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quinta-feira, 31 de março de 2022

BENTO XVI: “MORRER NA PÁSCOA É UM DOM DE DEUS”



Pierre-Philippe MARCOU | AFP

Francisco Vêneto - 

O Papa Emérito já fez diversos comentários serenos e repletos de esperança e paz a propósito da morte cristã

Morrer na Páscoa, para quem crê na Ressurreição de Cristo, é certamente um privilégio repleto de significado. Por ocasião do sexto aniversário de falecimento da Madre Angélica, fundadora da pioneira rede católica norte-americana de televisão EWTN, a agência de notícias ACI Digital, que pertence ao mesmo grupo, recordou uma inspiradora declaração do Papa Emérito Bento XVI a respeito da data em que a religiosa partiu deste mundo: o Domingo da Ressurreição de 2016, que recaiu no dia 27 de março. Ela tinha 92 anos e havia passado os últimos quinze às voltas com as difíceis sequelas de um derrame cerebral.

De acordo com um testemunho do secretário pessoal de Bento XVI, dom Georg Gänswein, o Papa Emérito afirmou, na época, que morrer em pleno Domingo de Páscoa “é um dom de Deus”. Em dezembro do mesmo ano, Bento afirmou a repórteres da rede que a Madre Angélica havia sido “uma grande mulher, muito corajosa”.

O próprio Bento XVI, ainda como pontífice reinante, havia concedido a ela, em 2009, a medalha “Pro Ecclesia et Pontifice”, a mais alta condecoração que os Papas podem outorgar a um religioso ou leigo na Igreja Católica.

Serenidade e paz perante a morte

Bento XVI já fez diversos comentários serenos e repletos de esperança e paz a propósito da morte cristã, que, afinal, é uma transição desta vida passageira para a vida plena em Deus na eternidade.

Em 7 de fevereiro de 2018, por exemplo, o Papa Emérito enviou uma carta ao jornal italiano Corriere della Sera confirmando a natural deterioração da sua saúde física e afirmando, com grande simplicidade, que já estava “em peregrinação a caminho de Casa”. Ele escreveu na ocasião:

“Só posso dizer que, na lenta diminuição das forças físicas, estou interiormente em peregrinação para Casa. Para mim, neste último trecho do caminho, às vezes um pouco esgotador, é uma grande graça estar rodeado de amor e bondade tamanhos que eu não poderia ter imaginado”.

Em outubro de 2021, ao saber da morte de um grande amigo sacerdote, o pe. Gerhard Winkler, Bento XVI escreveu uma carta aos padres da abadia de Wilhering, na Áustria, para lhes oferecer os seus pêsames. No texto, o Papa Emérito afirma:

“Ele chegou agora ao outro mundo, onde tenho a certeza de que muitos amigos já o aguardam. Espero me unir logo a eles”.

A serenidade diante do final da vida terrena é um sinal de fé. É a consciência de que a vida ilumina a morte e, portanto, a morte ilumina a vida. A morte, afinal, é apenas uma passagem.

 

https://pt.aleteia.org/2022/03/28/bento-xvi-morrer-na-pascoa-e-um-dom-de-deus/?utm_campaign=EM-PT-Newsletter-Daily-&utm_content=Newsletter&utm_medium=email&utm_source=sendinblue&utm_term=20220329

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AS ASNEIRAS DO GUEDES – Artur Azevedo

   


        Não é precisamente um conto o que hoje vou escrever.

           

            Voltou do seu passeio a São Paulo o Guedes – o Guedes sabem? – o maior asneirão que o sol cobre, aquele mesmo que respondeu aqui há tempos quando numa roda lhe perguntaram se tinha filhos:

            - Tenho uma filha já adúltera.

            - Adúltera?!

            - Sim, senhor, adúltera; vai fazer 17 anos.

            - Adulta quer o senhor dizer...

            - Ou isso. É uma boa menina; só tem um defeito: é muito luxuriosa.

            - Luxuriosa?!

            - Sim, senhor, luxuriosa: gosta muito de luxar.

            - Ah!

           - Mas lá está minha mulher para lhe dar bons conselhos... sim, porque minha mulher é muito sensual.

            - Sensual?!

            - Sim, senhor, sensual: tem muito bom senso.

                           ***

            Pois é como lhe digo: tive o prazer de encontrar ontem esse precioso Guedes, cujas asneiras, colecionadas, dariam um volume de trezentas páginas, ou mais.

            Eu estava num armarinho da rua do Ouvidor, onde entrara para cumprimentar a minha espirituosa amiga dona Henriqueta, que andava, como sempre, fazendo compras, enchendo-se de caixinhas e pequeninos embrulhos, adquiridos aqui e ali.

            O Guedes, mal me viu, correu a dar-me um abraço, dizendo:

            - Li no “O País” a notícia do seu aniversário...

            E recuando dois passos, tomou uma atitude solene, deixou cair as pálpebras, e acrescentou:

            - Faço votos para que você tenha um futuro tão brilhante como o que passou.

