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sábado, 19 de novembro de 2022

A Mata Intacta

Cyro e Mattos

 


É perigoso andar na mata, propaga a voz dos mais velhos.

Cada bicho traiçoeiro vive lá na terra e ar.

 É assim mesmo como dizem?  A natureza estabeleceu sua ordem para que os habitantes da mata saibam que lá existem vida e morte. 

Há movimentos nos ciclos vitais de cada estação, surpresas com os verdes e sustos nos maduros.

 Lá não se mata por prazer, somente para comer, defender-se ou proteger o filhote. Os bichos pulam nos galhos, macaco faz deles seu trapézio dado por Deus. Pendurado no cipó vai de uma árvore distante a outra. Alegres festejam a vida quando encontram nos galhos os frutos maduros e doces.

Tem um sono milenar. A cabeleira verde quase sem fim. Uma magia que não se revela, lavada pela chuva ninguém sabe como aparece. 

No chão coberto de folhas a planta nasce entre os escombros da árvore tombada. Viceja e vira outra árvore. Leva anos para virar de muitos andares, morada dos bichos e pássaros. Vem o homem com a serra, num instante põe abaixo o que natureza demorou anos para fazer com engenho e arte.

Será que nunca sabe que sem as árvores a mata recua, os bichos desaparecem, as nuvens passam longe, levando com elas a chuva. A terra fica deserta, sem os sons e as cores não se vê mais festa nos dias.

No seio fresco da mata a flor é tecida com o sonho, o ramo de luz com o verde. Riacho mina na pedra, desce, dá volta como cobra, barco da noite com a lua no cipoal derrama prata.

Quando vai à mata a índia, na trilha caminha esperta, acode nas asas maternais o bicho que caiu na cilada.  Solta o passarinho no alçapão, protege perdido o filhote, fica admirando o carinho que as araras fazem uma na outra. 

Rio não se esconde da chuva, a terra não dorme amarga.

Abelhas operosas zumbem, de mel fabricam as horas.

 Macaco, tamanduá-bandeira, preguiça, capivara, veado.

 De dia expelem odores. estrelas carregam à noite. 

 

Cyro de Mattos é jornalista, cronista, contista, romancista, poeta e autor de livros para crianças. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

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