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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

10 DE AGOSTO: DIA DE JORGE AMADO – Promoção

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(Rio de Janeiro, 1954 – promoção)


            Na manhã de domingo trabalho na redação de um manifesto – quantos redigi? -, Janaína e João Jorge chegam do banho de mar em correria, trazem e exibem prospectos atirados de avião sobre Copacabana e Ipanema, inundam a praia e as ruas. Entregam-me, ficam à espera de minha reação, Janaína risonha, gozadora, João Jorge de cara fechada, pronto para a briga.

            A campanha anticomunista ganha os céus, dois teco-tecos sobrevoam o bairro, a serviço da Liga Anticomunista, organização presidida pelo Almirante Pena Boto – a guerra contra os comunistas é um bom negócio, rende juros altos, como irão se arranjar agora os Pena Boto da vida, sem o ouro de Moscou para aplicar no medo dos ricalhaços e arrancar as verbas? Vão lastimar o fim da URSS, acabou-se o que era doce de coco, rapadura.

            Militante de base – seria mesmo de base? Nunca frequentei célula, sempre a cumprir tarefas da direção, especiais -, escritor conhecido, a Liga do Almirante oferece-me galardão de líder, prerrogativas de chefe: o volante na mão de Janaína, João Jorge me entrega o dele, refere-se a este vosso criado: o texto e o desenho. Ressalta minha notoriedade, promove-me, já me esqueci dos xingos, os de sempre, traidor da Pátria, vendido a Moscou,  capacho de Prestes, mas me lembro do desenho: balanço-me no regalo de uma rede, dois camaradas do Partido, amigos meus, o juiz Irineu Joffily, o advogado Letelba Rodrigues de Brito, empunham abanos, com eles fazem mais delicioso meu descanso, com a brisa dos leques combatem o calorão: regalias de paxá comunista, Pena Boto reclama cadeia e processo.

            Leio e vejo, caio na gargalhada, Jana e Juca riem comigo, mas Zélia se indigna: cães da reação, ratos de sarjeta, agentes do imperialismo, se ela encontrasse esse tal de Pena Boto lhe diria poucas e boas. Punho fechado, lhe mostraria quem é traidor da pátria, seu canalha! Jana e Juca recolhem o riso, empunham os tacapes, armam-se em guerra.

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            “Do sangue derramado na luta pela posse da terra, adubo sem igual, não floresceram apenas as roças de cacau, os frutos de ouro da riqueza, floresceu também a cultura Grapiúna, singular. A poesia e a ficção nasceram da conquista da mata, da colonização de sergipanos e árabes, da luta contra o feudalismo – os primeiros sindicatos rurais do Brasil surgiram nas lavras do cacau e a lei medieval foi rompida por moços socialistas, João Mangabeira exerceu a Prefeitura de Ilhéus.

            Os coronéis do cacau queriam orgulhar-se de filhos doutores, advogados, médicos, engenheiros, lá fomos nós para os colégios da capital, os dos padres jesuítas, maristas, salesianos, os leigos, o Ginásio Ipiranga de Isaías Alves de Almeida*. Nos internatos aprendemos português e aritmética. Nas roças, nos povoados, na gestação das cidades aprendemos a vida. Assim brotou a flor da poesia, Sosígenes Costa, Florisvaldo Mattos, Telmo Padilha, amadureceu o fruto da ficção, Elvira Foeppel, Adonias Filho, James Amado, Sônia Coutinho, Hélio Pólvora, Cyro de Mattos, Euclides Neto, o árabe Jorge Medauar, o sergipano Marcos Santarrita, os doutores do cacau, filhos dos coronéis. Sou um deles, possuo um mérito, único: ter sido aquele que primeiro começou a contar a saga das terras grapiúnas”.

*Isaías Alves de Almeida (1888/1968), educador.
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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.

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OBSERVADOR ISOLADO - Péricles Capanema


7 de agosto de 2018
♦  Péricles Capanema

Vou falar das eleições, enveredando antes — apenas na aparência — por um desvio. Não é de hoje, para tristeza nossa, o Brasil tem sociedade enormemente atrofiada, em especial se considerarmos até onde poderia ter chegado. Um exemplo. Pesquisa recente aponta que mais de 30% dos brasileiros são analfabetos funcionais, proporção que se mantém estável há 10 anos.