           Agradeci comovido essa manifestação de apreço envolvida num disparate, e apresentei o Guedes à minha espirituosa amiga dona Henriqueta, que mordia os lábios para não rir.

            - Apresento-lhe, minha senhora, o mais extraordinário reformador da língua portuguesa: o Guedes, o grande Guedes, que acaba de chegar de São Paulo, onde esteve a passeio.

            - Era tempo de fazer uma viagem! – explicou ele. – Foi a primeira vez que saí do Rio de Janeiro.

            - Eu também não saí ainda dessa cidade senão para ir uma vez a Petrópolis e duas a Niterói – disse dona Henriqueta.

            - Vejo então que a senhora é cortesã... – acudiu o Guedes curvando os lábios no mais amável dos seus sorrisos.

            - Cortesã?!

            - Cortesã, sim... filha da Corte...

            - Oh, Guedes! – observei baixinho. – Pois você não vê que está dizendo uma inconveniência?

            - Tem razão... Atualmente não se deve falar em Corte...

            E emendou:

            - Vejo então que a senhora é capitalista federalista

            Dona Henriqueta desta vez riu-se a perder. É provável que ao leitor não aconteça o mesmo. Paciência.

            - Ó Guedes! Vamos lá! Diga-me! Que impressões trouxe você de São Paulo?

            - Muito boas! Aquilo é uma grande terra!

            - Dizem que há lá muita sociabilidade.

            - Como?

            - Muita convivência...

            - Isso há... As famílias visitam-se... Os moços coabitam com as moças.

            - Ora essa!

            - Que entende você por “coabitar”?

            - É... é...

            - É uma indecência... uma inconveniência... uma coisa que não se diz!...

            O Guedes inflamou-se:

            - Está você muito enganado... “Coabitar” é...

            E voltando-se para um dos caixeiros do armarinho:

            - O senhor tem aí um dicionário que me empreste?

            - Pois não?

            E daí a dois minutos o Guedes tinha nas mãos os dois volumes do Aulete.

            - Muito bem! – disse eu. – Procure “coabitar”.

            Depois de folhear em vão o dicionário durante um ror de tempo, o teimoso exclamou:

            - Não dá! Não dá! Vejam...

            - Perdão: você está procurando com u: deve ser com o!

            - Tem razão. Tem razão...Onde estava eu com a cabeça?

            E o Guedes pôs-se de novo a folhear o Aulete.

            - Não dá! Também não dá com o! Veja: de coa para coação! Não dá com u nem com o!

            -  Valha-o Deus, Guedes, valha-o Deus! Você está procurando sem h? Dê cá o dicionário!

            E com um sorriso de triunfo mostrei ao Guedes a significação da palavra.

             - Olhe, leia: "Coabitar, habitar, viver conjuntamente”.

            - Mas isso...

            - Agora veja o que o Aulete acrescenta entre parênteses: “Diz-se particularmente de duas pessoas de diferente sexo”.

            - Perdão! – bradou Guedes furioso. – Perdão! Eu não disse particularmente, mas alto e bom som, e só não me ouviu que não me quis ouvir!

            E batendo com a mão espalmada sobre o balcão:

            - Eu não sou homem que diga as coisas particularmente!

 

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Artur Azevedo (Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo), jornalista e teatrólogo, nasceu em São Luís, MA, em 7 de julho de 1855, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de outubro de 1908. Figurou, ao lado do irmão Aluísio Azevedo, no grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, onde criou a cadeira nº 29, que tem como patrono Martins Pena.       

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quarta-feira, 30 de março de 2022

ORAÇÃO PARA APRESSAR O TRIUNFO DO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA



Tendo em vista a Consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, Dom Athanasius Schneider (bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão) compôs uma oração que aqui transcrevemos na tradução para o português feita pelo nosso colaborador Hélio Dias Viana.


Ó Imaculado Coração de Maria, Santa Mãe de Deus e nossa terna Mãe, olhai para a angústia em que vive toda a humanidade devido à propagação do materialismo, da impiedade e da perseguição à fé católica.

Em nossos dias, o Corpo Místico de Cristo está sangrando de tantas feridas causadas dentro da Igreja pela propagação impune de heresias, pela justificação dos pecados contra o Sexto Mandamento, pela busca do reino da terra em vez do reino dos céus, pelos horrendos sacrilégios contra a Santíssima Eucaristia, especialmente através da prática da Comunhão na mão e da forma protestante de celebração da Santa Missa.

Em meio a essas provações surgiu a luz da consagração da Rússia ao vosso Imaculado Coração, pelo Papa em união com os bispos do mundo. Em Fátima Vós pedistes a Comunhão Reparadora nos Primeiros Sábados do mês. Implorai ao vosso Divino Filho que conceda uma graça especial ao Papa, para que aprove a Comunhão Reparadora nos Primeiros Sábados.

