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domingo, 27 de dezembro de 2020

O PEQUENO FRANZINO LUA - Cyro de Mattos



O Pequeno Franzino Lua

Cyro de Mattos

 

O futebol de Itabuna, digno de seu passado amador brilhante, quando era vencedor constante, dava orgulho à cidade. De uns tempos para cá se tornara em grande frustração, abatendo o torcedor de gerações passadas, acostumado a comparecer ao velho Campo da Desportiva para torcer com entusiasmo pelo seu time do coração. A frustração que esse torcedor saudoso carrega dentro dele hoje força que acenda o coração no sentimento de amor e saudade. De grandeza, autoestima. Lembre-se do tempo em que esse futebol amador foi pródigo em oferecer partidas memoráveis, portadoras da verdade como reflexo da vida, dizendo que nela existe a alegria dos que vencem, a tristeza dos que perdem, conformismo ou não dos que empatam em cada batalha.

           Eram quatro irmãos, quatro craques do nosso futebol amador. Os quatro irmãos Riela formaram um capítulo à parte nas partidas disputadas no Campo da Desportiva. Eram conhecidos como os quatro mosqueteiros do rei, pois constante era o sentimento de união entre eles no relacionamento com a vida. Fernando, Carlos, Leto e Lua eram inseparáveis. A separação somente acontecia quando iam defender as cores de seu clube. Carlos e Fernando jogaram no Fluminense, Leto no Flamengo e Lua no Janízaros. Quando se enfrentavam, o sentimento de irmandade ficava de lado, cada um dava o melhor para defender o seu time. Os quatro eram jogadores dotados de recursos técnicos invejáveis. Cada um com a sua característica na intimidade com a bola.

            Fizeram história no Campo da Desportiva. Fernando como um ponta-esquerda que driblava numa velocidade espantosa, deixava o marcador para trás, batido pelo chão, e o torcedor incrédulo ante a investida impetuosa, fundamental na conclusão da jogada perfeita pela beirada do campo. O meia-direita Carlos tinha boa visão de jogo, não olhava para a bola, de cabeça erguida via o companheiro e o campo para o lançamento preciso. Era um médio armador elegante. Leto jogou no Flamengo e se sagrou campeão pela seleção de Itabuna, médio-esquerdo implacável na marcação, com uma eficiência exemplar anulava o ponta-direita, que pouco pegava na bola durante os lances acirrados da partida.

         Lua, o mais novo, era dos quatro o que mais encantava, fazia o torcedor ficar com a boca larga, de tanto que sorria com os seus dribles desconcertantes.  Parecia flutuar em campo na condução da bola, um pássaro que se desvencilhava do obstáculo e no chão voava?  Gingava, driblava, enganava, aquele jogador franzino transvestido em um artista que desenhava a jogada como num sonho. Fazia a tabelinha com o companheiro, deslizava, bailarino ou vento ligeiro que fazia o espetáculo pontilhado de riso e gozo?

         Os admiradores de Lua não cansavam de dizer que dos irmãos Riela ele era o melhor, o que tinha mais recursos técnicos, o pequeno maior. Jogou no Janízaros e na seleção amadora de Itabuna quando esta começou o declínio para não mais conquistar o Intermunicipal. O seu futebol era de tão boa qualidade que foi aproveitado no time profissional do Itabuna. Tinha recursos para jogar em qualquer time grande do Rio ou São Paulo. Se fosse hoje, não tenho dúvida, melhor preparado fisicamente, estaria atuando até em equipes europeias de ponta. Por que não? Quem viu, sabe do que estou falando, não me deixa mentir.

          Aquele jogador franzino, travesso em cada drible que dava, deixou-nos há pouco, está em outras dimensões fazendo os anjos não parar de sorrir com os seus dribles cheios de molecagem.  

 

Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista, ensaísta, romancista, organizador de antologia, autor de livros para crianças e jovens. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia.  Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca. Detentor de prêmios importantes

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (215)



Sagrada Família: Jesus, Maria e José | Domingo, 27/12/2020


Anúncio do Evangelho (Lc 2,22-40)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas.

— Glória a vós, Senhor.

 

Quando se completaram os dias para a purificação da mãe e do filho, conforme a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor. Conforme está escrito na Lei do Senhor: “Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor”. Foram também oferecer o sacrifício — um par de rolas ou dois pombinhos — como está ordenado na Lei do Senhor. Em Jerusalém, havia um homem chamado Simeão, o qual era justo e piedoso, e esperava a consolação do povo de Israel. O Espírito Santo estava com ele e lhe havia anunciado que não morreria antes de ver o Messias que vem do Senhor.