Boa parte do restante não está distante daí, pois só 12% se comunicam com adequação pela escrita. Imaginem o que essa chaga significa de exclusão social. Nem falo do Estado, ali existe atrofia, claro, porém o que choca à primeira vista é a elefantíase. Paquidermes doentes têm membros e órgãos com movimentos atrofiados.

Estado de espírito preocupante, como nação estamos nos acostumando à decadência, poucos vêm falando do Brasil como País do futuro, reflexões antes correntes, carregadas de tons esperançosos e até de ufanismo por vezes infantil. Exemplo tocante e ingênuo de tal propensão foi o livro do conde Afonso Celso “Por que me ufano de meu país”. Temos atenuantes, as decepções repetidas corroeram crenças, as esperas dilatadas exauriram ânimos. Imaginem, o livro do simpático conde é de 1900!

Enfim, se o ufanismo louvaminheiro era ruim, nunca o foi a esperança. Não é o que de momento assistimos, repito. O público parece aceitar resignado um presente cinza e a perspectiva de porvir inexpressivo. E ainda existe pessoal que brinca com a situação desoladora, destilando fel em comentários agridoces.

Não é consolação, mas tal apatia dissolvente golpeia ainda pessoas, famílias, regiões. Aos milhões. Basta olhar ao redor de nós, gente acomodada, apática, em situações gritantemente inferiores à sua condição originária. O último imperador da China, Pu Yi (1908-1967) passou seus últimos anos como funcionário apagado da burocracia maoísta. Deixou escorrer os anos como jardineiro e bibliotecário. Comenta-se, vivia conformado. Pior. Até mesmo satisfeitinho!

Terrível exemplo de decadência e demolição de personalidade. Poderia ser jardineiro e bibliotecário, ocupações dignas, mas o olhar precisava estar imerso na grandeza que a Providência lhe destinara, esmigalhada pelos infortúnios. Para todos, para não afundar cada vez mais, a única reação decente é a inconformidade enérgica (quando possível, o exercício intenso, com norte, das potencialidades indolentes). Não vislumbro outro caminho para restauração, prosperidade e felicidade; pelo menos para manter para si e diante dos outros o respeito devido.

Não houve desvio, fiquei no trilho. Estamos em período eleitoral, o combate à atrofia deveria ser a prova dos nove, o teste tornassol de todas propostas; de outro ponto de vista, o substrato dos debates.

Se a proposta nos ajudar a sair do poço da atrofia e escalar a montanha da plenitude, será aproveitável. Na educação, economia, privatização, reforma previdenciária, controle fiscal, segurança, saúde pública, ciência e tecnologia, enfim, em tudo, a simpatia deveria ir para candidatos, cujos compromissos (e exemplo de vida) estimulem o desenvolvimento de potencialidades nos campos em que a administração pública tenha condições de influir. Soltar amarras, desburocratizar, diminuir impostos, aumentar as responsabilidades de cada pessoa pelo seu próprio destino (condição de autonomia), limitar o poder do Estado e ampliar o âmbito de ação das forças sociais, destravariam o nosso potencial. E nos forneceriam recursos para atender aos fracos e desvalidos.

Em suma, a busca da plenitude, perseguida com senso de proporção e animada pela justiça é caminho real para a inclusão social. Perto de nós temos exemplos dilacerantes de escolhas que atrofiam, Cuba e Venezuela no destaque, xodós da esquerda católica e do petismo, de cujos efeitos cruéis deveríamos fugir como da peste.

Nelson Rodrigues certa vez afirmou: “Aprendi a ser o máximo possível de mim mesmo”. Conhecimentos e hábitos podem nos levar ao máximo possível de nós mesmos. No conhecimento estão as percepções. Com auxílio de Deus, tantas vezes é possível entrever o que a Providência preparou pelo arranjo de qualidades pessoais e circunstâncias do meio para pessoas e grupos sociais. São vocações das mais variadas naturezas, divisadas por sintomas de difícil explicitação. O mesmo vale para o Brasil, tema que transcende campanhas eleitorais, sei bem, mas substancialmente é o grande assunto subjacente ao charabiá da ocasião. Queiramos ou não, o substrato de tudo que se debate é a escolha da plenitude versus atrofia.

Por que intitulei o artigo de observador isolado? Poucos analisam assim, são hoje uns isolados. Contudo, vista desse mirante, a paisagem é mais ampla e instrutiva. Meu convite cordial, observem também daqui o panorama.




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