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terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

AS VÍTIMAS INOCENTES QUE ESTÃO PERSEGUIDAS E PRESAS PELO ESTADO BRASILEIRO.


Atenção

Se você está ou esteve preso no domingo ou segunda-feira (08 ou 09 de janeiro de 2023), próximo das invasões da Praça dos Três Poderes em Brasília/DF, saindo dos campi do QG, induzido ou orientado a entrar num ônibus (idosos e crianças, ou não) que o levaria, de forma enganosa, preso, para a sede da PF em Brasília/DF, contra a sua vontade (sem voz de prisão em flagrante), ou seja, sem motivo, você foi sequestrado pelo próprio Estado Brasileiro! Nem por um segundo poderia ter sido submetido a tal humilhação. Sem motivo algum, ser preso sem crime, sem flagrante, sem análise de um juiz, sem julgamento. 

Você e os demais brasileiros presos são vítimas, repito, vocês são vítimas.

Virem o jogo: usem o veneno deles contra eles (o Governo). Arrumem advogados que peguem essa causa coletiva ou individual, ou a OAB, ou a Câmara Internacional Interamericana de Direitos Humanos e peçam reparação/indenização/punição contra quem expediu a ordem de prisão/sequestro, a quem os levaram presos para a sede da PF indevidamente como terroristas.

O Estado Brasileiro  precisa saber que o povo brasileiro não é  idiota, não é  ignorante Os responsáveis por esse desmando precisam saber que, ao rasgarem a lei, ferindo a dignidade dos brasileiros de bem, não ficarão impunes.

Pessoas de bem, Srs. Advogados, Srs. Juristas: vocês têm as provas, vocês têm como demonstrar como crianças, mulheres, idosos, adultos com ficha limpa e endereço fixo, que estavam nos manifestos pedindo socorro às Forças Armadas, não podem ser tratados como bandidos. Bandidos fogem do Exército e não ao contrário. O que lá faziam era pedir socorro!

Vocês que passaram por isso têm o direito de virar o jogo, têm o direito de processar o Estado.

Depois de tantos pensarem no que vocês (pessoas de bem, mulheres, idosos, crianças) estão passando, de tanto sofrermos também por vocês,  mesmo que distante  e  longe de Brasília, decidi pensar na solução e fui iluminado por esta Luz,  por este  "insight". Vocês  são vítimas sequestradas que têm o direito de mover uma ação, que o Mundo inteiro veja que são cidadãos e cidadãs brasileiros dignos encarcerados injustamente, e que exigem que se faça Justiça.

Instituições e  sociedades civis sérias que restaram, apelo para que acionem seus advogados, acionem a OAB. Temos de ajudar essas pessoas que, apenas com um olhar, vê-se que não teriam a mínima possibilidade ou indício de provocar os estragos que ocorreram na Praça dos Três Poderes naquele 08 de janeiro.

Ajude-as a resgatar suas dignidades,  ajude-as a organizar as provas e fazerem Justiça. 

Essa foi a forma que, mesmo aqui distante, vendo as imagens imparciais nas redes, pude esfriar a cabeça e contribuir na luta junto com essas pessoas.  

As pessoas que continuam presas de forma arbitrária pelo Estado Brasileiro precisam da ajuda de todos, que sabem que seus direitos foram sumariamente revogados. 

Advogados de todo o Brasil e do Mundo, vocês têm uma causa ganha contra o Estado Brasileiro, que cometeu crime ao prender pessoas que,   segundo relatos, foram presas nos Quarteis Generais do Exército, ou seja, nem no local do quebra-quebra estavam. E mesmo que estivessem, já que havia milhares de manifestantes na Praça dos Três Poderes, os mais fracos, indefesos, foram induzidos e ingenuamente (na pura boa-fé) a entrar no ônibus que os levariam a passar os piores pesadelos de suas vidas.

Esses brasileiros merecem Ter suas vidas de volta. Querem de volta sua Liberdade, vítimas que são do Estado Brasileiro. Merecem ser indenizadas, e os culpados, punidos.

 

(Recebi via WhatsApp sem menção de autoria)

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domingo, 26 de fevereiro de 2023

Erudição e Sabedoria em Rui Barbosa

Cyro de Mattos *


 

           Rui Barbosa nasceu em Salvador, aos 5 de novembro de 1849. Filho de Maria Adélia, moça de tempe­ramento calmo e bem educada. Seu pai, João Barbosa, fora um político atuante, jornalista inflamado, homem preocupado com as refor­mas humanas no ensino, um médico que aban­donara a profissão.

             Rui foi membro da Academia de Letras da Bahia e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, tendo sido presidente quando Machado de As­sis faleceu. Era um homem de estatura baixa, franzino, a cabeça grande sustentada por um pescoço fino. Tímido e feio, mas tinha uma voz poderosa quando ocupava a tribuna. Os olhos faiscavam, de cada centelha a oratória incendiava com a argumentação fascinante, baseada na verdade.

            Fora incapaz de conceber a vida sem um ideal. Liberal convicto, construtor da Repúbli­ca, deu-lhe o arcabouço jurídico inicial. Não aceitava a escravidão, clamava pela adoção das eleições diretas, reforma do ensino com méto­dos humanos, investia contra o poder papal, como defensor ferrenho da ideia de separação entre o Estado e a Igreja.

            A erudição adquirida ao longo do tempo era aplicada com brilho nas relações sociais, no intuito de construir a vida, só querendo fazer o bem. Gostava de repetir o versículo, “todo o bem que fizeres, receberás do Senhor.” No elogio a José Bonifácio, falecido no fim de 1886, desabafou contra aquele mundo político, que o fizera sofrer várias derrotas e que era considerado por ele como meio louco e míope, espé­cie de divindade gaga, protetora do daltonis­mo e da surdez, uma combinação da esteri­lidade das estepes com a paisagem onde não se canta, supondo-se que assim fosse inimiga da har­monia, contradição do belo, como tem sido neste país. E, numa intencional advertência ao poder monárquico, reafirmou como encarava a questão da escravatura na célebre fra­se, primeiro a abolição, nada sem a abolição, tudo pela abolição.