Movido pelo Espírito, Simeão foi ao Templo. Quando os pais trouxeram o menino Jesus para cumprir o que a Lei ordenava, Simeão tomou o menino nos braços e bendisse a Deus: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meu olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel”.

O pai e a mãe de Jesus estavam admirados com o que diziam a respeito dele. Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe de Jesus: “Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma”.

Havia também uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada; quando jovem, tinha sido casada e vivera sete anos com o marido. Depois ficara viúva, e agora já estava com oitenta e quatro anos. Não saía do Templo, dia e noite servindo a Deus com jejuns e orações. Ana chegou nesse momento e pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.

Depois de cumprirem tudo, conforme a Lei do Senhor, voltaram à Galileia, para Nazaré, sua cidade. O menino crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

https://liturgia.cancaonova.com/pb/

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Roger Araújo:


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Vida familiar: entrar em sintonia com os tempos e ritmos de Deus

 


“Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor” (Lc 2,22)

 

É profundamente inspirador que a liturgia cristã uma intimamente estas duas realidades: família e Natal. Nestes dias, todas as pessoas, mesmo que a situação sanitária não permita, tem a instintiva necessidade de agrupar-se, encontrar-se e celebrar. Brota em todos nós uma compaixão solidária para com aqueles que, no tempo natalino, não tem com quem compartilhar. Natal e solidão são conceitos contraditórios.

Naquela noite de Belém, Deus não só se humanizou, mas entrou em uma família humana; “Deus se fez família”. Com sua presença, diviniza a família. E toda família é divina se é verdadeiramente humana.

A família de Nazaré é a escola do Filho do Homem, rodeado de gente comum, com sua paisagem natal, como um entre tantos; sua linguagem, seu modo pessoal, sua conduta, sua fé...

Para Jesus, Nazaré é um tempo de aprendizagem: observar o que acontece ao seu redor: cala, vê, escuta nesta escola. Exercício de preparação diante das urgências do Reino. “Tempo de guardar no coração”. 

Sabemos muito da vida pública de Jesus: nazareno, filho de um carpinteiro, pobre, livre, compassivo, comprometido com a vidar, que fazia milagres e falava com uma autoridade inegável, que anunciava a utopia do Reino, que logo foi crucificado como o pior dos criminosos, e cujos seguidores asseguraram que tinha ressuscitado... Não podemos negar que Ele mudou a história da humanidade.

Mas, antes de tudo isto, houve 30 anos de vida desconhecida, escondida, silenciosa.  

Temos poucos dados sobre grande parte de sua vida no seio de uma família humilde em Nazaré, um povoado que não gozava de boa fama. Assim viveu Jesus, aprendendo a ser humano na escola da família e da comunidade. Se não entendemos que Jesus foi plenamente humano é que não aceitamos a encarnação.

Mas, há algo que podemos trazer à luz daqueles 30 anos “ocultos”: que na lentidão do dia-a-dia, da monotonia e do lar, Deus preparava o caminho. Pouco a pouco, a fogo brando. Em meio à rotina de uma vida simples, Jesus foi fazendo-se perguntas, esperando as respostas, ouvindo o que seu coração lhe dizia e discernindo o que o Pai queria dele. Ano após ano, em um pequeno lugar, detrás de uma vida que nada tinha de diferente das outras vidas. Até que chegou o momento de Deus.

Cozinhar a fogo lento é bem difícil neste mundo de pressas e imediatismos. E hoje, mais do que nunca, se fazem necessários os “tempos de Nazaré”, esses tempos de aparente rotina nos quais se alimentam os sonhos, onde se forjam as vontades, se domam as impaciências, se aclaram os caminhos, se discerne a Voz, se dissipam as névoas do caminho...  Em definitiva, esse tempo onde nosso canto e o de Deus se afinam juntos para formar uma única melodia e fazê-la soar no mundo. 

As grandes histórias são tecidas na trama do cotidiano; os “tempos” de Deus não são os da eficácia, da produção, do ritmo estressante... Também são os tempos do silêncio, da rotina inspirada e da aprendizagem silenciosa. Todo crescimento pessoal demanda previamente tempo, ritmo, reconhecimento e aceitação da própria verdade, sólidos fundamentos sobre os quais podemos construir nossa pessoa.

Jesus desenvolveu sua vida humana como qualquer outro ser humano. Como homem, precisou passar pelo processo do amadurecimento lento, lançando mão de todos os recursos que encontrou em seu próprio interior e ao seu redor. Foi um homem inquieto que passou a vida buscando, procurando descobrir quem ele era em seu ser mais profundo. Sua experiência pessoal o levou a descobrir onde o Espírito do Pai estava fazendo brotar o “novo” da Salvação, e entrou por esse caminho de libertação.

