Talvez, pela falta de hábitos perdidos com o passar do
tempo, sem sermos brindados com esse tipo de evento artístico, infelizmente,
raramente alguém se lembra de falar sobre o assunto. Estou referindo-me ao
teatro!
Para os desmemoriados, ou convenientemente esquecidos,
podemos rapidamente lembrar que já tivemos vários grupos de atores e atrizes de
destaque, assim como o velho e saudoso Teatro ABC na Praça Camacan (derrubado
anos atrás pelo atual prefeito), Teatro Amélia Amado abandonado e destruído
pelo tempo, além do teatro do Colégio Ação Fraternal que ainda sobrevive, mas,
não sabemos as razões, não apresenta peças teatrais para o pouco público que
sabe dar valor às artes!
Temos plena certeza e convicção que a arte da representação,
quer seja no teatro, como no cinema e na televisão, expressa uma grande fonte
de cultura, não só pela parte representativa, como principalmente, pelas
mensagens sociais e políticas que são expelidas através dela.
E isso não é uma ideia nova, ou modismo trata-se de uma arte
milenar, que já emocionava milhares de plateias em todo mundo, e até hoje,
continua operando com grande admiração e respeitabilidade!
Infelizmente, nos faz grande falta, pois, sem os teatros,
obviamente, os grupos vão se dispersando e perdendo a credibilidade em função
da paralisação quase completa.
Para não dizermos que estamos abandonados completamente,
ainda, em precárias condições e com tamanho mignon para nosso município,
contamos com O Centro de Cultura Adonias Filho que, eventualmente, apresenta
alguns espetáculos, mas, nem sempre de bom gosto, ou qualidade!
Com essa parceria do Prefeito Fernando Gomes e o nosso
Governador Rui, está no ar a promessa da complementação da obra do Teatro, que
já tem mais de uma dezena de anos paralisada, simplesmente por falta de vontade
política!
É lamentável sim, e nos faz penar de tristeza de ver uma
cidade com 250 mil habitantes, carente
de uma casa de espetáculo a altura! Quanta falta nos faz!
Marília
Benício dos Santos, a querida Julinha, nos presenteia com seu livro de crônicas
– CARROSSEL. Filigrana em termos de pureza, simplicidade e ternura!
Prefaciando, Lígia Moog diz que a autora “escreve como quem canta”. Eu
completaria: como quem canta uma canção de ninar.
Devagarinho, carinhosamente, Marília vai se pronunciando através de
monólogos, reflexões ou diálogos com Deus e as criaturas – sobre vários temas
que o dia-a-dia lhe sugere, num estilo descontraído e fluente como águas
límpidas de um regato. Em textos breves, coloca, sutilmente, críticas às injustiças sociais, às vaidades humanas,
à hipocrisia e aos preconceitos, com graça e bom humor, com leveza de
expressões que nos faz rir e admirar o teor de sabedoria e equilíbrio. Usa a
síntese e, muitas vezes, o silêncio, como alavancas propulsoras do nosso
pensamento.
Julinha dá
seu recado de amor assumindo-se maravilhosamente como mulher e cristã, nas
emoções que descreve ao defrontar-se com pessoas e fatos triviais, perceptíveis
só pelo radar privilegiado de sua sensibilidade. Vai destilando o âmago das
coisas mais singelas e, num milagre de sua ternura, trazendo para fora luz e
sombra, dor e prazer, com que tece o universo místico de CARROSSEL, onde trata,
com igual atenção e carinho, o velho e a criança, o mar e o céu, o rico e o
pobre, a vida e a morte, o passarinho e o “Cristo Torcido”, o hotel de cinco estrelas
e o banco do jardim que ela chama, com muita graça, de “Pensão Estrela”.
Se o
cristianismo fosse ópio, como afirmam os ímpios, ainda assim seria válido, pela
saúde espiritual, otimismo e alegria que consegue transmitir.