Que Deus Todo-Poderoso apresse o tempo em que a Rússia se converta à unidade católica, a humanidade tenha um tempo de paz, e a Igreja receba uma renovação autêntica na pureza da fé católica, na sacralidade do culto divino e na santidade da vida cristã.

Ó Medianeira de todas as graças, ó Rainha do Santíssimo Rosário e nossa doce Mãe, voltai para nós os vossos olhos misericordiosos e atendei graciosamente esta nossa oração confiante.

Amém!

+ Athanasius Schneider

 

https://www.abim.inf.br/oracao-para-apressar-o-triunfo-do-imaculado-coracao-de-maria/

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terça-feira, 29 de março de 2022

DEPUTADOS BAIANOS OUTORGAM COMENDA 2 DE JULHO AO POETA E ESCRITOR CYRO DE MATTOS

 


A Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) aprovou projeto de resolução da autoria do deputado Marcelinho Veiga (PSB) que concede a Comenda 2 de Julho ao poeta e escritor Cyro de Mattos, um dos ficcionistas e poetas mais importantes da literatura contemporânea, na Bahia e no Brasil.

Segundo o deputado Marcelinho Veiga, essa Comenda 2 de julho é mais do que merecida. “A história de Cyro de Mattos lhe respalda. Parabéns! São mais de 60 anos compromissados com as letras e a cultura”. Membro da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, ele é autor de 64 livros pessoais, de diversos gêneros, e além disso tem 15 livros publicados no exterior.

Entre os membros da Academia de Letras da Bahia que foram homenageados com a Comenda 2 de Julho figuram Luís Henrique, Cid Teixeira, João Carlos Salles, Mãe Stella de Oxóssi e Joaci Góes.


https://costadocacau.blog.br/deputados-baianos-outorgam-comenda-2-de-julho-ao-poeta/


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segunda-feira, 28 de março de 2022

MANOEL CARLOS DE ALMEIDA NETO TOMA POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS



Mesa composta por Vercil Rodrigues (Academia de Letras Jurídicas), René Albagli (Ex-reitora da UESC), Jane Hilda (Secretária Geral), Pawlo Cidade (Presidente da ALI), Tenente Paulo (18º CSM) e Jacson Cupertino (Presidente da OAB/Ilhéus). 

Foto: José Nazal


 



          Autoridades civis, militares, política, amigos, familiares e acadêmicos da casa e das coirmãs Academia Grapiúna de Letras (AGRAL) de Itabuna e da Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA), foram prestigiar a posse do mais novo imortal da Academia de Letras de Ilhéus (ALI), Dr. Manoel Carlos de Almeida Neto, na sexta-feira, 25/3, às 19h na sede da instituição no Centro Histórico.

          O novo membro da “Casa de Abel”, ocupa Cadeira 39, antes pertencente a um dos fundadores da instituição, José Cândido de Carvalho Filho, que foi ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 


          
A prestigiada solenidade de posse foi presidida pelo acadêmico-presidente Pawlo Cidade (Cadeira 13) e a saudação ao novo membro da Academia de Letras de Ilhéus, ficou a cargo do acadêmico Edvaldo Brito (Cadeira 28), ex-professor de Direito de Manoel Carlos, que na oportunidade fez um breve escorço das Academias de letras, que têm por modelo a “Académie Francaise”, criada em 1635 por Armand-Jean Du Plessis, cardeal de Richelieu, apontando mudanças que ocorreram ao longo desse mais de quatrocentos anos de história. “As academias hoje não são apenas espaço ocupados por literatos, mais o lugar de variadas manifestações artísticas e culturais”.

            Em seu discurso, o agora imortal da ALI destacou o perfil pessoal e profissional do seu antecessor, José Cândido de Carvalho Filho, falecido em abril de 2019, e do patrono da Cadeira 39, o político e jurista baiano José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu.

 

O acadêmico

 


          Manoel Carlos de Almeida Neto é membro da Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA), onde ocupa a Cadeira 29, que tem como patrono o jurista Orlando Gomes, é também doutor e pós-doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Advogado e vice-presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, o novo membro da ALI foi professor da Faculdade de Direito da USP (2020-2022) e da Faculdade de Direito da UESC (2005-2006), secretário-geral da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

Obras lançadas

 

          Manoel Carlos é autor das obras “O novo controle de Constitucionalidade Municipal” (editora Forense), “Direito Eleitoral Regulador” (RT), “Juiz Constitucional” (RT), dentre outras. A posse na ALI coincide com o lançamento nacional da sua mais recente obra, “O Colapso das Constituições do Brasil: uma reflexão pela democracia”, considerado pelo ex-presidente da República e membro da Academia Brasileira de Letras, José Sarney, um “trabalho insubstituível na literatura de nosso Direito Constitucional”. Sarney assina o prefácio do livro.