            Amara de verdade duas profissões: o jor­nalismo e a advocacia. O jornalismo sempre foi a janela de sua alma, por onde se acos­tumou a conversar durante todo o tempo, todas as manhãs, para a rua com os seus compatriotas, como informa Luís Viana, seu melhor e mais completo biógrafo, em A Vida de Rui Barbosa. Advogado do povo, foi o patrono dos professores demitidos de suas funções na Escola Politécnica. Quando o Congresso decretou a anistia, julgando impossíveis de revisão as penas e os processos dos aparen­temente beneficiados, ele bate às portas dos tribunais para se opor à situação que feria a lei e maltratava a justiça.

            Ao se dedicar à política, fora eleito De­putado Provincial em 1878 e no período de 1879-1884 exerceu mandato na Câmara dos Deputados do Império. Com o advento da Re­pública, nomeado Ministro da Fazenda, a polí­tica financeira que adotou caracterizou-se pelo abandono do lastro-ouro e a adoção de grandes emissões garantidas por apólices do Governo, visando fomentar o comércio, além da criação do Tribunal de Contas e delegacias fiscais.

         O conferencista falava mais de três horas, sem que houvesse um murmúrio desaprova­dor do auditório repleto de pessoas. Quan­do terminava, no meio das palmas demora­das ouvia-se: “Continue! Continue!” Pessoas riam, choravam, deliravam, indignavam-se, aplaudiam, acompanhavam o orador hipno­tizadas pelas emoções que a sua alma a todos transmitia.

           Designado pelo Senado para examinar o projeto do Código Civil, já revisto pelo filólo­go baiano Carneiro Ribeiro, essa tarefa sem na­tureza política revelaria ao Brasil um gramático conhecedor amiúde e melhor na colocação dos pronomes. Em pouco tempo, o seu parecer apre­sentou mais de mil emendas ao texto revisto por Carneiro Ribeiro, o antigo mestre do Ginásio Baiano, sendo corrigido agora pelo ex-aluno nas regras gramaticais.

           Em Haia, o assunto mais importante da Conferência era a organização do Tribunal Permanente de Arbitragem, com o palco pre­viamente armado para o papel de destaque das potências que governavam o mundo e manda­vam nos povos.

          A voz impetuosa e indignada de Rui apre­senta sua proposta para a Organização do Tri­bunal, onde todos os países terão assento. Fica ao livre arbítrio dos contendores submeterem as suas questões ao plenário do Tribunal. Falou em francês castiço, entre o silêncio geral, perante um auditório que o desconsiderava, mas que ficara espantado. No final fora reconhecido como uma das mais poderosas vozes da assembleia. Aque­le homem pequeno, de voz ritmada na verdade e no direito, derrotara os que representavam os direitos e interesses das grandes potências, Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e Itália. Por seu desempenho superior fi­cou conhecido como a Águia de Haia.

            O discurso de Rui surpreende pela va­riedade e nas expressões soberbas de suas leituras. Da palavra imantada nas imagens candentes emergem verdades que iluminam a vida, mas sua erudição não é apenas variada, de vocabulário ilimitado, domínio do idio­ma, citações e argumentos que impressiona­vam vivamente. Pode-se dizer desse paladino da liberdade que fora um erudito abraçado com um sábio.

            Rui Barbosa, o que conhecia Vieira, lia Castilho, recitava Camões aos dez anos, santo Deus, o erudito e o sábio. Deixou este velho mundo em 1 de março de 1923. Fora residir na morada do eterno.

 

Referência

A Vida de Rui Barbosa, Luís Viana Filho, Lelo & Irmãos, Porto, Portugal, 1981. 

*Cyro de Mattos é membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Ocupa a cadeira 22 fundada por Rui Barbosa.

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

A Mandíbula de Caim

Marco Lucchesi

 


Quem adentra esse mundo 3D, torna-se coautor da narrativa, segunda alma de Edward Mathers.

Este romance precisa de você. Não aprecia monólogos solitários. Nasceu para o diálogo, para ouvir suas ideias. O espetáculo começa quando você chega. Só depois abrem as cortinas.

Como um ator e espectador ao mesmo tempo. O livro precisa de um Tu. É um tabuleiro de xadrez, a convidar os jogadores.

Foi uma longa espera, convenhamos. Longa e sentida. Mas importa chegar.

Mantenha os olhos abertos. Leia 'além do que existe na impressão', segundo Jorge de Lima. São muitas mudanças de plano. Metamorfoses da língua. Mosaicos vivos. Quadrados mágicos, a que recorreu Osman Lins. Remate de palavras cruzadas. Recobre a atenção. Tantas sereias e Ulisses vai sozinho.

Esse livro jamais termina. Há quatro anos adentrei a narrativa. Já não consigo, e nem pretendo, abandoná-la. Talvez nos encontremos no meio da história. Conheço alguns bares nessas páginas. Uma xícara de café? E juntos escolhemos um caminho, capaz de elucidar parte do enigma. Um desafio refinado, quebra-cabeça dúctil, cujas peças podem crescer ou diminuir, sem alterar o desenho, com seu conjunto inquieto.

Os entendidos dão três soluções ao livro. Tenho uma ideia, mas não bancarei o spoiler. Mesmo porque, cada combinação é dinâmica. Se hoje parece uma coisa, amanhã já é outra.

Quem adentra esse mundo 3D, torna-se coautor da narrativa, segunda alma de Edward Mathers.

Para uma ideia da paisagem, cito o verbete 'dogma', do Etimologiário, de Maria Sebregondi: 's.m. (do ingl. 'dog': cachorro) - irrefutável verdade canina. As trocas e as metáteses entre etologia e teologia revelam que os cães têm indiscutivelmente razão: o cão é o espelho de deus (dog/god)'.

Espelho, forma invertida, ludismo, deriva e combinação: eis alguns pontos centrais viajar com Mathers.

A que horas marcamos nosso encontro, aqui dentro, meu cúmplice-leitor, colega de aventura?

