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domingo, 30 de abril de 2023

 

Cyro de Mattos Ganha o Prêmio

Literário Casa das Américas 2023

 


            Cyro de Mattos conquistou o Prêmio Casa das Américas 2023 com o livro Infância com Bicho e Pesadelo e Outras Histórias, segundo anunciou no dia 28 o diretor Jorge Fornet da Casa das Américas, em Havana, Cuba. O Prêmio Casa das Américas consiste no valor de 3000 dólares e a edição do livro premiado em dez mil exemplares pelo Fondo de Cultura Editorial da Casa das Américas.

          Os escritores e críticos brasileiros Mário Araújo e Clara Dias, junto com a crítica cubana Ingrid Brioso Riemont, integraram a comissão julgadora dos livros de ficção publicados em português entre 2020 e 2022. Concorreram 452 candidatos. A Comissão Julgadora decidiu premiar o livro Infância com bicho e pesadelo (e outras histórias), de Cyro de Mattos, “por ser un libro que absorbe al lector por sus narraciones poéticas de una inquietante levedad, que cautivan a quien lee, y que revelan un sor­prendente dominio del lenguaje. El volumen posee una calidad literaria única que refleja la madurez del autor”.

        As obras Mesmo sem saber pra onde, de JR Bellé, e Máquina rubro-negra, de Gustavo Castanheira, receberam menções nesta categoria de Literatura brasileira. Mais de 450 candidatos concorreram ao certame na categoria Conto. 

          Um dos mais antigos e prestigiados certame de literatura no Continente, tendo atuado nele  como jurado Alejo Carpentier, Mário Vargas Llosa, Carlos Fuentes, José Saramago, João Ubaldo Ribeiro, o Prêmio Literário Casa das Américas já foi conquistado pelos brasileiros Oduvaldo Viana Filho, Ziraldo, Chico Buarque de Holanda, Nélida Piñon, Ledo Ivo, Ângela Leite,  Maria Valéria Rezende, Rubem Fonseca,  Moacyr Scliar e Silviano Santiago, entre outros.

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sexta-feira, 28 de abril de 2023

Heloísa agora é imortal

Arnaldo Niskier

 


Na casa de Machado de Assis, em recente votação, ninguém estranhou a quantidade de votos obtidos pela escritora, crítica literária a ensaísta Heloísa Buarque de Hollanda: 34 votos, quase a totalidade dos imortais existentes.

Na vaga nº 30, que foi lindamente ocupada por Nélida Piñon, a primeira mulher a ser presidente da Academia (fui o seu Secretário-Geral), Heloísa é uma das principais formuladoras e compiladoras do pensamento feminista brasileiro. É a décima mulher imortal da ABL.

A votação, pela primeira vez, aconteceu utilizando urnas eletrônicas. Consagrou a autora da coletânea '26 Poetas Hoje' e premiou a professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, instituição na qual fez o seu doutorado em literatura brasileira.

Conheci Heloísa por intermédio da minha madrinha Rachel de Queiroz. Elas eram muito amigas e, na casa de Rachel, no Leblon, tivemos a oportunidade de um encontro que ficou marcado para sempre.

Com a morte de Nélida Piñon, aos 85 anos de vida, abriu-se a vaga na qual Heloísa Buarque de Hollanda foi eleita. No dia da comemoração, em Copacabana, ela contou que era prima do cantor Chico Buarque. Com muito orgulho.

São suas palavras: 'a ABL é uma instituição muito poderosa, de muito respeito e prestígio. Está num momento de abertura, o que muito me encanta. Prometo trabalhar muito na instituição.'

Depois, lembrou suas relações com Nélida: 'Era muito sua amiga, frequentava bastante a sua casa. Vou procurar dar continuidade ao seu trabalho, de defesa da literatura e das mulheres.' Não deixou de citar o que hoje a ABL faz pela literatura, particularmente pelos jovens e os escritores das periferias. Daí ter lançado diversos autores dessas regiões.

O presidente Merval Pereira destacou aspectos da sua personalidade, a paixão pelo feminismo, onde pesquisou bastante.

Heloísa é formada em Letras Clássicas pela PUC/Rio e tem mestrado e doutorado em Literatura pela UFRJ. E tem pós-doutorado em Sociologia da Cultura na Universidade de Colúmbia (USA). Hoje, coordena o Laboratório de Tecnologias Sociais, no projeto Universidade das Quebradas. Um dos seus últimos livros é 'O feminismo como crítica da cultura', lançado em 1994. E lançou a coleção Pensamento Feminista, em 2020.

Como se vê, uma escritora altamente qualificada.

Chumbo Gordo, 26/04/2023

 

Arnaldo Niskier - Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da ABL, eleito em 22 de março de 1984, na sucessão de Peregrino Júnior e recebido em 17 de setembro de 1984 pela acadêmica Rachel de Queiroz. Recebeu os acadêmicos Murilo Melo Filho, Carlos Heitor Cony e Paulo Coelho. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1998 e 1999.

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quarta-feira, 26 de abril de 2023

As Metamorfoses de Helena Parente Cunha

 Cyro de Mattos

 


             Em Cem Mentiras de Verdade, livro de contos, a baiana Helena Pereira Cunha inova a moderna prosa de ficção curta no Brasil. Denuncia nestes contos brevíssimos, alguns nem chegando a dez linhas, uma marcante economia de meios, funde os limites da poesia e ficção, revela fino espírito de observação do real e sutilíssima capacidade de condensação literária.

