de cerveja? Para vender a quem? Imaginou o preço que este ambulante cobraria? Uma exorbitância e ninguém reclamaria. Claro, sentado em uma duna no deserto, solão ardendo, você recusaria aquele liquido gelado por causa de uns reais. Uns? Não! Nem dezenas. Centenas. Milhares. Porque, reconheçamos, vale. Mas talvez pudesse pagar em Drex. A nova moeda que o Brasil inventou. Sim, mas espere, para sentar-se na areia fervente, será bom levar uma almofada climatizada, gelada. Ou será catastrófico para o traseiro? Drex. Já vivi a época do conto de reis, do mil reis, do cruzeiro, do cruzado, do cruzado novo, do real, da bitcoin. Mas estas serão outras considerações menos complexas. Não, não tomei ácido, estou lúcido. Como qualquer brasileiro.

Estado de São Paulo, 09/08/2023

 https://www.academia.org.br/artigos/um-homem-lucido

Ignácio de Loyola Brandão - Décimo ocupante da Cadeira 11, eleito em 14 de março de 2019 na sucessão do Acadêmico Helio Jaguaribe.

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OESTE SEM FILTRO - 10/08/2023