          O ministro do STF, Ricardo Lewandowski, é outra personalidade a falar do livro. “Com rigor acadêmico e destacada originalidade, esta obra do professor Manoel Carlos de Almeida Neto, fruto de longa e proveitosa pesquisa de pós-doutorado na Faculdade de Direito da USP, revisita os últimos duzentos anos da história político-institucional do país para desvendar os fatores reais do poder que deram vida e decretaram a morte das distintas Constituições brasileiras, propiciando aos leitores uma reflexão sobre as raízes sociológicas determinantes da fragilidade de nossa democracia”, escreveu.

 




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domingo, 27 de março de 2022

ROMANCE DO ACADÊMICO JORGE AMADO - Cyro de Mattos

 



 Romance do acadêmico Jorge Amado

 Cyro de Mattos

 

             Roman à clef, ou roman a cle, expressão francesa cuja tradução aproximada é "romance com chave", designa a forma narrativa na qual o autor trata de pessoas reais por meio de nomes fictícios. Roman à clef na literatura brasileira é Montanha (1956), do mineiro Ciro dos Anjos, O espelho partido, de Marques Rebelo, projetado para sete volumes, iniciado em 1959 com O trapicheiro, e A conquista (1899), de Coelho Neto, que retrata a vida boêmia e intelectual do Rio de Janeiro no final do século dezenove.               

        No romance de Coelho Neto informa-se sobre a paisagem urbana em mudança do Rio de Janeiro, os costumes importados de Paris, os padrões de comportamento ditados pelo espírito da belle époque, a visão que se tem da literatura como o sorriso da sociedade. Nesse Rio de Janeiro de estilo literário eclético, na qual se cruzam e entrecruzam a estética do parnasianismo, simbolismo e impressionismo, circulam personagens reais com os nomes fictícios. Alguns pseudônimos são evidentes no romance, como Octávio Bivar representando Olavo Bilac, e outros não menos fácil na identificação, como é o caso de Anselmo Ribas, que é identificado como se fosse o próprio Coelho Neto. 

         Na literatura estrangeira, um roman à clef clássico é a fábula de A revolução dos bichos, de George Orwell, na qual não é difícil identificar no bestiário como personagens fictícias pessoas da revolução soviética, que derrubou os padrões de um sistema aristocrático e se tornou responsável pela implantação do regime comunista na sociedade russa. Esse tipo de romance encontramos em Portugal com A correspondência de Fradique Mendes (1900), de Eça de Queiroz, enquanto na Alemanha A montanha mágica (1924), de Thomas Mann, é outro exemplo de romance à clef. 

          Em Farda, fardão, camisola de dormir, Jorge Amado recorre ao romance à clef para abordar as disputas entre candidatos à vaga deixadas por falecimento de ilustre membro da Academia brasileira de Letras e além

disso recriar o Estado Novo com seus padrões ditatoriais. Sabe-se que no Estado Novo Jorge Amado foi perseguido e preso, teve seus livros queimados em praça pública. Tempos depois, nos idos de 1961, ingressava na Academia Brasileira de Letras, confessando no seu discurso de posse:

 

     Chego à vossa ilustre companhia com a tranquila

     satisfação de ter sido intransigente adversário desta

     instituição naquela fase de vida em que devemos ser,

     necessária e obrigatoriamente, contra o assentado e

    o definitivo, quando a nossa ânsia de construir encontra

    a sua melhor aplicação na tentativa de liquidar, sem dó

   nem piedade, o que as gerações anteriores conceberam

    e construíram. (p. 9, Discursos, 1993)

 

            Perguntado certa vez porque como um escritor irreverente, vivendo a vida do povo, havia ingressado na Academia Brasileira de Letras, uma instituição de elite, que preserva os valore tradicionais e o ritual da solenidade com pompa, respondeu por duas razões: “O ocupante da cadeira, Otávio Mangabeira, às vésperas de morrer, no hospital, disse a Wilson Lins que gostaria de ser sucedido por mim... E pela pressão de meus amigos acadêmicos.” (p. 32, Literatura comentada, 1981)

         Esclareceu que já tinha sido convidado pelos amigos, tendo recusado. Quando voltaram a fazer pressão, aceitou. Frisou que só usou o fardão da Academia em poucas oportunidades, a primeira foi quando tomou posse, depois ao receber o romancista Adonias Filho na Casa e por último o dramaturgo Dias Gomes.

         Jorge Amado ocupou na Academia a cadeira 23 de que é patrono O José de Alencar e o fundador o Machado de Assis. Ao escrever o romance Farda, fardão, camisola de dormir, compreende-se que razões sobraram para que escolhesse o formato do romance à clef para contar uma história que tem ressonâncias políticas e que se desenvolve em torno da luta entre o coronel Agnaldo Sampaio Pereira e o general Waldomiro Moreira. O primeiro representa a força nazifascista do Estado Novo enquanto o segundo, embora militar, as forças mais liberais. O livro descreve o emprego dos meios na luta pelo voto na Academia quando tudo é válido, usa-se uma ofensiva que esmague a pretensão do inimigo. Pressões, manutenção no emprego, presentes, agrados, tudo que seja favorável à conquista da vaga.