Comunita Italiana, 22/02/2023

 

https://www.academia.org.br/artigos/mandibula-de-caim

 

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Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15, eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila , foi recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito Presidente da ABL para o exercício de 2018, 2019, 2020 e 2021

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

 

O fim da Cultura

Arnaldo Niskier


 

Como se fosse uma obrigação, todas as vezes que fui a São Paulo, nos últimos anos, visitei a Livraria Cultura, na Avenida Paulista. Era uma forma de me manter em dia com os lançamentos literários, o que é muito importante para um homem com o meu tipo de atividades profissionais. Agora isso poderá deixará de existir, em virtude do fechamento daquele famoso espaço. É de se lamentar que isso tenha ocorrido, pondo fim ao sonho da família Herz.

É muito triste ver as fotos das estantes esvaziadas no Conjunto Nacional, depois de decretação da falência da loja. Na sentença, o juiz afirmou que o grupo não conseguiu superar a sua crise econômica. Tem uma dívida declarada de 285 milhões de reais, entre aluguéis e prestações de contas, inclusive dívidas trabalhistas. Há diversas editoras com o registro de créditos enormes, como a Record, a Companhia das Letras, a Sextante, a Panini e a Intrínseca. São 76 editoras brasileiras como credoras somente no Rio de Janeiro. A empresa pode (e vai recorrer), mas sabe-se que é um processo demorado.

A administração da livraria apontou diversas causas principais para justificar esse fato profundamente lamentável: altos custos de produção, queda na demanda por livros, falta de interesse por leitura e a nossa profunda crise econômica desde 2014. É claro que estamos vivendo uma nova realidade pedagógica, com outros e revolucionários formatos de transmissão de conhecimento. Isso naturalmente teria que provocar consequências.

No Rio, praticamente ao mesmo tempo, fechou outra livraria tradicional em Ipanema: a Galileu Galilei. Não se tem como comemorar tais fatos, pois abalam o nosso arcabouço cultural. O triste, nisso tudo, é que não existe nenhuma reação por parte dos governos, de qualquer instância. Já existe, é certo, um novo Ministério da Cultura, mas ninguém soube de qualquer reação das novas autoridades a propósito do assunto. Um país com mais de 60 milhões de estudantes não pode sobreviver sem bibliotecas e livrarias compatíveis com o seu tamanho e as suas perspectivas de crescimento. Assistir a isso tudo de forma silenciosa é o que de pior pode acontecer. Está mais do que na hora de protestar contra esse tipo de descaso com o nosso futuro.

Planalto em pauta, 17/02/2023

 

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Arnaldo Niskier - Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da ABL, eleito em 22 de março de 1984, na sucessão de Peregrino Júnior e recebido em 17 de setembro de 1984 pela acadêmica Rachel de Queiroz. Recebeu os acadêmicos Murilo Melo Filho, Carlos Heitor Cony e Paulo Coelho. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1998 e 1999.

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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

21/02/2023 UNIDOS EM ORAÇÃO AVIVAMENTO COM DEUS NO COMANDO

Da alegria

José Sarney

 


Parece que da etimologia da palavra 'carnaval' a única coisa certa é que se refere a carne. Seria para designar a abstinência de carne da quaresma? Ou, como queria o pai italiano de minha amiga Zélia Gattai, para afirmar que 'o que vale é a carne', jogando a origem da festa para as farras romanas ou germânicas, quando não a uma verdadeira bacanal grega? Essa origem europeia pode ser incontestável, mas basta ver a tristeza do carnaval de Veneza ou a imitação que são os carnavais que pipocam mundo afora para saber que carnaval como sinônimo de alegria tem origem bem brasileira, isto é, africana.

Pois se os negros não tivessem tomado conta da festa - e incorporado, sem preconceito, todas as etnias, afinal há rainha da bateria nissei -, ela não seria essa bagunça organizada que a faz única no mundo. Que me desculpem os mardi gras, os carnavais do Caribe e de toda a América Latina, todos dominados pela herança dos afrodescendentes, mas nos últimos cem anos o carnaval é nosso.

É verdade que um dia, Presidente da República, visitei o Cabo Verde. Ia comigo o casal Zélia Gattai e Jorge Amado. Em homenagem ao Brasil houve festa e se aquela alegria não era carnaval? Voltei-me para o casal e disse: 'Vejam, é a Bahia! Foi daqui que a alegria embarcou para Salvador!'

O sincretismo religioso, tolerado pela Igreja Católica com boa ou má intenção, conseguiu o que é raro: que as festas religiosas sejam dominadas pela alegria, como recomendava São Paulo, ou como escreveu Paul Claudel - 'não temos outro dever que não seja a alegria' -, ou como está no 'Memorial' de Pascal - 'alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria.' Nas nossas alegrias estamos mais para o riso que para a lágrima, e a lavagem do Bonfim se faz na dança e na água, e essa não vem dos olhos, mas das quartinhas com que as baianas perfumam as calçadas. Depois corre muita água, mas é da que passarinho não bebe.

Com a festa do Senhor do Bonfim, na quinta-feira que antecede o segundo domingo depois da Epifania - para que simplificar, se podemos confundir? - começa o carnaval na Bahia. E por mais que tentemos no resto do Brasil, mesmo no Rio de Janeiro que ensina samba em escola, mesmo em São Paulo que faz tudo maior, em nenhum lugar do mundo há tanta disposição para festejar quanto na velha cidade de Salvador da Bahia de Todos os Santos. É de todos os santos, afinal.

Não quer dizer que o dia da festa não tenha vindo da terça-feira-de-carnaval - gorda - se estendendo para segunda, domingo, sábado, sexta-feira-de-carnaval, e aí já foi pegando as semanas em bloco. E para terminar invadiram primeiro a quarta-feira-de-cinzas, que é de abstinência de carne, mas, com tanto peixe brincando, já não se sabe o que vale e o que não vale, e depois as micaretas, que, como na Bahia isso é assunto sério, tiveram o nome definido em concurso de A Tarde, em seus tempos de glória, e foram se adiantando ao meio da quaresma para começar no próprio próximo sábado de depois do carnaval, que ninguém é de ferro.

