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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

ESTAÇÃO TERMINAL– Marília Benício dos Santos


Todos os passageiros devem desembarcar           

            Vinha voltando da cidade no metrô e observava os passageiros. Na minha frente vinha um senhor bem vestido e lendo o Jornal do Brasil. Ele parecia muito tenso. As sobrancelhas cerradas, a testa franzida. O que o preocupava? “O Pacote Econômico”, era a reportagem que ele estava lendo. Teria sido ele o autor do pacote? Não, o seu autor deve estar bem satisfeito, pelo menos deve acreditar no que fez, na melhor das hipóteses.

           Junto a ele estava um senhor do povo lendo “O Dia”. Estava atento, preso no que lia , sem estar tenso como o seu vizinho. Tinha o seguinte título, a manchete que ele lia: “Marido pegou a mulher com o amante”. Parecia que estava lendo um romance policial, devorava o jornal com os olhos.

            Eu comparava os dois e por mais incrível que pareça, o segundo parecia mais feliz.

            Quando ambos terminaram de ler, notei que o executivo continuava tenso enquanto o operário começou a assobiar. Entrou, então, um homem que trazia uma criança no colo. Sentou-se ao meu lado. A criança dormia e aparentava ter três anos. Ele olhava para ela, acariciava-lhe a cabeça e beijava-a. Parecia  sofrer muito.

            Quis iniciar um diálogo e timidamente perguntei-lhe a idade da filha.

            - Três aninhos e já não tem mãe. 

            - Imagino como você deve estar sofrendo. Tem muito tempo que a mãezinha dela morreu?

            - Não, a desgraçada me deixou por outro homem e deixou a filha também.

            Disse alguma  palavras de apoio e procurei fugir daquela realidade. Passei a observar outros passageiros. 

            Em pé – já não havia lugar para sentar – estava um casal de namorados. Finalmente algo positivo. Como vinham felizes. Não de envergonhavam de trocarem beijos aos olhos do público. Um olhava para o outro sem importarem-se  com o que podiam estar pensando os outros. Abraçavam-se, riam, admiravam-se. Um se refletia no outro. Que beleza! Para eles o mais importante era aquele momento. Cada beijo parecia o último. Em cada abraço, um queria aquecer o outro, pois estava muito frio. O inverno tinha começado. Lembrei-me, então, de uma música de Roberto Carlos: “eu quero é que você me aqueça neste inverno e que tudo mais vá pro inferno”. Era exatamente isto que aqueles jovens estavam fazendo.

            Pacote econômico, inflação, desemprego, assalto, que fossem para o inferno. No momento, só importava eles. Estavam juntos curtiam o seu amor.

            - Estação terminal, todos os passageiros devem desembarcar.

            “Que susto! Já cheguei?” Continuei minha viagem rumo ao Leblon, os outros passageiros também. Cada um tomou o seu rumo.

            No ônibus, ainda ouvia a voz do homenzinho do metrô: estação terminal... Estação terminal coisa nenhuma, cinco minutos após ele voltaria levando outros passageiros.

            A estação terminal virá, sim. Cada um terá a sua. Aí, não encontrarei mais aqueles passageiros carregados de sofrimento, de tensão, nem mesmo de esperança. Encontrarei somente passageiros  como aquele jovem casal, carregados de amor. Um amor diferente, total, profundo. É o amor de Deus.

            O amor que une um homem a uma mulher é maravilhoso, mas torna-se pequeno diante do amor de Deus.

            Devemos tentar experimentar esta amor aqui na terra, pois só assim podemos participar  dele na “estação terminal”.

(CARROSSEL)
Marília Benício dos Santos


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SOBRE A TAL VELHICE - Hilda Helena Mancini


Sobre a tal velhice


Fui ver o filme Frances “E se morássemos todos juntos” , e confesso que saí do cinema com uma sensação não muito confortável a respeito da velhice, palavra esta  que hoje é substituída por: Melhor idade, terceira idade, e outras classificações, que no fundo são tão pejorativas quanto a tão conhecida Velhice.

Ao contrário dos jovem e adultos que ganham sua liberdade conforme vão avançando no tempo, o idoso, ao invés, perde a dele por conta das limitações inerentes a essa etapa da vida, e também por conta da visão ocidental de que só é bom quem produz, faz dinheiro, e não quem detém experiência e sabedoria.

O filme aborda formas alternativas de se viver nesse período da vida, com uma leve pitada de humor, pois afinal até na morte podemos ter motivos para sorrir.

O que mais me deixou assustada, foi a vulnerabilidade que os idosos ficam, independente da raça, gênero, ou condição sócio cultural e o mais avassalador, independente também da vontade de viver, das necessidades sexuais, da vaidade e do humor. Nada disso é levado em conta quando o assunto é envelhecer.