Jesus, no cotidiano familiar, nos revela que Ele é o homem das “grandes sínteses”: entre o particular e o universal, entre o Deus da intimidade e os irmãos da convivialidade, entre os momentos de cuidado de si e as ocasiões de solidariedade, entre sua interioridade e sua abertura a todos sem restrição, entre ação e contemplação...

Jesus mesmo foi este personagem instigante, que fez brilhar a “novidade” de Deus nas vilas e campos da Palestina. Ele nos fala de “sínteses” com o vigor de alguém que é inspirador para todos nós: Ele sintetiza a ternura de um irmão, a lucidez de um profeta e a revolução de um Messias.

Foi no cotidiano familiar que Ele aprendeu, aos poucos, a ampliar seus horizontes, seus interlocutores e o sentido de sua missão. É a vida cotidiana que nos revela que Jesus foi uma pessoa profundamente humana e humanizante, que vivenciou um processo de maturação, de releitura de suas tradições e assimilação do novo, até chegar à proposta original da Boa-Nova.

Ali, no ambiente familiar Jesus se destaca por sua docilidade, discrição, familiaridade, aprendizagem, bondade, sensibilidade, vivência da fé no Deus Providente... que aprendeu de Maria e de José.

Jesus, em Nazaré, continua sendo luminoso e inspirador para todos nós, num momento em que as transformações são rápidas e exigem de nós maturidade, aprendizado, diálogo, novas expressões de fé...

A família de Nazaré evoca o dia-a-dia do nosso seguimento de Jesus, onde os acontecimentos extraordinários são pouquíssimos. Chega um momento em que a vida cristã parece muito rotineira. Nazaré alimenta o seguimento de Jesus no cotidiano e comum da vida. Nazaré é a escola na qual aprendemos a descobrir a presença de Deus na vida “tal como ela é”, no trabalho das pessoas e nos rostos daqueles que estão ao nosso lado. No lugar onde nos cabe viver é onde o Senhor nos ama e nos convida a descobri-Lo.

São muitos os lares que vivem a dor da ruptura e separação. No entanto, a casa familiar continua sendo o lugar entranhável, a referência segura, a possibilidade restauradora.

Lar: lugar da surpresa, do novo, do desafio... onde a interação pais-filhos possibilita o desenvolvimento e amadurecimento natural de todos.

Lar: do “lugar estreito” ao “lugar amplo” onde é possível a expansão de todos.

Regado pelo amor, o lar torna-se espaço aberto ao futuro. 

Mas Nazaré é também um alerta contra a rotina. Cada dia é preciso renovar o seguimento. Por isso Nazaré é o lugar da perseverança, da fidelidade, de dizer cada dia um novo “sim” ao Senhor. No cotidiano há momentos favoráveis e momentos de crise. Mas o cotidiano é a oportunidade para ampliar o olhar para a frente. Nazaré pode ser um lugar de esperança, de onde se pode vislumbrar um futuro melhor.

Nazaré evoca também a comunhão dentro da diversidade. Num pequeno povoado as pessoas são tão diferentes como numa cidade grande, mas a vulnerabilidade delas  nos faz despertar a consciência da necessidade que temos uns dos outros. Numa comunidade pequena os problemas de um afetam os outros. Suas fragilidades se fazem fortes quando se apoiam mutuamente; suas solidões que se unem criam comunhão. Vivamos em nossas famílias a grandeza de sermos plenamente humanos! 

Texto bíblico:  Lc 2,22-40 

Na oração: - descubra o significado profundo da sua vida cotidiana mais simples: trabalhos, relações, família...

O ambiente familiar, quando espaço humanizador, integra a vida cotidiana de Nazaré com os desafios de Jerusalém (família que se alarga, sai de si, se compromete, abre-se às causas humanas...)

- Como é sua família? Vive comprometida buscando uma sociedade melhor e mais humana, ou fechada exclusivamente em seus próprios interesses? Educa para a solidariedade, a paz, a sensibilidade para com os necessitados... ou só ensina a viver para o consumo insaciável, o máximo lucro e o esquecimento dos outros?

- No seu ambiente familiar cuida-se da fé, dos valores do Evangelho... ou se favorece apenas um estilo de vida superficial, sem metas nem ideais...? É espaço instigante, de crescimento, aberto ao novo e diferente... ou ambiente atrofiante, sufocante...?


Pe. Adroaldo Palaoro sj

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2225-vida-familiar-entrar-em-sintonia-com-os-tempos-e-ritmos-de-deus


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