Nós no Maranhão também tivemos práticas de entrudo, com direito a seringa de água - nem quero saber de quem as enchia com outros líquidos -, pó de arroz ou farinha de tapioca ou maizena, até os mais civilizados confete e serpentina ou ao proibido rodó-lança-perfume, e corso com os carros enfeitados e gente dependurada, e baile de máscara, de dominó e com anonimato garantido - quase -, e as marchinhas faziam o carnaval de rua, do bloco de sujo, ser democrático. Hoje já incorporou as práticas gerais, escola de samba com regra, bloco fechado com abadá.

Mas o carnaval é resistente. Os blocos abertos ressurgiram com força e hoje centenas estão registrados no Rio e em São Paulo e em todo o País, o que não impede que uma multidão de grupos informais, com todo tipo de instrumento, carregue alegria para todo lado, sem falar no Galo da Madrugada que já não cabe no Recife e ganha o mundo.

Alegria e brincadeira Brasil afora, agora que as pandemias, a de vírus e a outra, ficaram para trás. Sem preconceito, discriminação, na mistura de toda gente, que todos somos, direta ou indiretamente, herdeiros da África e da cultura que ela aqui construiu.

Os Divergentes, 14/02/2023

 

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José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.

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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Música calmante para os nervos 🌿 música curativa para o coração e vasos ...

Viver sem ela?

Ignácio de Loyola Brandão

 


Na rodoviária, Alzeni pediu.

'Por favor, uma passagem para Duas Passagens.'

O bilheteiro estendeu duas passagens.

'Quem pediu duas? Disse uma!'

'Tenho certeza, a senhora disse duas.'

Ela se deu conta, caiu na gargalhada, ri fácil, contagia.

'Duas Passagens, moço, é o lugar da Bahia onde nasci e para onde vou.'

São dois dias de viagem. Já dissemos a ela: 'Vá de avião, te damos passagem, vai até Salvador, pega ônibus lá'.

'Mas o ônibus de Salvador não vai até Duas Passagens, preciso trocar duas vezes. O que sai de São Paulo passa na porta de minha casa.'

Outro Brasil. E desconhecemos. Há 30 anos, Alzeni trabalha em casa. Faz parte da família. Dividimos dores e alegrias. Vai todos os anos rever os pais. A ansiedade agora é ir, porque o pai vai fazer 100 anos e ainda moureja na roça. Tem o maior orgulho da mãe, analfabeta, mas que, na hora de fazer contas, é um azougue. A cabecinha, um computador. Ela paga, confere o troco, diz o que falta em um segundo. Alzeni, no final do ano, carrega presentes para um mundão de pessoas. Quando a energia elétrica chegou ao sertão, ela levou fogão, geladeira, liquidificador, televisão para os pais e agora vai levar a panela que frita tudo sem engordurar nada. Tudo no bagageiro do ônibus. O celular chegou rápido, o longe ficou perto. O bagageiro do ônibus vem lotado, ela traz ovos caipiras em caixas de sapato cheias de areia.

Alzeni está há 30 anos conosco. Age como se fosse minha cuidadora. 'Mediu a glicemia? Tomou o Xigduo? Colocou colírio nos olhos? Tomou a vacina? Assinou o livro daquela moça?' Vacina é a insulina das manhãs. 'Nem olhou para o chá de pata de vaca que acabei de fazer.' Recomendado para baixar a glicemia, coisa de mineiro, agora que também sou de lá.

Alzeni fala, fala, ouve rádio, angustia-se com cada notícia ruim, liga para o filho, cuida dele, preocupa-se com a filha, faz dezenas de chamadas por dia, cuida das irmãs, dos parentes, muitas vezes ficamos bravos:

'Alzeni, você cuida de todo mundo, menos de você'. Ela fica abalada com cada morte de famoso, é íntima de todos, fica acabrunhada com agressões racistas. Dia desses, subiu ao meu estúdio dez vezes, por causa de um assalto, aquele estupro no Piauí, um celular roubado, etc. E falou, falou. E eu, nervoso por um texto que não saía, disse: 'Ainda te mando embora, quero sossego.'

'Ah, é? Ruim comigo? Mil vezes pior sem mim.'

Dei razão, rimos. Como viver sem ela?


Jornal O Estado de S. Paulo, 12/02/2023

 

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Ignácio de Loyola Brandão - Décimo ocupante da Cadeira 11 da ABL, eleito em 14 de março de 2019 na sucessão do Acadêmico Helio Jaguaribe.

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domingo, 19 de fevereiro de 2023

Desencanto em Lima Barreto 

Cyro de Mattos

  


                          

               Viera ao mundo numa data aziaga para os espíritos supersticiosos: treze de maio, uma sexta-feira, dia de Nossa Senhora dos Mártires. E o que se chama destino trama contra ele cedo, começando com a perda da mãe, seis anos depois de ter nascido. Parte do espírito rebelde e a cor de mulato têm raízes na figura paterna, o tipógrafo João Henriques, filho de uma antiga escrava com um madeireiro português. O pai não lhe reconhece a paternidade.

             A cor de mulato instala-se na alma como algo que atormenta, causando-lhe obstáculos sucessivos. Estimulado pelo meio social vai acompanhá-lo até o fim da vida, gerando dramas marcados por uma sociedade opressiva, que ele pretende vingar-se. A alma de inconformado vai combater uma sociedade anacrônica, expressando-se perante o meio cultural através do que ele rotula de estética da sinceridade. Nesse particular interage numa literatura visceralmente voltada para as camadas proscritas da população, no texto destituído de linguagem rebuscada, submissa a modelos europeus, postura que era comum entre nossos escritores quando abordavam a realidade brasileira no fim do século dezenove e início do vinte.