Ouvi dizer que nossa vida começa e termina numa fralda. Iniciamos a vida aprendendo a tirá-las e acabamos aprendendo a colocá-las. Apavorante constatação! Fica então a pergunta: O que se faz nesse intervalo?

Será que nos preparamos para  tornamos idosos?
Preparamo-nos pra sermos bons estudantes, excelentes profissionais... E para sermos velhos, nos preparamos?

Viemos de uma cultura que as pessoas quando atingem uma “certa idade” não são capazes de gerirem suas próprias vontades, ficando a mercê dos filhos, noras, genros e netos. Esses idosos teriam ainda muito para passar para a sociedade, mas são mantidos como marionetes, manipulados de acordo com a vontade, medos e necessidades dos familiares,  tornando-se chatos, resmungões e apáticos.

Esse ciclo não se fecha ai.

A família toma conta de seus passos impedindo que o idoso tenha emoções, aventuras e prazeres.

Quem em qualquer idade é feliz vivendo sem na mesmice?

Qual a graça de uma vida, cujo dia começa e termina exatamente igual a todos os demais  365  do ano?

Ai a família depois de aparar todas as alusões e ilusão do idoso, reclama que o mesmo vive como vítima, tendo todo o amor dos entes queridos e só reclamando da vida, mas o que pode restar para eles se não a Autopiedade?

Cansei de ver comentários do tipo: “Seu vô é muito fofo!”, “Que engraçadinha essa senhorinha!”, “Olha como essa vovozinha é toda vaidosa!” , “Morri de ri com o avô  de fulano, ele tem 90 anos e fala de transar kkkk”...

Meu Deus! Quer dizer que o idoso que se arruma, que quer ficar bonito, que gosta de sexo, rock, da “revista Playboy”, que fala sobre política e filosofa , é fofo? Só isso? fofo?

Não seria apenas uma pessoa, igual a qualquer outra querendo continuar a viver e curtir aquilo que cultivou durante anos?

Já acreditei por muito tempo que somos fruto do que plantamos durante a vida, mas sinceramente, depois de ver esse filme, acho que estou totalmente equivocada. Passamos a vida construindo nossa casa, colocamos nela mobílias que são a “nossa cara” e adornamos com porta retratos que contam a nossa história, colocamos nela os eletrônicos de nossa geração (vídeo cassete, máquina de datilografar, vitrola e discos de vinil...), acompanhamos a vida de nossos vizinhos e o crescimento dos seus filhos, construímos amizades verdadeiras que sempre estarão presentes nas datas comemorativas, inclusive nos velórios que passarão ser um evento mais frequentado do que qualquer outro como casamento, formatura, bodas de prata etc...

Para chegar alguém que ensinamos a andar, falar e, com superior maestria, dizer que por sermos velhos já não podemos morar no nosso lar, curtir nossos livros, discos, receber a visita dos amigos e que o destino mais correto seria numa casa cheia de outros idosos, que nunca se viram, numa cama nunca antes experimentada, com meia dúzia de porta retratos que mal cabem na mesinha a que teremos  direito, e com a televisão no modelo, no programa, na altura que assim os outros permitirem.

Quando o idoso é doente, impossibilitado de opinar ou realizar as atividades da vida diária, acho justo e louvável esses cuidados da família, mas o idoso, saudável, capaz e ativo, somente com as limitações próprias da idade, se torna uma grande maldade ser tratado como “UM FOFO”

Velhos não são crianças, não são anjos, não são os adultos que foram... São pessoas em busca de serem felizes como em qualquer idade.

Ainda não me considero uma idosa, mas sei que estou a cada dia caminhando para isso, e que fiquem todos sabendo: Se cercearem meu direito de ser livre e feliz vou esquecer a boa educação que “plantei” durante toda a vida e assumir a postura de uma FOFA, e então com a voz sábia que só a idade pode proporcionar, responderei ao convite para sair de meu ninho, da minha historia , do meu mundo, com poucas palavras:

VÁ A MERDA...

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Hilda Helena Mancini Sandrini - Possui graduação em odontologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1980). Atualmente é cirurgiã dentista com consultório particular atendendo PNE também em centro cirúrgico e domiciliar. Coordenadora do programa de odontologia para PNE da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Espírito Santo . Professora da graduação do curso de odontologia da Associação Educacional de Vitoria, nas disciplinas de Odontologia para PNE, odontogeriatria,Clinicas infantis, odontologia coletiva, introdução a clinica . Professora do curso de especialização em odontopediatria em PNE Autora da Apostila do Treinamento Odontológico Teórico /Pratico para atendimento a pacientes com necessidades especiais, arquivada na Biblioteca da APAE-Vitória.

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