            A escritora sensível e criativa observa o real, perscruta-o, parte sempre da situação concreta para repoetizar a vida na sua rotina feita de abismos e sonhos. A ficcionista busca um único objetivo, oferecer um aspecto, um gesto, uma impressão, o instante do desencontro de uma humanidade ínfima, prisioneira do viver e do sofrer. Da metamorfose literária expressa no texto, concentrada de emoção e sentimento, a imagem ganha relevo com a cena breve. O fragmento agudo na trama, implícito de tão vivo, faz-se tangível. Existem em Cem Mentiras de Verdade alusões líricas, que comovem e encantam.  Nas estórias em que entra passarinho, o riso tem lugar no gesto e jeito de ser do coronel Titino Cravo. Com sabor de obras-primas, as duas últimas estórias protagonizadas pelo coronel Titino Cravo são armadas, em seu fino humor, para desarmar o sério do leitor mais concentrado.

            O descritivo, o factual e o denotativo são componentes que estão sempre nos contornos da prosa literária, mas não se fazem presentes nestes mini contos de Cem Mentiras de Verdade. A narrativa de forma objetiva, o diálogo cerrado, o tempo passado do personagem, ingredientes do conto realista entre nós, com ressonância até hoje em alguns contistas, não participam das minúsculas   verdades, tão bem fingidas no lado inexplicável da vida. Ausentes de lógica visível, a escrita dessas ficções breves assenta-se numa pontuação psicológica, conotativa, organizando-se em períodos diminutos, às vezes se constituindo de uma só palavra. Os termos são inventados, formas verbais transladam-se em substantivos e advérbios, a língua torna-se linguagem inventada por quem bem sabe os recursos. Exemplos dessa linguagem experimentada encontram-se em   neologismos como “brancamanhecido”, “devagarosa”, “sorrindissimamente’, “infazia”, “atemorecida”, “despresença”, “dessapato”, dentre outros. Assim, a linguagem com termos inventados torna o contexto mais rico para exprimir o gesto daquela vida apagada em sua angústia sufocante. Faz-se mais crítica a metáfora quando em sua abrangência do real estende-se sobre um território humano a exibir verdade no dia-a-dia de suas misérias subjetivas.

            Partindo sempre do real, a contista atenta ao detalhe, rica de humanidade, não se faz submissa ao factual, como se a sangue–frio relatasse a vida. Íntima do fragmento, separa o essencial do acessório, subverte a sintaxe tradicional da prosa literária e, na expressividade tensa da linguagem, fixa episódios curtos em sua exígua ambiência interior. Com isso deixa sempre a imagem que serve como profunda análise vertical da alma humana. Em “O Fim da Tarde”, a mulher prepara todos os dias a mesa para os dois. Duas cadeiras. Duas xícaras. Duas velas. Dois castiçais. O jarro com flores. A toalha de linho engomada. A arrumação convincente. Todas as tardes, sozinha, tomando chá diante do vazio. Em “A Moça Bonita”, com a sua lindeza, no bonde, olhos nos olhos do rapaz, “simpatia em pé no estribo”. A nota sofrida no visível. A amiga ajudante. Dentro das botas ortopédicas, segurando nas muletas. “A moça, com paixão caminhava. Quando buscou o rapaz, não viu mais. Faltaram-se”. Em “Acordo”, o amor amargo dos cinquenta e dois anos de vida conjugal. O acordo mostra-se na discórdia consumada. Quase aos oitenta anos de idade. Decidiram o divórcio.

            Oscilando entre a razão e a emoção é que o real desrealiza-se nestas Cem Mentiras de Verdade. O imaginário resolve-se com a fidelidade de uma sonda sensível, usada pela escritora que, num átimo, diz ser o mundo constituído de falhas, descativante, pende mais para o trauma do que para o verso azul da canção. O mundo reinventa-se todos os dias no verso inverso das fissuras, o micro atinge o macro com fragmentos que cortam, ritmando-se com mágoa, tristeza em discursos brevíssimos, por vezes nem ressoando nos atalhos doloridos da natureza humana.

            Em Cem Mentiras de Verdade, a baiana Helena Parente Cunha prefere a concisão máxima, a concentração de efeitos para expor drama e poesia extraídos do real. Sem chegar a ser maldita, em seu compromisso estético e sentimento de mundo, detalha a vida cotidiana e consegue a proeza da ilusão na síntese. Como Dalton Trevisan, Luís Vilela, Vander Piroli, Caio Porfírio Carneiro e Ricardo Ramos, dentre outros contistas do implícito na síntese por excelência, traz em sua escrita a marca da grande contista. Fala pouco em suas breves verdades fingidas, dizendo muito sobre o mistério da vida.

            Quase trinta anos depois, a autora volta a exercitar a prosa de ficção breve em Falas e falares, um conjunto de textos por ela chamado de minicontos. Apresenta a mesma técnica de sugerir o drama com a concentração dos efeitos, a linguagem veloz, aliciante, que alcança ritmo galopante em alguns desses textos, como vemos na “Primeira estória de motorista de táxi”. Encontramos em alguns desses mini contos ou poemas vozes ecoando vindas da infância, do tempo com dores e desejos, alusões a figuras de mulheres em seu convívio interior de paisagens, nas quais aves traçam “os desenhos alados na superfície do ar ...”