          Os compêndios apontam os vários motivos que o escritor recorre para exercitar o romance à clef.  É motivado pela natureza desse tipo de prosa de ficção por ser o gênero sujeito à controvérsia do assunto recriado, à necessidade de informar os fatos com certa discrição, munir-se da cautela para fornecer informações privilegiadas sobre o que se passa nos bastidores, preservar a vida íntima ou escândalos de terceiros, que assim escapam de acusações caluniosas ou difamação. E ainda a escolha reveste-se como vetor de realização pessoal no desejo de dar à história com sabedoria o desfecho que gostaria que ela tivesse tido. Acresce a isso a intenção de retratar eventos ou experiências autobiográficas sem se tornar vulnerável. 

A sabedoria de Jorge Amado é visível neste romance à clef, que recria a face oculta da Academia, de maneira irreverente, com marchas e contramarchas no correr das eleições de candidatos vaidosos, na disputa ferrenha no caso pela vaga deixada com o falecimento de Antônio Bruno, ilustre membro da entidade, para alguns um senhor poeta, mas doido por mulher. O disfarce, usado nos nomes fictícios de personagens reais, para que assim camuflados possam atuar no desenvolvimento do tema vai além do conflito, e, num lance de competência usual de quem sabe inventar uma história, projeta-se sem retoques um retrato fiel do Brasil durante o Estado Novo. Emerge da escrita que fere e aponta mazelas um contexto político  cheio de opressões e vilanias ditatoriais, não respeitando os direitos mais primários  do cidadão.

 

Referências

 

AMADO, Jorge. Farda, fardão, camisola de dormir, editora Record,   

                          Rio de Janeiro, 1979.

------------------- Literatura comparada, entrevista, seleção por Álvaro

                          Cardoso Gomes, Abril Educação, São Paulo, 1981.

------------------- Discursos, Casa de Palavras, Fundação Casa de Jorge  

                         Amado, Salvador, 1993


 

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Cyro de Mattos -Escritor e poeta. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil, Portugal, Itália e México

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (259)



4º Domingo da Quaresma – 27/03/2022


Anúncio do Evangelho (Lc 15,1-3.11-32)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas.

— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, Os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar. Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. 'Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles.' Então Jesus contou-lhes esta parábola: 'Um homem tinha dois filhos. O filho mais novo disse ao pai: 'Pai, dá-me a parte da herança que me cabe'. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada. Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve uma grande fome naquela região, e ele começou a passar necessidade. Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para seu campo cuidar dos porcos. O rapaz queria matar a fome com a comida que os porcos comiam, mas nem isto lhe davam. Então caiu em si e disse: 'Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: `Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados'. Então ele partiu e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o, e cobriu-o de beijos. O filho, então, lhe disse: 'Pai, pequei contra Deus e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho'. Mas o pai disse aos empregados: 'Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado'. E começaram a festa. O filho mais velho estava no campo. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. Então chamou um dos criados e perguntou o que estava acontecendo. O criado respondeu: 'É teu irmão que voltou. Teu pai matou o novilho gordo, porque o recuperou com saúde'. Mas ele ficou com raiva e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. Ele, porém, respondeu ao pai: 'Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado'. Então o pai lhe disse: 'Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. -Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado'.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

http://liturgia.cancaonova.com/pb/

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Ligue o vídeo abaixo, e acompanhe a reflexão do Pe. Donizete Ferreira – Sacerdote da Comunidade Canção Nova:


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Misericórdia reconstrutora

 

Imagem: Rembrandt


"...este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,32) 

Lucas, o poeta da misericórdia, soube pintar com palavras a parábola de Jesus que tanto nos comove.

Por que a parábola do “Pai Misericordioso” nos comove e provoca tanta ressonância em nosso interior?

Evidentemente, a parábola fala dos nossos anseios mais profundos: de retornar de terras estranhas para nosso lar, de sair da insignificância para encontrar nossa essência, de deixar a morte para trás e voltar à vida. É o desejo que nos diz que, independentemente da situação em que nos encontremos e de quão perdidos estejamos, sempre é possível mudar a direção de nossa vida perdida, retornar e encontrar nosso verdadeiro lar.

Na realidade, a parábola deixa claro o que nos distancia e nos aproxima do nosso ser essencial.

Toda a parábola do “Pai Misericordioso” acontece entre dois polos: distanciamento e proximidade.

Quando Lucas escreve que o filho mais novo “partiu para uma região longínqua”, ele se refere a uma quebra drástica da maneira de viver, pensar e agir que ele recebeu como um legado sagrado através das gerações, e uma traição aos valores cultuados pela família e pela comunidade.

O “país distante”  é o mundo no qual não se respeita o que em casa é considerado sagrado.