             A imagem reinante dessa época era a de uma fragilidade no estado de espírito de nossos escritores. Nossa literatura possuía um corpo eclético formado pelo cruzamento e entrecruzamento de várias correntes estéticas, tendências ou estilos. Vivia-se no Rio com o sonho da França. E a Literatura, forma ampla de conhecimento da vida, era concebida por alguns como o sorriso da sociedade. Ninguém podia ser chamado de culto se não falasse nos heróis gregos e no cerco de Tróia. Como parte do contexto que primava pelo elogio à cultura de fora, com os valores formais da arte tradicional sem conteúdo nacional, aparece uma figura peculiar de escritor, a do boêmio, tipo pitoresco que se dava ao prazer de contar anedotas, fazer trocadilhos, nas portas de café e confeitarias. Nosso Parnasianismo, que em geral praticava a arte pela arte e a precisão vocabular (mot juste), quanto à sonoridade e ao senso colorido, embriagava muitos poetas.

         A sedução de Paris, as agremiações literárias, o hábito dos saraus artísticos, a mania de conferências e o uso das letras na escrita sonora, em seu poder verbal pobre de significado e percepção do drama humano, que teve em Coelho Neto um expoente, testemunham um Brasil literário vivendo um clima de ócio cultural e inutilidade criativa.

O criador de Policarpo Quaresma emerge dessa ambiência cultural moldada em atitudes importadas da Europa, alma inconformada que pretendia se tornar referencial oposto à estagnação que tomava conta de nossas letras de fim de século dezenove e início do vinte. Uma voz indignada, em sua revolta feita de humanismo social e humor cotidiano, vinha para contradizer como legítima prata da casa as cenas vazias de autênticos protagonistas nacionais, as quais se desenvolviam com as normas instituídas pelo ouropel alheio.

Reclamava o Brasil dentro do Brasil, querendo ter o direito de se fazer ouvir aos que não cuidavam de se interessar pelas coisas verdadeiras de nossa realidade. Munido de um estilo liberto do complexo colonial, brasileiro na maneira de ver, sentir e narrar as coisas nossas tomadas emprestadas ao cotidiano, Lima Barreto vai buscar seus personagens nos subúrbios do Rio de Janeiro, lá onde gravitam funcionários públicos, pequenos negociantes, médicos com pequena clínica, tenentes de diferentes milícias e seresteiros.

É o precursor do romance social brasileiro. Foi uma de minhas leituras na adolescência. Integra um de meus ensaios reunidos no livro A Leitura Lembrada, inédito,  sobre contistas, romancistas e poetas importantes da  literatura nacional.

 

Cyro de Mattos é escritor e poeta. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Publicado em Portugal, Itália, Espanha, Alemanha, França, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Premiado no Brasil e exterior. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia e de Ilhéus. Comendador da Ordem do Mérito do Governo da Bahia


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sábado, 18 de fevereiro de 2023

A Vida

Bert Hellinger

 

"A vida te decepciona pra você para de viver com ilusões e ver a realidade.

A vida destrói todo supérfluo até que reste somente o importante.

A vida não te deixa em paz para que deixe de culpar-se e aceite tudo como é.

A vida vai retirar o que você tem até você para de reclamar e começar a agradecer.

A vida envia pessoas conflitantes pra te curar, pra você deixar de olhar pra fora e começar a refletir o que você é por dentro.

A vida permite que você cai de novo e de novo até que você decida aprender a lição.

A vida lhe tira do caminho e lhe apresenta encruzilhadas até que você pare de querer controlar tudo e flua como um rio.

A vida coloca seus inimigos na estrada até que você pare de reagir.

A vida te assusta e assustará quantas vezes for necessário até que você perca o medo e recupere sua fé.

A vida tira o seu amor verdadeiro. Ele não concede ou permite até que você pare de tentar comprá-lo.

A vida lhe distancia das pessoas que você ama até entender que não somos esse corpo, mas a alma que ele contém.

A vida ri de você muitas e muitas vezes até você para de levar tudo tão a sério e rir de si mesmo.

A vida quebra você em tantas partes quantos forem necessárias para a luz penetrar em você.

A vida confronta você com rebeldes até que você pare de tentar controlar.

A vida repete a mesma mensagem, se for preciso, com gritos e tapas até você finalmente ouvir.

A vida envia raios e tempestades para acordá-lo.

A vida te humilha e por vezes te derrota de novo e de novo até que você decida deixar o seu ego morrer.

A vida lhe nega bens e grandeza até que pare de querer bens e grandeza e comece a servir.

A vida corta suas asas e poda suas raízes até que não precise de asas, nem raízes, mas apenas desapareça nas formas e seu ser voe.

A vida lhe nega milagres até que entenda que tudo, tudo é um milagre.

A vida encurta seu tempo pra você se apressar em aprender a viver.

A vida te ridiculariza até você se tornar nada, ninguém para então tornar-se tudo.

A vida não te dá o que você quer, mas o que você precisa pra evoluir.

A vida te machuca e te atormenta até que você solte seus caprichos e birras e aprecie a respiração.

A vida te esconde tesouros até que você aprenda a sair para a vida e buscá-los.

A vida te nega Deus até você vê-lo em todos e em tudo.

A vida te acorda, te poda, te quebra, te desaponta, mas creia, isso é para que seu melhor se manifeste, até que só o amor permaneça em ti".

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Profunda reflexão de Bert Hellinger, o alemão que já foi padre, largou o celibato e tronou-se psicoterapeuta e escritor. Falecido em 19/09/2019, ficou conhecido mundialmente pela criação do método Constelação Familiar.

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

O Triste e Merecido Fim do Maior Ladrão do Mundo!

Natália Ramos Costa

 


O maior ladrão do mundo está a caminho de uma severa demência.

Roubou, matou, mentiu, sempre acreditando na própria mentira.

Antes, durante e após a prisão, esteve sempre convencido de que era e é um herói, o único salvador do Brasil, um semideus.

Saiu da prisão, convicto de que seria ouvido, acatado, respeitado, endeusado.

Todavia, em todos os lugares para onde vai, é expulso pelo povo, sob vaias e gritos: "Luladrão, seu lugar é na prisão!”

Vários Estados Brasileiros já declararam: “Aqui, ele não entra”.

Nem o mais mal formado espírito, nem a pior e mais gelada consciência humana é capaz de suportar o peso de uma vida tão errada, tão cheia de crimes, de mentiras e de roubos, nunca confessados, nunca admitidos, sempre vigorosamente negados, sempre desmentidos, até a exaustão.