            Em narrativas transitando entre Rio, Salvador ou em algum lugar qualquer, encontramos a sensibilidade delicada da autora, para com sabedoria e arte inovadora forjar seus textos. Em “O aniversário dele”, flagra os olhos do menino, “se abrem mais e cabem nos tons amarelos das margaridas e dos girassóis, papai aqui é a casa do sol.” Em “Fofurinha do papai”, primor de mini conto, temos esse achado luminoso, em amenidade de linguagem fundamentada na natureza, quando se diz que “há seres que contam os anos e os séculos e eclipses do seu mundo interior, você não sabia, as árvores, quanto mais velhas são, mais jovens serão,”.

             Em “Riso de risada ensolarada”, o leitor é de logo surpreendido em carícia no início com o achado de sonoridades luminosas, “timbres remotos e inflexões reinventadas e imprevistas ondas que se expandiam do gabinete do diretor pelos corredores, até as salas de aula,”.

            Mini contos ou poemas, não é preciso procurar muito para saber que Em Cem mentiras de verdade o tom dos dizeres ressoam para as negações do existir enquanto em Falas e falares o nível do discurso pende para as afirmações em que nossa precária condição de ser-estar vai sendo reconhecida com as suas circunstâncias críticas, apresentadas na proeza de no mínimo ressoar a dor maior.

 

Referências

CUNHA, Helena Parente. Cem mentiras de verdade, Prêmio Bienal Nestlé de Literatura (Menção Honrosa), José Olimpio Editora, Rio de Janeiro, 1985.

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 Falas e Falares, Editora Mulheres, Santa Catarina, 2012.

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 Cyro de Mattos - Cyro de Mattos é poeta e ficcionista. Premiado no Brasil, México, Itália e Portugal. Publicado por editoras na Europa. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia).


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terça-feira, 25 de abril de 2023

Viva Pernambuco

José Paulo Cavalcanti



Em seu Discurso de Posse na Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras, Marco Maciel declarou que 'Pernambuco é um sol a brilhar no infinito'. Referia-se ao hino de nosso Estado, claro. Mas, também, a uma história que vem de longe e nos orgulha. Em nossa terra, permitam dizer com modéstia bem pernambucana, o Brasil nasceu?

Em um dia como o de amanhã (22 de abril), a data é oficial, o Brasil foi descoberto. Mas seria bom voltar no tempo e ver isso com mais vagar, seja para precisar melhor a data, seja para situar o papel de Pernambuco nesse descobrimento. Em seu Discurso de Posse na Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras, Marco Maciel declarou que 'Pernambuco é um sol a brilhar no infinito'. Referia-se ao hino de nosso Estado, claro. Mas, também, a uma história que vem de longe e nos orgulha. Em nossa terra, permitam dizer com modéstia bem pernambucana, o Brasil nasceu. Quando, em 26/01/1500, Vicente Yáñez Pinzón (por esse feito condecorado pelo rei Fernando II, de Aragão) desembarcou no hoje Cabo de Santo Agostinho, por sua expedição então logo denominado Cabo de Santa Maria da la Consolación. Um ancoradouro natural, onde está o Porto de Suape. Assim que chegou, pronunciou frase que entrou para os livros 'Esse é o lugar de mais luz da terra'. E tudo bem antes do tal 21 de abril.

Trata-se da mais antiga viagem, documentalmente comprovada, ao território nacional. Desde quando a esquadra de suas quatro caravelas partiu de Palos de la Frontera, em 19/11/1499. Tudo como bem descrito pelos cronistas (historiadores) da época, Pietro Martire D'Anghiera e Bartolomeu de las Casas. Não sendo reivindicada pela Espanha, sua posse, apenas por caberem essas terras a Portugal ? em razão do Tratado de Tordesilhas. Dando-se que por ele, de 1494, restaram divididas as terras 'descobertas e por descobrir' a partir de meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão, no arquipélago de Cabo Verde. A oeste, caberia ao reino de Castela (Espanha). E, a leste, Portugal. Onde estava Pernambuco, descoberto por Pinzon.

Só que nem sempre a descoberta do Brasil foi comemorada nesse 22 de abril. Até 1817, se dava em 3 de maio. Tudo culpa do historiador Gaspar Correia (1495-1561); que imaginava ser, a data, homenagem ao próprio nome dessas terras ? então Ilha de Vera Cruz (e, logo depois, terra de Santa Cruz). Celebrando-se, em dito 3 de maio, o Dia da Santa Cruz. Até quando aqui veio dar a família real, tangida por Junot, general preferido por Napoleão, O filho dileto das vitórias. E, com essa família, veio também a Carta de Pero Vaz de Caminha. Aquela em que pedia ao Rei D. Manuel, O Venturoso, um emprego para seu genro Jorge d'Osoiro. Morrendo Caminha, em Calicute, sem saber que seu pedido, em favor do destrambelhado genro, foi afinal atendido. Sendo, tal carta, lida com atenção pelo padre Manuel Aires de Casal; sabendo-se então, por ela, que o Monte Pascoal foi afinal avistado num 22 de abril. Fosse pouco, a data chegou a ser um feriado nacional. Em boa hora revogado por Getúlio Vargas, junto com outras datas comemorativas, por achar demais tanta folga para os brasileiros.