Marília:
“Todos nós
temos um rio. Um rio dentro de nós que ninguém percebe, somente Deus”. E,
adiante, concluindo – “O mar lembra o infinito. Fomos criados para ser mar. É
importante não sufocarmos este rio. O tempo passa, se não deixarmos o nosso rio transformar-se em mar, chegaremos
ao fim da vida, sem ter realizado aquilo que Deus planejou para nós: A alegria
de viver”.
Em outra
crônica:
“Seguindo o exemplo da estrela, quero derramar sobre todos
tudo de bom que tenho dentro de mim: amor, ternura, alegria, gratidão...”
E na
crônica que ela intitula de Felicidade:
“Perguntaram ao João, um garoto de sete anos:
- João, o
que é felicidade?
-
Felicidade é o jardim. Felicidade é minha mãe.
Ao ouvir
esta resposta, aqueles jovens deram muitas risadas”.
... “Ele
deu uma grande resposta, talvez tenha ensinado para aqueles jovens que a
felicidade não deve ser discutida. A felicidade precisa ser sentida. Às vezes
ela está pertinho, mas não a percebemos porque estamos preocupados em
procura-la, correndo atrás. Se prestássemos atenção, se ficássemos observando,
veríamos a felicidade como João a viu no jardim. As crianças são sensíveis, por
isso são felizes.
... “Façamos
da vida um jardim e seremos felizes, mesmo sabendo que no jardim há espinhos, é
que, atrás dos espinhos, há rosas”.
Assim,
Marília nos traz a chave da felicidade que ela conhece, numa bandeja, como quem
traz, gentilmente, um cafezinho quente, coado na hora! Nesta hora em que o
mundo tanto precisa do calor estimulante de pensamentos puros e honestos!
Admitamos que alguém não goste do “cafezinho” servido no CARROSSEL. Será uma
pena! Afinal, muitos não gostam e outros, coitados, já não podem tomar café...
Mas, que este da Julinha é bom, é! Cheiroso, natural, autêntico, sem as
camuflagens que medram por aí, com rótulos de “para exportação”. No CARROSSEL
serve-se o “café” da nossa Bahia, preparado por baiana competente que ainda
sabe cantar canções de ninar, contar histórias com ternura e rezar com
esperança e fé, enquanto a “água” ferve na chaleira...
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*Publicado em “A Tarde”, de 22-01-1985
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Contracapa do Livro ARCO-ÍRIS de Marília Benício dos Santos
Solenidade da Epifania do Senhor – Domingo 07/01/2018
Anúncio do Evangelho (Mt 2,1-12)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Mateus.
— Glória a vós, Senhor.
Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo
do rei Herodes, eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando:
“Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no
Oriente e viemos adorá-lo”.
Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado, assim como
toda a cidade de Jerusalém.
Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei,
perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. Eles responderam: “Em
Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra
de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque
de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo”.
Então Herodes chamou em segredo os magos e procurou saber
deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. Depois os enviou a
Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E,
quando o encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-lo”. Depois
que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia
adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino.
Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria
muito grande.
Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe.
Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe
ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra.
Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram
para a sua terra, seguindo outro caminho.
“E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles,
até parar sobre o lugar onde estava o menino” (Mt 2,9)
Teilhard de Chardin, paleontólogo jesuíta, manifestou,
repetidas vezes, o desejo de que a solenidade da Epifania mudasse de nome, ou
ao menos de prefixo. A solenidade de hoje deveria denominar-se “dia-fania” em
lugar de “epi-fania”, para ressaltar que festejamos o dia em que Nosso Senhor
Jesus Cristo se revela em plena transparência, como fundamento de tudo e de
todos, fonte e fim, alfa e ômega.