Esse conflito interno é dele e irá dilacerá-lo, cada vez mais. E não lhe será aliviado, enquanto persistir nessa mentira deslavada, nesse mantra de que é inocente, nesse ódio venenoso, nessa tresloucada arrogância, nessa ridícula e risível megalomania.

Ele não consegue acreditar no que está acontecendo à sua volta. Isso deve parecer-lhe um pesadelo.

Então, prefere o caminho do ataque.

Ataca, desesperadamente, Jair Messias Bolsonaro, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, para tentar, também, desesperadamente, convencer os seus adeptos de que ele é o bom, o certo, o “deus salvador”.

Cada vez mais enfurecido, cada vez mais odioso, cada vez mais repugnante... Ele está tão irado, tão fora de si, tão desequilibrado, que não consegue perceber que, desta forma, afasta esse mesmo povo pelo qual ele quer ser cada vez mais paparicado, pelo qual ele tanto deseja ser endeusado.

Vejam o abismo entre a expectativa dele e a realidade que está enfrentando...

Pouco a pouco, a ficha do ladrão vai caindo, ele vai enlouquecendo, porque nunca se preparou para ser desprezado e humilhado.

Pelo contrário, tudo o que fez foi inflar, mais e mais, o seu ego do tamanho do mundo e chamar de quadrilha os Juízes e Procuradores da Lava-Jato.

A ambição e a ganância desmedidas do maior ladrão do mundo vão levá-lo a um fim trágico! Ele mesmo é quem está buscando isso.

Esse verme fez muito mal ao Brasil!

Vai enlouquecer de vez, abandonado pelos seus companheiros, pelos seus aduladores e até mesmo pelos seus familiares, que têm vergonha da sua sombra.

Vai se transformar numa “carniça”, cheia de vermes... e que federá, cada vez mais...

Quando ele entender que o povo ACORDOU, que o povo tem consciência de que ele é o ladrão, ele vai parar num hospício. E que os seus seguidores "cegos"... o sigam.

Esse será o triste e merecido fim do “maior ladrão do mundo”.

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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

A perda de dona Cleo

Arnaldo Niskier



O falecimento da professora Cleonice Berardinelli, aos 106 anos de idade, foi uma perda muito sentida pela Academia Brasileira de Letras. Sobretudo porque ela representava uma atenção toda especial com a língua portuguesa, que prezava acima de tudo.

Dona Cleo, como era conhecida, lecionou na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade de São Paulo. Nessas duas instituições notabilizou-se pelo domínio extraordinário da vida e da obra do escritor e poeta Fernando Pessoa. Lembro bem de um trabalho do acadêmico José Paulo Cavalcanti sobre Pessoa, examinado e muito elogiado por Dona Cleo. Certamente isso ajudou muito quando ele se candidatou à Casa de Machado de Assis.

Considerada uma das maiores especialistas do mundo em literatura portuguesa, Dona Cleo lecionou por mais de 50 aos na Faculdade Nacional de Filosofia, sendo autora de obras magistrais como 'Antologia de Teatro de Gil Vicente'(1971), 'Fernando Pessoa, Obras em Prosa' (1975 e 'Sonetos de Camões', de 1980, todas muito bem sucedidas.

Ela sucedeu na ABL outra grande figura da língua portuguesa , que foi o escritor mineiro Antônio Olinto, um dos diretores do tradicional 'Jornal de Letras'. Deve-se registrar que ela foi homenageada no cinema com o documentário 'O vento lá fora', em que apareceu ao lado da Cantora Maria Betânia, lendo sobre a obra de Fernando Pessoa.

Dona Cleo, no Rio, fez todos os cursos teóricos e se diplomou sob a orientação do maestro Oscar Lorenzo Fernandez, que foi seu professor de piano. Já aos 98 anos de idade ela recebeu o Prêmio Faz Diferença de 'O Globo' na categoria prosa. Como se pode perceber, a doutora Cleonice Berardinelli foi uma figura de múltiplas qualidades, daí a admiração por ela granjeada. Trabalhou com grandes mestres da nossa literatura, como Fidelino de Figueiredo, em São Paulo, e depois Thiers Martins Moreira, no Rio de Janeiro. Em todos esses mestres deixou impressões indeléveis. A cultura brasileira ficou muito a dever a ela.

Tribuna do Sertão, 07/02/2023

https://www.academia.org.br/artigos/perda-de-dona-cleo

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Arnaldo Niskier - Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da ABL, eleito em 22 de março de 1984, na sucessão de Peregrino Júnior e recebido em 17 de setembro de 1984 pela acadêmica Rachel de Queiroz. Recebeu os acadêmicos Murilo Melo Filho, Carlos Heitor Cony e Paulo Coelho. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1998 e 1999.

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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Tempos de Carnaval

Cyro de Mattos

 


O Carnaval no Rio de Janeiro não é o mesmo de Olinda, Recife, Salvador e outras cidades brasileiras. Conservando o elemento comum que os une, a participação coletiva que se extravasa na maior felicidade, o Carnaval no Rio tem na escola de samba sua marca pessoal. Na ópera popular, a se exibir na passarela do asfalto, sobressaem passistas, ritmistas, fantasias, carros alegóricos, samba-enredo, bateria com um grande número de figurantes, alas de baiana e comissões de frente. Figurações diversas que, em sua feição de cores e luxo, impressionam vivamente e deslumbram a quem assiste. A vida dança ritmos ardentes, solta desvairadas vibrações de corpo, cantos e prazeres numa maravilhosa ventura em torno do sonho. Em Olinda e Recife, bonecos gigantescos arrastam multidões sob o ritmo rápido do frevo. Passistas improvisam uma coreografia individual e frenética.

Ao fechar o banco, o escritório, a indústria, o comércio, o Carnaval é sempre o mesmo. Com a sua máquina de fazer alegria, inventar o êxtase e o riso varre as formas de viver do mundo rotineiro, trazendo os ventos da utopia para empurrar a onda humana que canta e pula na avenida. Em Salvador, com ou sem turista, dinheiro ou sem dinheiro, vibra na tanga do índio, na mortalha suada da moça, vocifera, trepida ao som do trio elétrico, mexe, remexe sob a nova dinâmica dos ritmos negros, suaviza a vida quando passa numa onda mística com o bloco “Filhos de Ghandy”.