Mas outras dúvidas persistem. Para o escritor potiguar Lenine Pinto, por exemplo, Cabral chegou ao Brasil em 1500, mas não na Bahia; e, sim, no Rio Grande do Norte. Indicando, com argumentos convincentes, que o Monte Pascoal, primeiro ponto de terras que teria sido avistado por Cabral, simplesmente não é visível a partir do mar. O que viu Cabral, na verdade, teria sido o Pico do Cabugi ? no interior, hoje a uma hora de automóvel do litoral. Um monte que atende perfeitamente, esse Cabugi, à descrição de Cabral. Por ser visto com destaque, ainda hoje, pelos marinheiros. E muitos acreditam nisso. Entre eles, o ministro do STJ Marcelo Navarro.

Em Portugal, também se diz que o primeiro descobridor dessas terras teria sido, na verdade, Duarte Pacheco Pereira, navegador luso que Camões definia como 'Aquiles Lusitano'. Duarte escreveu, em 1505, o livro Esmeraldo de Situ Orbis; indicando que ele próprio teria chegado em algum ponto da costa entre o Maranhão e o Pará, entre novembro e dezembro de 1498; daí se dirigindo ao norte, alcançando a foz do Amazonas e a ilha de Marajó. No livro está que 'É achado nela (na terra descoberta) muito e fino Brasil. Com outras muitas coisas de que os navios nestes reinos vêm grandemente povoados'. Não sendo tornada pública, dita viagem, por saber Portugal que caberiam, as terras, ao Reino de Castela, em razão do Tratado de Tordesilhas (como vimos, de 1494). Sem qualquer outra prova, tudo se baseia somente nesse relato. E muitos, hoje, acreditam que assim aconteceu mesmo. Como o escritor português Miguel Souza Tavares. Fique o registro.

Seja como for, hoje como sempre, é prova de bom gosto e de sabedoria sempre dar vivas a Pernambuco.

P.S. Vênia para louvar nosso estado em uma pequena história. Tudo começou com dona Celina Pina, mulher do doutor Sizenando Carneiro Leão. Antônio, seu filho querido, iria ser doutor pela Sorbonne. A realização de um sonho. No dia da viagem, o Aeroporto dos Guararapes estava cheio com família, empregados, amigos, vizinhos, o mundo inteiro para dar adeus a Toinho. Na hora do embarque, a mãe o chamou para conversar.

Queria lhe dar três conselhos, filho. Um, estude muito para ser o primeiro aluno da classe. Dois, de noite, não saia para beber nem raparigar. Três, e nunca diga a ninguém que nasceu em Pernambuco.

Toinho estranhou.

Minha mãe, os dois primeiros conselhos até entendo, mas esse terceiro?

E ela completou

É por ser muita falta de educação contar vantagem.

Chumbo Gordo, 23/04/2023

 

https://www.academia.org.br/artigos/viva-pernambuco

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José Paulo Cavalcanti - Nono ocupante da Cadeira nº 39, eleito em 25 de novembro de 2021, na sucessão de Marco Maciel e recebido em 10 de junho de 2022 pelo Acadêmico Domício Proença Filho.

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sábado, 22 de abril de 2023



PORTARIA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA – ALITA  Nº 03/2023

O Presidente da Academia de Letras de Itabuna – ALITA, no uso de suas atribuições, lastreado no quanto disposto nos Artigos 21a  do Regimento Interno  /2011 e perante o documento abaixo anexado,

RESOLVE

Art. 1º – Revogar a Portaria  ALITA Nº1/2023  e restaurar os plenos  direitos e deveres do acadêmico  ocupante da cadeira nº 09.

Art. 2º – Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Itabuna, 21 de abril de 2023.

WILSON CAETANO DE JESUS FILHO

PRESIDENTE

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AOS ACADÊMICOS DA ALITA (II) – RILVAN SANTANA


Senhores Confrades:

Eu nasci no interior, em que a palavra era o documento maior. Nós não sabíamos o que era justiça, delegacia, as contendas eram resolvidas pelo membro mais velho da família e pelos vizinhos de bom senso.

Hoje, meio dia, a confreira Raquel Rocha me ligou, informando-me que alguns confrades estão pensando numa “Restauração Judicial”, peço-lhes que abandonem essa ideia, não quero retornar sob imposição judicial. Quero voltar se for consenso interno e compreensão e generosidade de todos.

Por isso, peço desculpa pública a Cyro de Mattos e que me desculpe o filho de Sônia Maron. Digo-lhes que nunca lhes quis mal e nunca guardei ressentimento. Se lhes ofendi, não o fiz com maldade, mas, no calor da opinião pessoal. Quando tenho uma opinião, defendo com unhas e dentes aquele ideal, às vezes, pensamos que não estamos machucando outras pessoas.

Enfim, que os confrades compreendam que nada vale a pena pela força, mas pelo tolerância, generosidade e amor. Certo da atenção dos confrades, reitero protestos de estima e apreço.