As consequências da ruptura com o pai serão a miséria extrema e a degradação máxima. Quando atravessou o limiar da casa paterna e deu as costas ao pai, o filho estava partindo para a solidão, para a alienação, para a perdição. 

No início, parece que só o filho mais novo estava longe do pai e da sua casa: lá, numa situação de extrema miséria e morte, ele sente saudades da casa do pai e da presença do amor e da vida que ali reinava.

Mas, a volta do filho “distante” ressalta, inesperadamente, a distância do filho mais velho, o “perfeito”, que sempre esteve em casa e que servia ao pai de modo irrepreensível. Na realidade, porém, também ele vivia, sem se dar conta, como estranho e... distante.

O “filho mais velho” apresenta uma aparência de perfeição que camufla um medo de viver, uma falsa submissão, uma rejeição do outro, uma incapacidade para receber os dons do pai. Ele ignora que, para entrar na festa, é insuficiente não transgredir as leis, mas ter uma outra disposição do coração. Não é criativo, não assume nenhum risco. Percebe-se que ele não é feliz naquilo que vive: o peso da lei o torna uma pessoa amarga, cheia de ressentimentos, de julgamentos, de indiferença...

Por outro lado, o “retorno” do filho mais jovem deixa também transparecer a grandeza de um coração transbordante, quase inimaginável, de um pai absolutamente “surpreendente” e, “incompreensível”, no seu modo de lidar com os fracassos e limitações dos seus filhos.

Enquanto os filhos demonstram todo o seu “distanciamento”, o pai se aproxima, sempre mais, fazendo-os descobrir não só o fato de serem filhos, mas também de irmãos.

Para ambos os filhos, torna-se necessário percorrer a estrada do “retorno reconstrutor”, não só para a redescoberta do próprio pai, mas também, da própria dignidade e da verdade sobre si mesmos.

filho mais novo, decidido a uma realização pessoal e autônoma, distancia-se daquela casa, onde tudo parecia ser muito tranquilo e monótono. No entanto, quando se encontra em estado de completo abandono, com a ameaça da morte diante dele, volta, em seu coração, a lembrança de casa e a saudade da segurança, que lá podia encontrar com abundância. Enquanto estava mergulhado nas trevas da morte, a luz da vida, finalmente encontra espaço nele.

Então a lembrança se torna decisão; a decisão... caminho, retorno... aproximação. No momento de maior distanciamento e solidão, esse filho se dá conta, em seu íntimo, da proximidade da ternura e do amor do pai. A centelha que ilumina o caminho, que conduz à liberdade e à vida, se manifesta precisamente nas trevas da derrota, da morte, da falência, da miséria...

A lembrança e a saudade da casa do pai se tornam caminho no coração do filho distante, exatamente no pior momento da sua existência: ele não tinha mais nada, nem dignidade e nem comida para sobreviver.

O fracasso, a impotência, a limitação... podem se tornar momento regenerador e inédito: o encontro do caminho da liberdade e da vida. À luz da misericórdia, o fracasso, a derrota, a ferida... se revelam como bênção e uma ocasião privilegiada para a quebra do “ego inflado e autosuficiente”.

Na solidão e na indigência, o filho, que estava “perdido”, contemplou o rosto amoroso de seu pai e encontrou a força para levantar-se e ir bater à porta de casa.

Aquele filho que antes era “pedra de tropeço” agora se torna “pedra angular”, sobre a qual se derrama a misericórdia gratuita do pai e sobre a qual se constrói uma história nova, que envolve todos os que vivem naquela casa.

Os dois filhos, apresentados a nós nessa parábola, têm trajetos fundamentalmente distintos; contudo, possuem em comum o fato de não conhecerem de verdade o Pai e o fato de não terem nenhuma consciência das consequências de suas rupturas. Um, está seguro de saber o que quer: partir, estar em outro lugar. O outro, tem a certeza de estar no caminho certo: o dever.

Ambos perderam o caminho do coração. Um, esqueceu-o; o outro, endureceu-o.

Nenhum deles tinha vivido uma relação sadia com o pai: nem aquele que partiu, nem aquele que permaneceu a seu lado. Ambos perderam a sua fonte e não recebiam mais a água do amor. Não eram mais iluminados a partir do coração; tornaram-se cegos. Caminhando dia e noite, vão tropeçar: um, na desordem; o outro, no excesso de ordem.

O fracasso do filho mais novo e sua volta imprevista abalarão a ambos; um será sacudido pela tristeza, pelo fracasso, pela humilhação; o outro, pela revolta, pela explosão de uma raiva reprimida há muito tempo. O retorno foi um acontecimento revelador, para os dois, de um possível ponto de partida para uma nova vida, de uma ocasião oferecida para a recuperação da dignidade de filhos.

E foi ao encontro de seu pai”. O filho mais novo muda de direção. Vira-se, dá meia-volta, abandona o caminho de morte e decide não cuidar mais dos porcos. A memória da misericórdia do pai o torna capaz de colocar-se a caminho. Não se imobiliza mais na infelicidade, no vitimismo, na culpabilidade estéril: é o tempo da determinação, da opção em favor da vida e da comunhão.