Serve de extroversão a milhares de pessoas e de fuga aos que preferem à casa de praia ou de campo. Na Quarta-Feira de Cinzas, quando o coral frenético silencia, o carnaval oferece a muitas pessoas uma oportunidade de ganhar o sustento nessa incrível arte da sobrevivência. Muitos nesse Brasil tropical e carnavalesco estão a postos para limpar o lixo da euforia.

Tempo de carnaval. O banco, o escritório, a indústria e o comércio são substituídos por uma máquina de fazer alegria. Em Salvador de Bahia, no antigamente, o corso passava pela Avenida Sete numa maravilhosa ventura em torno do tempo perdido na história.  Improvisava figurações diversas, tinha feições de cores e luxo, inventava uma ópera no desfile do carro alegórico, lembrava a Grécia antiga, Veneza. O êxtase e o riso invadiam a Rua Chile. Começava a acontecer com a guitarra elétrica na fóbica, puxando atrás pequena multidão, formada por gente do povo nos intensos prazeres, vibrações de corpo que insinuavam uma dança frenética. O bar Cacique, antes Bob’s, vizinho ao Cine Guarani e ao cabaré Tabaris, era parada obrigatória do folião para o chope.

      O moço do interior impregnava-se no carnaval com sua forma extrovertida de conceber a vida, não querendo saber do mundo rotineiro. A onda humana fantasiava-se para cantar e dançar na avenida. Blocos antigos, afoxés, batucadas. Na tanga do índio, na mortalha suada da moça, no amor da colombina. A vida era assim embalada pelos ventos da utopia. Movimenta-se serena na onda mística do bloco Filhos de Ghandy.

            Tempo que transformava o branco no preto, o pobre no rico, o sacro no leigo, de mãos dadas passavam o padre e a freira. Não havia vencedores e vencidos, viver era igual a se divertir. O folião, todo alegre, como não devia deixar de ser, seguia pelo salão com a espada de pau. O olho tapado na cara de mau. E a cigana que fingia ser definitivo o seu amor passageiro no carnaval.  O chão cheio de confete, serpentina colorindo o ar, a lança que perfumava a melindrosa em cada volta. Aqueles risos com mais de mil palhaços no salão, pierrô fazendo suas juras, arlequim chorando pelo amor da colombina no meio da multidão. 

            Vestido de marujo o moço do interior, viajando pelo mundo de uma só cor, a da euforia. Na Quarta-Feira de Cinzas, quando o coral silenciava, sem o sopro no apito da alegria, descia da nau, que chegava ao porto, situado no jardim da Piedade. Chegava de madrugada a nau empurrada pelos ventos da alegria, polvilhada de fadiga pela cauda, puxando a manhã fresca e pura.

            Foi nessa viagem gasta na avenida que conhecemos a festa da alegria em Salvador.  Aquele grande alvoroço tive nos dias que eram apenas um cenário de euforia. Lindo marujo, de lá para cá haveria de perceber que sobre outra onda foi rolar o mundo. Na orla nunca soubera por que tudo haveria de acontecer sem agitação um dia, desligado do corpo da juventude, recolhido nos braços de um idoso sem brilho. E, assim, sem cores e sons, fosse levado, em silêncio, pelas marés da nostalgia. 

Ressalte-se que em Itabuna antigamente os vizinhos costumavam colocar cadeiras no passeio para desfiarem um dedo de prosa. Esse costume servia para que estreitassem os laços de amizade, distraindo assim a mente cansada dos afazeres diários. Com a lua clara resvalando sua prata no calçamento, prosseguia a conversa animada entre os vizinhos, geralmente em torno de um assunto interessante ligado à cidade, até quando fosse chegada a hora de se recolherem no sono que descansa e reconforta. Numa dessas conversas entre vizinhos, lá estava seu Zeca, o dono da farmácia, dizendo ao outro que o começo do carnaval na cidade que tropeçava nas pernas remontava ao ano de 1908. A festa naqueles idos era conhecida como “Domingo do Entrudo”.

O dono da farmácia informava que no começo os bailes carnavalescos eram realizados no armazém da rua do comércio ou no Cine Odeon. Com a inauguração do primeiro clube, em 1940, os bailes mudariam de cenário. Durante quatro noites e duas matinês, foliões adultos e pequenos iriam ser acolhidos agora nos salões de um clube. Ao lado do carnaval nas ruas, a folia passava a contagiar no clube os blocos formados por senhores e senhoras, rapazes e moças da elite. De bigode retorcido nas pontas, de braço dado com as esposas, esses senhores sisudos davam voltas contínuas no salão. Bem entusiasmados, não paravam de cantar as marchinhas “Linda Lourinha”, “Pirata da Perna de Pau”, “As Pastorinhas”, “Touradas em Madri”, “Alá-Lá-Ô” e tantas outras que ficaram famosas em nosso cancioneiro popular.

O Carnaval de ontem era do tempo da serpentina, confete e lança perfume só para animar. Era o carnaval da musa colombina, pierrô apaixonado, arlequim sonhador, palhaços que não paravam de brincar e soltar piadas para as moças. Era o Carnaval dos quadros satíricos em que não faltavam fantasias e brincadeiras bobas. Era comum a sátira ser usada por blocos e cordões. Aproveitava-se um fato político, econômico, social ou esportivo com repercussão no ano como assunto engraçado para animar o carnaval.

Pessoas de minha cidade, que pertencem a uma geração mais velha, tem saudade do Carnaval daquele tempo. Uma dessas pessoas é seu Sessa. Funcionário Aposentado do Banco do Brasil, outrora folião dos mais animados, disse certa vez que nunca vai se esquecer daquele palhaço irrequieto e da pastorinha enamorada. Daquele palhaço de calças folgadas e nariz de limão, que não parava de pular e soltar piadas no salão quando a orquestra fazia uma pausa para que os foliões descansassem um pouco.