Teilhard não vê o relato dos Magos como uma “verdade
fotogrática”, mas como uma verdade que nos ilumina sobre Aquele que enche o
universo com sua presença dinâmica, sobre Aquele que dá sentido à nossa
história, tornando-a “diá-fana” (transparente). Porque, neste mistério, não se
trata propriamente de uma repentina irrupção de quem é o Salvador, senão muito
mais de uma misteriosa e silenciosa “dia-fania”, mediante a qual o
recém-nascido em Belém deixa “transparecer” o verdadeiro rosto do Deus
misericordioso e compassivo. Nele, Deus se humaniza para também des-velar
(tirar o véu) e deixar trans-parecer a verdadeira e divina identidade de cada
ser humano, escondida na interioridade de cada um.
Nosso eu profundo é habitado por “magos” e “herodes”:
impulsos de vida e impulsos de morte, busca da verdade interior e busca do
poder, caminho de “saída de si” e caminho de “auto-centramento”... O Nascimento
de Jesus desvela e ilumina nosso interior e nos coloca diante deste desafio:
qual dos dois dinamismos nós alimentamos? Qual caminho marca a nossa vida? O
caminho dos Magos ou o medo de Herodes?
Continuam acontecendo atualmente as famosas peregrinações
que levam a Meca, a Santiago de Compostela, a Jerusalém, a Roma..., mas, na
verdade, segundo o evangelho de hoje, a primeira e mais importante de todas é a
peregrinação dos Magos que vão até Jesus, guiados pelo canto e pelo chamado de
sua Estrela (a Estrela de Deus, a Estrela de cada um).
Os Magos consultavam os astros do céu para compreender o
caminho da humanidade na terra.
Examinando os céus, descobriram uma estrela brilhante como nenhuma
outra. E ficaram fascinados com o seu fulgor. Deixaram-se conduzir por
inquietações e buscas, talvez não oficialmente “religiosas”, mas sim
profundamente humanas, que pulsam no interior de cada pessoa; perguntaram,
comunicaram o que tinham visto, seguiram adiante em tempos de obscuridade e,
como recompensa de sua busca, “encontraram o Menino com Maria sua mãe”.
Foi assim a longa jornada dos Magos, seguindo o caminho que
a luz da estrela lhes indicava. E ao final de longa peregrinação chegaram ao
lugar procurado. Eles, então, ficaram iluminados, não pela luz da estrela, mas
pela luz da criança, pois é na simplicidade e pobreza dela que resplandece a
Luz de Deus.
Os Magos retornaram, depois, a seus países, agora
convertidos em portadores da Nova Luz. O encontro com o Senhor os transformou.
Todo encontro com Jesus era e é um encontro que transforma radicalmente. Alguns
encontros são fundantes, são como uma pedra angular sobre a qual podemos
começar a construir algo novo; outros encontros reavivam e ativam os
fundamentos de nossa vida.
Hoje também estamos vendo sinais. Em nossas vidas sempre há
alguma estrela que nos guia até Belém. Podemos nos assustar e permanecer
paralisados, olhando as estrelas, mas os sinais não nos são dados para ficarmos
pasmados, mas para nos deixar interpelar e responder. Algumas vezes nos
convidarão à interioridade e outras nos mobilizarão a fazer caminho, mas sempre
nos tirando da acomodação e nos abrindo horizontes. Os sinais nos comprometem e
nos dinamizam. Precisamos ler e interpretar para onde as “estrelas”, que
aparecem no horizonte da vida, nos conduzem.
Esta é a Grande Peregrinação que os profetas haviam
prometido, como um caminho que leva para a Nova Jerusalém da Paz e da vida.
Mas, segundo o evangelho de Mateus, essa Peregrinação da Luz não leva a
Jerusalém (cidade dominada pelo Rei Herodes e pelos sacerdotes cumplices da
morte), mas a Belém, que é a “Casa do Pão”, a “Casa da Lua”, pois alimenta e
ilumina homens e mulheres que, na noite da existência, buscam um sentido para a
própria vida. Por isso, uma peregrinação que continua sempre aberta.