O filho pródigo reencontra o movimento da vida. Sabe tirar proveito de um acontecimento catastrófico. Decide retomar o caminho de casa a partir do estado em que se encontra, mesmo não tendo uma clara compreensão de tudo, mesmo quando sua preocupação primordial é a sobrevivência. Está pronto para assumir esse retorno sem glória, pois agora é livre. É iluminado por um desejo encontrado no fundo de si mesmo: “levantar-me-ei e irei ter com meu pai”. Renuncia às antigas vestes, entra numa vida renovada, pois percebe a possibilidade de dar um passo em direção à vida.

É então que vai viver, nos braços do pai, o encontro que irá fazer dele um filho. Quebra-se o seu coração autossuficiente, e ele está pronto a deixar-se moldar. A misericórdia do pai o reconstruirá como filho.

Segundo o texto evangélico, o pai não diz uma única palavra ao filho no momento em que o acolhe.

Ele deixa transparecer seus sentimentos através dos gestoscorre ao seu encontro, abraça-o e cobre-o de beijos. Não há aqui o menor sinal de rejeição ou repreensão. Antes que o filho diga algo, o pai é acolhida total, compaixão visceral, perdão incondicional.

O relato evangélico acentua, em primeiro lugar, a compaixão e a ternura sentidas pelo pai.

Ele viu o filho no caminho de volta para casa “quando estava ainda longe”. Na verdade, não tinha deixado de esperá-lo, com o coração e com os olhos, desde o dia inesquecível em que o filho saíra de casa. Este tinha, sim, partido; mas nunca tinha se afastado do afeto, do amor sofrido do pai, que contemplava todos os dias, com sua vista cansada e com os olhos do coração, o caminho percorrido pelo filho, na esperança de vê-lo voltar.

Texto bíblico:  Lc 15,1-3.11-32 

Na oração: Diante do Pai Misericordioso, perguntar a si mesmo:

- o que em mim está “perdido”, “distante”, “isolado”...?

- o que em mim é “dever”, “ressentimento”, “legalista”...?

- o que em mim é acolhida, compaixão, proximidade...?


Pe. Adroaldo Palaoro sj

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2533-misericordia-reconstrutora

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sábado, 26 de março de 2022

FERNANDA MONTENEGRO TOMA POSSE NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

 


A atriz Fernanda Montenegro toma posse na Academia Brasileira de Letras (ABL) no dia 25 de março. O evento, marcado para as 21h, acontece no Petit Trianon, no centro do Rio. Fernanda ocupará a Cadeira 17 da Academia, sucedendo o Acadêmico e diplomata Affonso Arinos de Mello Franco. 

Eleita com 32 votos para integrar o grupo de imortais no dia 4 de novembro de 2021, Fernanda estreita os laços da Academia com as artes cênicas. Autora do livro "Prólogo, Ato e Epílogo", sua autobiografia, a atriz de 92 anos é reconhecida como intelectual engajada e um dos grandes ícones da cultura brasileira. 

Fernanda é a primeira mulher a ocupar a cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras. O posto teve, como ocupantes, Sílvio Romero (fundador) – que escolheu como patrono Hipólito da Costa –, Osório Duque-Estrada, Roquette-Pinto, Álvaro Lins e Antonio Houaiss.

Premiada nacional e internacionalmente por sua carreira, Fernanda é a única brasileira já indicada ao Oscar de Melhor Atriz pela atuação em Central do Brasil (1998), de Walter Salles. Ela já venceu, também, o Emmy Internacional, o Festival de Berlim e o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. A atriz também foi destaque em clássicos da Rede Globo como Doce de Mãe, Belíssima, Guerra dos Sexos, A Dona do Pedaço, entre outros.

Fernanda Montenegro nasceu em 16 de outubro de 1929 no Rio de Janeiro. Sua primeira experiência no teatro foi aos oito anos, em uma peça da igreja. Em 1950, estreou profissionalmente nos palcos ao lado do marido Fernando Torres, no espetáculo 3.200 Metros de Altitude, de Julian Luchaire. 

Em dois anos na Tupi, participou de cerca de 80 peças, exibidas nos programas Retrospectiva do Teatro Universal e Retrospectiva do Teatro Brasileiro. No período, foi vencedora do prêmio de Atriz Revelação da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 1952, por seu trabalho em Está Lá Fora um Inspetor, de J.B. Priestley, e Loucuras do Imperador, de Paulo Magalhães. Fundou, ainda, a companhia Teatro dos Sete junto de outros importantes nomes da cena teatral brasileira. 

Sua estreia na televisão foi em 1963, na TV Rio, com as novelas Amor Não é Amor e A Morta sem Espelho, ambas de Nelson Rodrigues. Passou, também, pela TV Globo e a TV Excelsior. Além de novelas, atuou em minisséries, com destaque para O Auto da Compadecida (1999).