Já vai longe o tempo em que o carnaval começava cedo, aos sábados. Vestindo calça listrada, sem camisa, usando cartola e fraque, o Zé Pereira aparecia tocando o bombo, com meninos sujos e afoitos atrás. Batia forte no bombo o Zé Pereira, em frente às lojas e armazéns. Já vai longe esse tempo, o Zé Pereira ordenava a toda voz aos comerciantes que fechassem suas portas. É pra já! Cedo a folia vai tomar conta da cidade, ele ordenava.

 

Cyro de Mattos - Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

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terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

NADA É PARA LEVAR


 

"Nada é pra levar, tudo é pra comer aqui...

Você já se hospedou em um hotel tudo incluído?

Lembro-me que quando nos registramos naquele imponente resort, eles colocaram uma pulseira verde maçã no nosso pulso. Explicaram-nos que não devíamos perdê-lo, pois ele nos daria acesso a todas as instalações, que com ele podíamos desfrutar de tudo o que havia dessa porta em diante.

E assim foi.

Todos os dias podíamos percorrer aquele lugar incrível e tomar banho em qualquer uma de suas lindas piscinas.

Também me lembro que algumas pessoas preferem ficar no quarto, eu estava me perguntando como é possível que não queiram desfrutar desse presente?

Se já está tudo pago!

Naquele lugar também tínhamos acesso aos diferentes restaurantes que faziam parte do complexo. Havia uma variedade incrível de comidas, sobremesas e bebidas.

Só havia uma regra:

Nada se podia levar, tudo era pra comer lá

Assim é a Vida.

Ao nascer Deus nos coloca uma pulseira chamada Vida

e através dela, temos acesso a este mundo fascinante criado por ELE.

Enquanto o seu coração palpitar, você terá a chance de desfrutar da Vida que Deus lhe dá. Mas tal como aquele resort, neste mundo aplica a mesma regra: Nada é para levar, tudo é para comer aqui

A diferença entre um hotel e um Resort é que o primeiro foi feito apenas para dormir e ficar trancado e o segundo para percorrer e desfrutar.

A Vida não é um hotel!

É um Resort

Por isso, não fique trancado no quarto da sua mente, dos seus problemas, na amargura, na raiva, no medo, na dor ou na preocupação.

Se você está respirando é porque ainda tem a pulseira...

Aproveite hoje tudo de lindo que o Criador colocou para nós:

A natureza,

Um telhado,

Um trabalho,

A companhia de seus entes queridos,

Seus amigos,

Alimento na mesa,

De uma deliciosa sobremesa, uma saudação, um abraço. um beijo, um sorriso, um eu te amo, um eu preciso de você, me perdoe...

Da possibilidade de deixar o passado no passado.

De um eu te perdoo, de um bom descanso e acima de tudo

aproveite, ao vivo!

Porque ninguém viverá por você! ”

 

Na Vida é que você vai usar a pulseira... "em Vida. "

A VIDA NÃO É PARA LEVAR, É PARA COMER AQUI!


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(Recebi via WhatsApp, sem menção de autoria)

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

À sombra dos escritos em flor

Arnaldo Niskier



Lidaram com o autor de 'Para o Lado de Swan' e a 'À sombra das moças em flor', mesmo sabendo da fama de que a sua obra era considerada 'difícil'?

Como instituição cultural de primeira grandeza, a Academia Brasileira de Letras não poderia deixar de lidar, em certos momentos, com a vida e a obra do renomado escritor francês Marcel Proust. Suas longas frases não assustaram escritores calejados como Alceu Amoroso Lima, José Lins do Rego e a minha estimada Rachel de Queiroz. Lidaram com o autor de 'Para o Lado de Swan' e a 'À sombra das moças em flor', mesmo sabendo da fama de que a sua obra era considerada 'difícil'.

Outros autores, como os amigos Rosa Freire d'Aguiar, minha colega da redação da revista 'Manchete', e Cláudio Aguiar ('O último romance de Proust') trataram do autor dos sete volumes de 'Em busca do tempo perdido' com a propriedade e a competência que deles se esperava. No caso deste último, pernambucano de boa cepa, ele cria, o que pode ser uma notável obra de ficção, um livro em que um contrabandista de obras de arte inglês envia a Olinda três auxiliares com a missão de roubar os manuscritos do que seria o seu último livro. A trama, situada em 1972, segue um caminho cheio de alternâncias ou reviravoltas.

A atual exposição da obra de Proust, revivendo o que aconteceu na Biblioteca Nacional da França, com a apresentação ação de 'Marcel Proust: La Fabrique de l'oeuvre' exibe um mergulho na produção da sua obra-prima, com pinturas, roupas de época e documentos descobertos recentemente. É o que acontece também na Biblioteca Pública de Porto Alegre, com a mostra de documentos, manuscritos e rascunhos do escritor francês.

Além do universo estético do seu tempo, Proust foi um dedicado usuário da pintura e da música, o que valoriza enormemente a sua extraordinária obra. Assim ele passa o tempo todo perguntando se vai ou não começar o seu livro. Quando o leitor se dá conta disso, a leitura já chegou ao fim.

Num primeiro momento, Proust produz sequências de textos isolados. Só organiza a narrativa num segundo momento. E assim ele desenvolve o seu trabalho, como se vê nas suas impressionantes memórias, com as características proustianas de supressões, deslocamentos e corta-cola da sua obra genial. A exposição de Porto Alegre expressa isso de forma bastante competente, como quis o seu curador Gilberto Schwartsman.

Site Chumbo Gordo, 01/02/2023

 https://www.academia.org.br/artigos/sombra-dos-escritos-em-flor

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Arnaldo Niskier - Sétimo ocupante da Cadeira nº 18, eleito em 22 de março de 1984, na sucessão de Peregrino Júnior e recebido em 17 de setembro de 1984 pela acadêmica Rachel de Queiroz. Recebeu os acadêmicos Murilo Melo Filho, Carlos Heitor Cony e Paulo Coelho. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1998 e 1999.

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