São Caetano, Itabuna (BA), 19 de abril de 2023

Rilvan Santana


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quinta-feira, 20 de abril de 2023

Capanga de Sonetos é o mais

novo livro de Cyro de Mattos

 


             Constituído de 128 sonetos, Capanga de Sonetos é o mais novo livro de Cyro de Mattos, que acaba de ser publicado pela Via Litterarum. Com capa do consagrado Juarez Paraiso, o livro é dedicado à memória de João Carlos Teixeira Gomes, um dos maiores sonetistas da língua portuguesa. Com esta obra, Cyro de Mattos atinge a marca de 65 livros publicados, entre o conto, o romance, a poesia para o leitor adulto, a poesia infantil a crônica e o ensaio. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México, ele é também editado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Estados Unidos.

 

O AUTOR E O LIVRO

 

          Baiano de Itabuna, cidade no Sul da Bahia, jornalista com passagem na imprensa do Rio, advogado aposentado, Cyro de Mattos é autor de mais de 60 livros pessoais, entre o romance, o conto, o poema, a crônica, o ensaio e a literatura infantojuvenil. É também editado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha, Dinamarca e Estados Unidos. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Participa de dezenas de antologias no Brasil e exterior.

          Autores da melhor distinção e a crítica especializada têm ressaltado as qualidades de sua poética integrada de sensualíssimo lirismo, “que em poemas da mais cristalina corrente-do-existir dá a beber a precária realidade-de-ser”, como observa Maria Irene Ramalho, ensaísta portuguesa e doutora em Letras. Mas sua poesia também irrompe do fundo do homem e das coisas, pulsa em suas raízes como no cancioneiro motivado pela civilização cacaueira baiana. Nasce, assim, com a localização de vozes no lugar onde o homem teve origem, vive e morre. Também revela uma modulação especial, que se constitui em atrativo amoroso no qual recria o homem inundado do canto inspirado pela união carnal e espiritual com a mulher para o que der e vier a acontecer. Temos então um comportamento mágico da palavra, essa eternidade do Verbo naquilo que é “lampejo” existencial, paixão indizível, que só a Poesia pode reviver e transcender”, como assinala a ensaísta Nelly Novaes Coelho.

            Desprezando o uso da linguagem com apelos ao ornamento, operada com excessiva sonoridade verbal, disfarces na sintaxe invertida para gerar efeitos ou daquela revestida de expressão hermética cifrada, num código que só o autor entende, seus versos configuram dizeres de um simples poeta do amor, da natureza, dos seres e das coisas, que se permite retirar da capanga do tempo uma legítima disposição da alma lírica nas formas da beleza. Nessa condição do poeta legítimo transmite ao leitor pequenas porções de encantamento, identificando e celebrando a vida ritmada com novos renascimentos.    

          Há nesta capanga de sonetos os de formato tradicional e os de forma reduzida, que estendem momentos querendo sustar o tempo riscado no instante breve do eterno. No sopro da ilusão buscam elevar a alma segura de surpresas para ordenar a existência. Encontramos neles o brilho dos seres e das coisas, da natureza humana e física quando emite suas vozes e são capturadas na passagem do amor imaginado com as suas afirmações e negações nas quais permanecemos ou fugimos durante o tempo em que existimos.      

 

 

Seis Poemas do Livro Capanga de Sonetos


 

 Do Vício Incurável

 É na capanga do tempo que guardo

estes sonetos com o vento fazendo

surpresas nos quintais, em cada instante,

que se cabe no amanhecer cantante. 


Vê-se logo, de tudo um pouco tendo,

querem expressar alguns sentimentos

que por dentro e fora ferem momentos

vistos nos seres e coisas do mundo.

 

A forma neles mostra-se imperfeita,

sem brilho, vem de minha alma sedenta,

distante do engenho da natureza.

 

Leve o tempo nas asas fuga certa,

eterno encanto no que se sustenta,

em mim são como os vícios da beleza.

                            

Dos Galos

Melhor tê-los nos seus clarins da aurora

quando anunciam claras madrugadas,

observá-los rubros com bico e espora

nas rações benditas, multiplicadas

 

por mãos de orvalho, telúricas na hora

sem rinha e rude medo das caçadas.

Melhor senti-los nos quintais de outrora

quando escavam o verde das jornadas

 

do que encontrá-los na multidão roucos,

incolores no alto e, no asfalto, loucos

ou sabê-los solitários nas noites

 

que passam sempre anônimas e tristes

e vê-los, emudecidos, na sorte

imutável que os tomba para a morte.

 

Da Flauta Plena

Canções aconteceram quando a vida 

em carícia de flauta era sentida. 

Agora, zangada, pisa na relva,  

emerge nos gritos hostis da selva.

 

Canções aconteceram quando a vida

em carícia de lenço era tocada.  

Tinha aquela música que não ceva 

tremores fortes numas folhas de erva. 

 

Ira erra e-l-e-t-r-ô-n-i-c-a de pantera,

telex informa calendas de guerra,

rosas enfermas: água, céu e terra.

 

Apesar dessas vozes que na cena 

Ululam, febris na corrente insana,   

Deixo que se vá minha flauta plena.

  

Do Momento Mágico

Se tudo é logro, sonhar é sabê-lo

em impulso mágico do existir.

Se buscar bem a razão do existir,

termina por encontrar, não o selo

 

que põe um fim aos problemas da vida,

mas o encantamento, inexplicável, da 

poesia. A linguagem é a casa 

do ser, a poesia mora na asa.      