Em 1999, Fernanda Montenegro foi condecorada com a maior comenda que um brasileiro pode receber da Presidência da República, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito "pelo reconhecimento ao destacado trabalho nas artes cênicas brasileiras".


https://www.academia.org.br/noticias/fernanda-montenegro-toma-posse-na-academia-brasileira-de-letras

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sexta-feira, 25 de março de 2022

O PRAZER – Gibran Khalil Gibran




O Prazer

 

            Então, um ermitão que visitava a cidade uma vez por ano, acercou-se e disse: “Fala-nos do Prazer”.

            E ele respondeu dizendo:

            “O prazer é uma canção de liberdade,

            Mas não é a liberdade.

            É o desabrochar de vossos desejos,

            Mas não é a sua fruta.

            É um abismo olhando para um cume,

            Mas não é nem o abismo nem o cume.

            É o engaiolado ganhando o espaço,

            Mas não é o espaço que o envolve.

            Sim, na verdade o prazer é uma canção de liberdade.

            E de bom grado eu vos ouviria cantá-la de todo o vosso coração; porém, não gostaria que perdêsseis vosso coração no canto.

            Alguns de vossos jovens procuram o prazer como se fosse tudo na vida, e são condenados e repreendidos.

            Eu preferiria nem condená-los, nem repreendê-los, mas deixá-los procurar.

            Pois encontrarão o prazer, mas não só ele.

            Sete são suas irmãs, e a última dentre elas é mais bela que o prazer.

            Não ouviste falar do homem que cavava a terra à procura de raízes e descobriu um tesouro?

 

            E alguns de vossos anciãos recordam seus prazeres com remorso, como se fossem erros cometidos num estado de embriaguez.

            Mas o remorso é o escurecimento da alma e não o seu castigo.

            Deveriam, antes, recordar seus prazeres com gratidão, como recordariam uma colheita de verão.

            Todavia, se acharem conforto no remorso, deixemo-los se confortarem.

            E há entre vós aqueles que não são jovens para procurar, nem velhos para recordar.

            E no seu temor de procurar e recordar, desprezam todos os prazeres por medo de afugentar ou ofender o espírito.

            Porém, na sua renúncia está seu prazer.

            E, assim, eles também descobrem um tesouro embora cavem com mãos trêmulas à procura de raízes.

            Mas, dizei-me, quem é que pode ofender o espírito?

            Ofende o rouxinol a quietude da noite, ou o pirilampo, as estrelas?

            E poderá vossa flama ou vossa fumaça sobrecarregar o vento?

            Crede que o espírito é um poço tranquilo que podeis perturbar com um bastão?

 

           Muitas vezes, ao negardes a vós mesmos um prazer, nada mais fazeis do que represar vosso desejo nos recessos de vosso Eu.

            E quem sabe se o que parece omitido hoje não espera pelo amanhã?

            Mesmo vosso corpo conhece sua herança e seus direitos, e vós não o podeis iludir.

            E vosso corpo é a harpa de vossa alma;

            A vós pertence tirar dele música melodiosa ou ruídos dissonantes.

 

            E agora vós perguntais em vosso coração: ‘Como distinguiremos o que é bom no prazer do que é mau?’

            Ide, pois, aos vossos campos e pomares e, lá, aprendereis que o prazer da abelha é sugar o mel da flor,

            Mas que o prazer da flor é entregar o mel à abelha.

            Pois, para a abelha, uma flor é uma fonte de vida.

            E para a flor, uma abelha é uma mensageira de amor.

           E para ambas, a abelha e a flor, dar e receber o prazer é uma necessidade e um êxtase.

            Povo de Orphalese, nos vossos prazeres, imitai as flores e as abelhas.”

 

(O PROFETA)

Gibran Khalil Gibran

 

Gibran Khalil Gibran - Poeta libanês, viveu na França e nos EUA. Também foi um aclamado pintor. Seus textos apresentam a beleza da alma humana e da Natureza, num estilo belo, místico, conseguindo com simplicidade explicar os segredos da vida, da alegria, da justiça, do amor, da verdade.

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O PRECURSOR

 

          Gibran foi sempre atraído pela ideia de que há, dentro de cada um de nós, um Eu maior, destinado a revelar-se um dia e a vencer.

          Cada um de nós é assim o precursor de si mesmo.

          E para chegar ao alvo, precisamos conhecer o caminho.

          Este livro procura sugerir o caminho através de duas preleções e 23 parábolas, todas escritas no estilo mágico de Gibran e variando em extensão de quatro linhas a quatro páginas.

          Dá ideia da beleza e força das imagens a curta história do catavento:

          “Disse o catavento ao vento: - Como és enfadonho e monótono! Não podes soprar numa outra direção a não ser no meu rosto? Perturbas a estabilidade que Deus me deu.

          E o vento não respondeu. Riu-se, apenas, no espaço.”

         

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