Esta é também a nossa peregrinação em direção à nossa Belém
interior; a vida mesma é entendida como caminho de desvelamento de nossa
verdadeira identidade e de descoberta da nossa própria verdade (o que é mais
divino em nós). No encontro com Aquele que é a Luz e que ilumina todo ser
humano, ativa-se a “faísca de luz” que todos levamos em nosso coração.
Epifania, portanto, é a festa da “estrela de Deus”, que não
só ilumina o caminho da humanidade; ela é a grande Festa de Iniciação, de
“descobrimento da própria luz”, ou seja, da Luz do Deus de Jesus em nossa
própria vida. Por isso, no sentido mais
profundo, todos somos “phos-phoros” (fós-foro) ou “phos-phorantes”, portadores
de luz, lamparinas de Deus neste mundo envolto em trevas; cada um de nós é uma
estrela de Deus no imenso mar de constelações. Somos luz de Deus, porque Deus é
nossa luz, a lâmpada de sete luzes que é a única Luz de verdade em nossa
existência.
Por isso, Epifania não é só hoje, epifania é sempre, é nossa
vida. Frente ao Rei Herodes e frente a todos os Reis e Sacerdotes do poder
estabelecido, que só buscam o domínio sobre os outros (que são capazes de
matar, porque não tem outra riqueza), emergem, no relato de Mateus, os “magos e
magas”, que realizam o caminho de iniciação, que os leva à verdade de sua
própria vida, a verdade do Deus dos pobres, a verdade de Belém.
Todos somos “magos-magas”, homens e mulheres que buscam a
Deus, em gratuidade, em reverência, em constante surpresa... Por isso, desde a
Idade Média, os Magos aparecem como sinal de reverência amorosa, no caminho de
iniciação que temos de fazer para o encontro de nossa verdade original. A
Estrela dos magos é o mesmo Jesus, cuja luz brotou em Belém, para iluminar, a
partir dali, a todos os homens e mulheres. Por isso, os magos nos ajudam a
descobrir Aquele que é a Luz, para que, a partir do encontro com Ele, nós
mesmos sejamos luz, sejamos Cristo, feito epifania (manifestação) e diafania
(transparência) de Deus na terra. Nós somos os “magos e as magas”, milhares de
homens e mulheres de luz, estrelas de Deus espalhadas pela imensidão do
universo do Criador.
O presente dos magos (ouro, incenso e mirra) é nossa própria
vida, que se faz dom de Deus, para nós mesmos e para os demais. Somos ouro, o
de maior valor, mas não em forma de capital monetário para comprar e vender,
mas como beleza da vida que se faz dom-presente para ser compartilhado. Somos
incenso, o melhor odor do Natal, o perfume mais precioso, para exalar
santidade, amor, compaixão… em meio a um ambiente fétido de morte e exclusão.
Somos mirra, unguento do amor, como o que usavam os noivos, unguento da vida
com o qual se despedia dos mortos, esperando a ressurreição.
Nossa vida mesma é um presente que viemos oferecer a Deus e
aos outros, no transcurso da noite luminosa de nossa existência, dirigida para
Jesus.
Texto bíblico: Mt
2,1-12
Na oração: O relato dos Magos nos convida a ir ao encontro
do ano novo por outro caminho. Depois do encontro com o Menino Jesus, não
deveríamos regressar à nossa terra pelo mesmo caminho pelo qual viemos.
Transitar por um caminho novo é que deveria caracterizar o começo deste novo
ano. E esta mudança de estratégia deveria ser criativa, buscando alternativas
desconhecidas e novas para enfrentar os desafios que a realidade na qual
vivemos nos apresenta. A criatividade não está em dizer ou fazer coisas raras
ou extraordinárias, mas em saber dizer e fazer o mesmo com outra motivação, com
outra inspiração, de maneira que o resultado seja sempre melhor.
Somos chamados a reler muitas vezes nossas vidas, à luz das
experiências que tivemos, e tomarmos consciência de que cada encontro nos vai
configurando, até chegarmos a uma identificação mais profunda com Jesus.