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segunda-feira, 31 de maio de 2021

RAZÃO E PAIXÃO – Gibran Khalil Gibran

 


Razão e Paixão

 

            E a sacerdotisa falou novamente e disse: “Fala-nos da Razão e da Paixão”.

            E ele respondeu, dizendo:

            Vossa alma é frequentemente um campo de batalha onde vossa razão e vosso juízo combatem contra vossa paixão e vosso apetite.

            Pudesse eu ser o pacificador de vossa alma, transformando a discórdia e a rivalidade entre vossos elementos em união e harmonia.

            Mas como poderei fazê-lo, a menos que vós próprios sejam também pacificadores, mais ainda, enamorados de todos vossos elementos?

            Vossa razão e vossa paixão são o leme e as velas de vossa alma navegante.

            Se vossas velas ou vosso leme se quebram, só podereis ficar derivando ou permanecer imóveis no meio do mar.

            Pois a razão, reinando sozinha, restringe todo impulso; e a paixão, deixada a si, é um fogo que arde até sua própria destruição.

            Portanto, que vossa alma eleve vossa razão à altura de vossa paixão, para que ela possa cantar;

            E que dirija vossa paixão a passo com a razão, para que ela possa viver numa ressurreição cotidiana e, tal a fênix, renascer de suas próprias cinzas.

            Gostaria de que tratásseis vosso juízo e vosso apetite como trataríeis dois hóspedes amados em vossa casa.

            Certamente não honraríeis a um hóspede mais do que ao outro; pois quem procura tratar melhor a um dos dois, perde o amor e a confiança de ambos.

           

            Entre as colinas, quando vos sentardes à sombra fresca dos álamos brancos, partilhando da paz e da serenidade dos campos e dos prados distantes, então que vosso coração diga em silêncio: “Deus repousa na Razão”.

            E quando bramir a tempestade, e o vento poderoso sacudir a floresta, e o trovão e o relâmpago proclamarem a majestade do céu, então vosso coração diga com temor e respeito: “Deus age na Paixão”.

            E já que sois um sopro na esfera de Deus e uma folha na floresta de Deus, também devereis descansar na razão e agir na paixão.

 

(O PROFETA)

Gibran Khalil Gibran

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Gibran Khalil Gibran
 - Poeta libanês, viveu na França e nos EUA. Também foi um aclamado pintor. Seus textos apresentam a beleza da alma humana e da Natureza, num estilo belo, místico, conseguindo com simplicidade explicar os segredos da vida, da alegria, da justiça, do amor, da verdade.

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VIDA E OBRA DE GIBRAN (5)

1905-1920 Gibran escreve quase que exclusivamente em árabe e publica sete livros nessa língua: 1905, A Música; 1906, As Ninfas do Vale; 1908, As Almas Rebeldes; 1912, As Asas Partidas; 1914, Uma Lágrima e um Sorriso; 1919, As Procissões; 1920, Temporais. (Após sua morte, será publicado um oitavo livro, sob o título de Curiosidades e Belezas, composto de artigos e histórias já aparecidas em outros livros e de algumas páginas inéditas).

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domingo, 30 de maio de 2021

QUANDO A VERDADE VEM DOS HEREGES – Plinio Maria Solimeo

Plinio Maria Solimeo


Desde os tempos do heresiarca Lutero, eclesiásticos alemães vêm fazendo contestações cada vez maiores à doutrina tradicional da Igreja. Elas atingiram hoje tal virulência, que os aproximam de um verdadeiro cisma.

Isso tem chamado atenção e escandalizado até pessoas dos meios mais contrários ao catolicismo, como luteranos. É o que demonstra Edward Pentin em informativo artigo publicado no National Catholic Register.

O consciencioso jornalista traz nesse sentido declarações de Alexander Garth [foto acima], pastor da igreja onde Martinho Lutero costumava pregar, a qual é conhecida como “Igreja Mãe da Reforma”. Analisando Pentin o que se passa hoje entre os bispos alemães mais avançados, ele diz que Garth “alertou que o caminho sinodal da Igreja [Católica] alemã é o ‘caminho errado’, que está ‘forçando a protestantização da Igreja Católica’”. Isso que é dito por um dos protestantes mais representativos do mundo, só não é visto pelos católicos progressistas.

As declarações de Garth foram reproduzidas na carta que ele enviou ao mensário alemão Vatican Magazin, na qual afirma que estava “observando com preocupação” o Caminho Sinodal dos bispos alemães e o movimento feminista Maria 2.0, também conhecido como “Greve na Igreja”, formado por mulheres soi-disant católicas. O movimento exige o acesso das mulheres a todos os ministérios da Igreja, a abolição do celibato clerical e um esclarecimento cabal sobre os casos de abuso de menores na Igreja. Exigências de um movimento feminista incomodado com o celibato dos padres e cujos fundadores deixaram a Igreja…

Afirma o pastor Alexandre Garth:“A democratização de uma igreja nacional sempre significa que um cristianismo populista e mínimo se torna o padrão eclesial que leva à banalização de toda a igreja e à diluição do evangelho”. Com a mais insofismável lógica, escreve Pentin, citando o pastor: “Esses ‘reformadores’ na Igreja Católica — acredita o Rev. Garth — deveriam se tornar protestantes porque nas igrejas protestantes ‘você encontrará tudo aquilo pelo que está lutando: mulheres sacerdotes, uma constituição sinodal, pastores casados, feminismo’”.

Entretanto, o pastor alerta com toda honestidade que “o estado espiritual e físico da Igreja Protestante é muito pior, e que as repercussões da secularização são ainda mais devastadoras do que na Igreja Católica”.