 

Com a beleza inspirada pelo sonho,

 a palavra emprestada pelo sonho,

o ser apresenta-se com as vestes da

 

vida e da morte, e se repete.  Nada

fica nos anos, como o vento passamos. 

Na solidão desse verso sonhamos.

  

Da Agonia

Não posso parar a dança que não

descansa numa sinistra pá. Não

posso encontrar a chave dessa porta

no lado de lá.  E porque essa porta

  

nunca se abre não sei para onde vou,   

já não serve o rio que aqui findou.          

Cerca-me esse mar triste, a voz assim

 calada nada propõe, sinto em mim

 

o inexorável de meu ser precário.

Incerto, sem ânimo, provisório.

Indago: se não fosse a poesia,  

 

toda essa agonia como aguentar?

Como existir sem sua companhia?    

Entre solidões como me encontrar?

 

Das Mãos na Goela das Águas  

Venho sendo omisso pra refazer

virginais caminhos de água, dizendo

melhor, matei o que era para ser  

vivo no seu amanhecer líquido.   

 

Eu me acuso por ser indiferente

ao benefício, sempre abundante,

de água pura que jorrava na fonte,

peixe e rede no orvalho competente.     

 

E como réu confesso que merece

por tão grave delito ser punido,

chegando do que lhe foi natural,

 

em noite morta, que nunca apetece,  

lavro minha sentença, condenado   

a viver no abismo do que há no Mal.


* * *

sexta-feira, 14 de abril de 2023

 

Para a humanidade

José Sarney

 


Como intelectual sempre tive uma preocupação humanista nas minhas decisões, preocupando-me não apenas em melhorar a sorte do povo brasileiro como também a de toda a Humanidade.

Assim, três coisas me enchem de orgulho. A primeira, ter acabado com a corrida nuclear na América do Sul, onde Brasil e Argentina tinham uma disputa histórica. Assim, juntamente com Raul Alfonsín, então Presidente da Argentina, encerramos essa disputa: ele me levou para visitar a Usina de Pilcaniyeu, na Argentina, e eu o trouxe para visitar a Usina de Aramar, selando a confiança ente os dois países, consagrando o acordo de paz nuclear.

Como resultado desse encontro o nosso continente sul-americano se tornou o único no mundo que não tem armas nucleares, nem aspira a tê-las. Isso, por si só, justifica um Governo, pois se trata de um grande benefício para todos os povos.

Também me orgulha o fato de, como Presidente da República, ter apresentado nas Nações Unidas, pelo Brasil, a Resolução 41/11, que proibia armas nucleares no Atlântico Sul, criando na América do Sul uma Zona de Paz e Cooperação, banindo as armas nucleares na região.

No mundo que volta a viver sob o terror do Dia do Juízo Final, da extinção da vida na face da Terra, lembro que afirmei na ONU que, enquanto existir arma nuclear, a Humanidade estará ameaçada de extinção.

Em 1961, quanto integrei uma Comissão Especial nas Nações Unidas, chefiada por Afonso Arinos, tive a oportunidade - ao lado de Golda Meir, Ministra de Relações Exteriores de Israel; Jawaharlal Nehru, Primeiro-Ministro da Índia; Antônio Segni, Presidente da Itália; Adlai Stvenson, Embaixador dos Estados Unidos na ONU; Andrei Gromiko, Presidente da URSS, entre muitos outros chefes de Estado - de discutir os conflitos regionais. Envaideço-me de ter feito um dos primeiros discursos contra o apartheid, essa ignomínia da África do Sul, vergonha para toda a Humanidade, uma segregação de brancos e pretos.

A terceira foi de ter apresentado no Congresso Nacional, no dia seguinte ao anúncio do coquetel anti-HIV, na Conferência de Vancouver, antes de seu encerramento, um projeto de lei tornando gratuita a distribuição desse medicamento.

A Lei 9.313/96 foi aprovada rapidamente. Mas o próprio Ministério da Saúde, preocupado com a exiguidade dos recursos e temeroso de que fosse uma despesa impossível, foi inicialmente contra ele. O veto foi sugerido. Fui ao Presidente Fernando Henrique, dizendo-lhe que eu não podia, como Presidente do Congresso, aceitar que isso ocorresse. Ele foi sensível à proposta e sancionou a lei. Os primeiros coquetéis foram aplicados pelo Ministério da Saúde em meio a muita controvérsia, mas logo os dados positivos mostraram que aquele era o caminho a seguir. Como a própria lei determina, com a evolução terapêutica os medicamentos aplicados foram mudando, e hoje os resultados são excelentes. Assim, ela foi replicada em muitos países e, aqui e lá, tem salvado muitas vidas.

Naquele tempo, um repórter do New York Times fez uma grande matéria sobre o assunto e me entrevistou perguntando quais eram os grupos de pressão a que eu atendia com a decisão. Simplesmente respondi que a AIDS era a doença mais cruel que já tinha aparecido para a Humanidade, porque associava o amor à morte, e que ninguém me havia pressionado, pois, como intelectual, entendia que devíamos encontrar uma solução a qualquer preço para o problema. Como essa doença atingia os mais pobres, era a eles que deveríamos socorrer prioritariamente. Hoje, esse é um tratamento universal, que retirou da AIDS o espectro da morte.

Os Divergentes, 04/04/2023

 https://www.academia.org.br/academicos/jose-sarney

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José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.

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terça-feira, 11 de abril de 2023

Cyro de Mattos é publicado na Rede Tíberíades de autores cristãos iberoamericanos na Espanha


           Com o título “Cyro de Mattos: amado Galileo y otros textos”, a Rede Tiberíades de poetas e críticos literários cristão x iberoamericanos,  sediada em Salamanca, na Espanha, acaba de publicar com destaque a crônica Amado Galileu e os poemas Cravo de Cristo, Haicai de Cristo e Via Impiedosa, do autor baiano Cyro de Mattos, em edição português-espanhol. A matéria traz ainda ilustrações belíssimas do salvador da humanidade, além de divulgar uma foto grande do escritor e poeta baiano  recitando seus poemas no Teatro do Liceu de Salamanca.

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Cyro de Mattos: 'Amado Galileu' e outros textos traduzidos por A. P. Alencart

Leitura do escritor brasileiro Cyro de Mattos no Teatro Liceo de Salamanca (foto de José Amador Martín)


Amado Galileu

Para Alfredo Perez Alencart

Contam que nasceu numa manjedoura, o berço de palha. Foi anunciado por uma estrela, no céu toda acesa de Deus. Os bichos cantaram: Jesus nasceu! Jesus nasceu! Os pastores tocavam uma música serena nas suas doces flautas. São José, o pai, o que tinha mãos no labor de enxó, plaina e formão, soube que de agora em diante ia talhar a mais pura fé do seu constante coração. Virgem Maria, mãe do menino, dizia baixinho: Pobrezinho quando for um homem, de tanto nos amar, vai morrer na cruz.

Os três reis magos foram chegando, vieram de longe, muito longe, atravessaram montanhas e desertos. Traziam, como presente para o menino, mirra, incenso e ouro. Ajoelharam-se. Não eram dignos de tocar naquela palha, mas bastava agora que fizessem o bem ao próximo seriam salvos. Abelhas com os seus zumbidos de ouro vieram colocar afeto e mel no coração de cada um dos reis.

Contam mais que foi um menino que brincava como qualquer menino, mas que gostava de ficar às vezes sozinho, olhando para a linha do horizonte. Quando ficou rapaz, não teve dúvida, havia sido o escolhido entre os seres humanos para ultrapassar aquela linha. Para conseguir a façanha teria que fazer uma mágica em que disseminasse uma rosa na manjedoura dos ares. Juntar todas as mãos numa só mesa onde todos seriam irmãos.

Teve que trazer as sementes dadas pelo Pai para plantar cirandas nas areias do deserto. Os sentimentos daquele homem com olhar de mendigo e profeta correram nas águas doces do rio, seguiram no vento manso, que soprou a flor sozinha na plantinha do brejo. Foram levados pela borboleta até o lugar onde o amor sempre permanece.

Ora, vejam só, sair por aí de mãos dadas como criança e espalhar num instante só ternura nessa terra? Convencer os homens de que viver vale a pena desde que a vida seja exercida numa comunhão em que não haja desigualdade, injustiça, opressão? A vida sem solidão, a vida como uma dança, a vida sem agressão? Os bichos sem matança e a mata sem queimada? Sem veneno as nuvens na chuva despejando a poluição?

Os donos do poder no sistema organizado não perdoaram a afronta. Traçaram o mais pérfido calvário. Fizeram que carregasse uma cruz pesada. Puseram uma coroa de espinho na cabeça, cuspiram, chicotearam. Ó desamor, quão amarga é a tua memória! Morra o rebelado, o falso profeta, o demolidor da ordem, o falso fazedor de milagre? Os que estavam cegos investiam, urravam, não se cansavam. Até que decretaram a crucificação. Não aceitaram que no seu lugar ficasse o ladrão, que para ali fora apenado com a crucificação pelos crimes cometidos.

Mas o que se viu, depois de perversa infâmia, é que até hoje toca um sino na cidade e na campina, só para nos dizer que do menino se fez o homem, em duras pedras no caminho. Vestido de aleluias, ressuscitou, ressuscitou, por ser divino e eterno só nos quer o bem.

Esse amado galileu.

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Cristo na Cruz, por Miguel Elias


Cravo do Cristo

A terra tremeu,
Portas da esperança abertas,
A morte vencida.

Evocando espinho,
Até hoje perfuramos
Através do bem.


Unha de Cristo

A terra tremeu,
abrir o Portal da Esperança,
A morte venceu.

Evocando o espinho,
Até hoje atravessamos
através do bem

Haicai do Cristo

Espinhos furam
Rei do perdão renegado,
Do sangue bebem.

Pedra, cuspe, crivo,
Ululantes cães na festa
Do sol tenebroso.


Hacai de Cristo

Ferida de espinhos
ao negado rei do perdão,
Eles bebem seu sangue.

Pedra, grelha, peneira,
Ululating cães na festa
do sol escuro.


Via impiedosa  

Cuspido no caminho
por onde passa respinga
sangue dos espinhos
Deixe a carne se animar.
Do ódio não desistem
gargantas que pedra,
uma coroa sabe a dor
do vento nas manadas
sem rumo enfurecidas.

Todos os rancores
vergastam no rosto,
abomináveis renegam
a união como verdade.
Tudo é solidão, é dor,
o mundo que se cala
com a surra desferida
no rei único do perdão.

Pelas ofensas cometidas,
sei que não sou digno
de entrar em tua morada,
mas basta uma só palavra
para que eu seja salvo.
Em tuas mãos entregue,
faz de mim tua criatura,
recolhe-me da injusta onda
entre vilezas e ignomínias
tingindo de roxo o coração.

Caminho implacável

Cuspir na estrada
onde quer que passe salpicos
Sangue dos espinhos
que perfuram a carne.
O ódio não desiste
gargantas que pedra,
Uma coroa conhece a dor
do vento nos rebanhos
sem rumo.

Todos os rancores
chicote na cara,
Renegação abominável
A união como verdade.
Tudo é solidão e dor,
O mundo que está em silêncio
Diante dos golpes
ao único rei do perdão.

Pelas infrações cometidas,
Eu sei que não sou digno
para entrar em sua morada,
Mas apenas uma palavra é suficiente
para que eu possa ser salvo.
Em tuas mãos eu estou,
fazei-me vossa criatura,
Me pega de ondas injustas
entre vileza e ignomínia
tingindo o coração de vermelho.


- Ciro de Mattos (Itabuna, Bahia, 1939) Poeta, Narrador, Jornalista e Advogado. É membro da Academia de Letras da Bahia e já conquistou diversos prêmios, como o Prêmio Nacional Ribeiro Couto, o Prêmio Alfonso Arinos, o Prêmio Centenário Emílio Mora e o Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo (Gênova). Tem um trabalho publicado na Alemanha, França, Portugal, Rússia, Estados Unidos, México, Dinamarca, Suíça e Itália. Entre seus livros de poesia estão Vinte Poemas do Rio, Cancioneiro do Cacau, Ecológico, Vinte e Um Poemas de Amor e Oratório de Natal, entre outros.

 

https://tiberiades.org/?p=7825 

 


 


segunda-feira, 10 de abril de 2023

O corrimão

Ignácio de Loyola Brandão

 


Depois de um intervalo de três anos, voltei às palestras pelo interior do Brasil. Alegria ao reencontrar o público, principalmente os professores. Tive um companheiro especial pelo interior mineiro, Campos Altos, São Gotardo e Ibiá. Mauro Ventura, escritor e jornalista, filho de Zuenir Ventura, meu colega na Academia Brasileira de Letras. Ele seguiu como mediador, mas funcionou principalmente como meu 'cuidador'. Aos 86 anos, me veio um leve desequilíbrio físico ao andar. Adotei uma bengala, que, às vezes, me parece elegante. Outras, me deixa constrangido, expondo minha fragilidade. Vaidades. Também, vez ou outra, me vem a vontade de dar bengaladas. Contenho-me, as pessoas estão em ponto de bala, pisando nos cascos, não se sabe o que pode acontecer.

Mas descobri um lado que ainda existe, a cordialidade. Pessoas que me estendem a mão, abrem portas, levam a bengala enquanto subo a escada do avião, apoiado ao corrimão. Ah, sim, aqui está onde queria chegar, ao corrimão. Certo dia, perguntei a uma plateia de jovens: 'Qual foi a melhor invenção, ou descoberta, do mundo?'. Responderam o celular, o computador, o motor flex, a lâmpada elétrica, o picolé, o Instagram. Eu disse: 'Nada disso! É o corrimão. Mas é preciso viver para entender'. Quantos percebem a presença do corrimão? Este suporte low profile, grudado em uma parede, demora anos para ser considerado essencial. Só se percebe que é fundamental no dia em que, ao colocarmos o pé no primeiro degrau, descobrimos a dificuldade para levar o pé ao segundo, ao terceiro e assim por diante.

Quando entro e vejo o corrimão, agradeço ao gênio que intuiu a função que ele teria. Estou há décadas nesta vida e nunca notei a ausência do corrimão. Porque não precisava. Subia lépido de dois em dois degraus. Subia 13 andares fácil. Depois, percebi que havia corrimão, mas ignorava. Até o dia em que cheguei e não havia energia no prédio. Decidi: vou de escada. Subi o primeiro degrau, o segundo e, antes do terceiro, senti a coisa complicar, estava caindo para trás. Aí vi! Grudadinho na parede, humilde, o corrimão. Agarrei-me a ele com volúpia.

Agradeci ao altíssimo que alguém tenha tido essa inspiração. No dicionário de inventos, o corrimão não está relacionado. Injustiça ou ignorância? Pesquisei, não se sabe quem o inventou. Mas quem o criou deveria ser homenageado com uma estátua, ou com ingressos por toda a vida para a peça Eu de Você, da Denise Fraga. Tem coisa mais simples que um corrimão? Não passa de uma barra de ferro afixada à parede. Que bem nos faz. Ele aguarda lugar no Museu das Grandes Ideias Para o Bem-Estar da Humanidade.

Estava caindo para trás. Aí vi! Grudadinho na parede, humilde, o corrimão. Agarrei-me a ele com volúpia.

Jornal O Estado de S. Paulo, 09/04/2023

 

https://www.academia.org.br/artigos/o-corrimao

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Ignácio de Loyola Brandão - Décimo ocupante da Cadeira 11, eleito em 14 de março de 2019 na sucessão do Acadêmico Helio Jaguaribe.

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