O que é esse “Caminho Sinodal” da Igreja na Alemanha? Segundo fontes dos bispos alemães, esse “Caminho” busca “tratar de temas que vão da questão de abuso sexual por parte do clero à reflexão sobre o estilo de vida dos sacerdotes, passando pelas dificuldades em aceitar os princípios da moral sexual ao problema de uma comunidade que envelhece e teme mudanças geracionais”. Por isso, entre os temas tratados, está “o poder e divisão de poderes na Igreja [uma “democratização”, com maior participação das mulheres], a vida do sacerdote de hoje [fim do celibato obrigatório], [o papel das] mulheres nos ministérios e nas funções da Igreja 
[sacerdócio feminino], viver o amor na sexualidade e na vida do casal” — quer dizer, esse “amor na sexualidade” pode sugerir até aquele entre pessoas do mesmo sexo e, sobretudo, uma mudança da moral sexual tradicional na Igreja.

Além disso, há bispos alemães que advogam a admissão à Sagrada Comunhão não só de homossexuais e de divorciados em segundas ou terceiras núpcias, mas também de protestantes.

O curioso é que, na citada carta, o pastor Garth se descreve “como um protestante de coração católico e pastor no púlpito de Martinho Lutero”. Segundo Pentin, Garth considera a protestantização da Igreja Católica “um grande infortúnio, pois este mundo precisa do católico com perfil da espiritualidade católica, com fidelidade ao Papa, devoção mariana e o exemplo dos santos da Igreja”.

Tudo o que os progressistas contestam hoje em dia! Parece que ele não poderia ir mais longe. Mais foi ao dizer que o mundo cristão “precisa da identidade católica, porque seria uma grande perda para a cristandade se a cor católica da fé perder a sua intensidade”. O que infelizmente está acontecendo com a “autodemolição” e com a “fumaça de Satanás” que penetrou no seio santíssimo da única e verdadeira Igreja.

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Fonte: Pastor da Igreja de Lutero: Caminho Sinodal é o ‘Caminho Errado’| Registro Católico Nacional (ncregister.com)


https://www.abim.inf.br/quando-a-verdade-vem-dos-hereges/

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (233)

Solenidade da Santíssima Trindade | domingo, 30 de maio de 2021


Anúncio do Evangelho (Mt 28,16-20)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.

— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado.

Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram.

Então Jesus aproximou-se e falou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

https://liturgia.cancaonova.com/pb/

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Evangelho:


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Levemos a vida em nome da Santíssima Trindade

Andrei Rublev

“Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mateus 38,19).

 

Com grande alegria no coração, celebramos, hoje, o nosso Deus. É claro que todos os dias celebramos Deus em nossa vida, mas hoje queremos, acima de tudo, celebrar aquilo que é a identidade d’Ele.

O nosso Deus é único, não há outro. Não há outro além d’Ele, nem abaixo nem acima d’Ele, porque o nosso Deus é único, criador de todas as coisas. Ele que nos ama, que nos salva e santifica. O Deus de Moisés, de Abraão, de Isaac e Jacó, o Deus de nossos pais, é esse Deus que nós amamos, e não há outro.

Esse Deus, que é único, manifesta-se a nós, e nós O conhecemos nas três pessoas que fazem parte dessa única realidade. As três pessoas divinas vivem uma comunhão tão sublime de amor, que não são três deuses jamais, eles não se dividem, mas cada um tem a sua identidade, porque o Pai é Pai, o Filho é Filho e o Espírito Santo é o Espírito Santo, e eles vivem essa comunhão de amor de uma forma tão sublime que não se dividem, mas também não se confundem.

É em nome da Santíssima Trindade que devemos levar a vida, que devemos viver e realizar todas as coisas

As três pessoas são um único e verdadeiro Deus. Conhecemos da revelação que Deus criou todas as coisas e as provas do Seu amor estão em todo o Universo, está em toda obra criada. Vemos que esse Deus nos criou à Sua imagem e semelhança, e esse Deus, quando nos viu tomado pela escravidão do pecado, enviou-nos Seu próprio Filho para ser o nosso Salvador e Libertador.

Foi o Espírito que nos falou do Pai, que nos apresentou o Pai, e esse mesmo Filho nos deu o Espírito de amor.

Celebramos o Deus Uno e Trino, e Ele mesmo está nos ordenando, através da boca do Seu Filho Jesus, que fossemos batizados na autoridade e no poder do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É em nome da Trindade Santa, a Santíssima Trindade, que devemos levar a vida, que devemos viver e realizar todas as coisas.

Glorifiquemos o Deus Uno e Trino, levemos a vida em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Glorifiquemos, demos glórias ao Pai, glórias ao Filho e ao Espírito, como era no princípio, agora e sempre. Amém.

Deus abençoe você!


Padre Roger Araújo

Sacerdote da Comunidade Canção Nova, jornalista e colaborador do Portal Canção Nova. 

Contato: padrerogercn@gmail.com – Facebook

 

https://homilia.cancaonova.com/pb/


sábado, 29 de maio de 2021

O POETA INFANTIL FERNANDO PESSOA - Cyro de Mattos

 



O Poeta Infantil Fernando Pessoa

Cyro de Mattos

 

Alguns autores que se notabilizaram na literatura mundial com livros escritos para o leitor crítico também se destacaram quando criaram histórias e versos destinados ao receptor infantojuvenil. Henry Miller escreveu O Sorriso ao pé da escada (1948), a história do palhaço Augusto, que sofria por ser ele e ser o outro vivendo de levar alegria ao mundo. Charles Dickens deixou como obras de literatura para jovens os clássicos David Copperfield (1849-1850) e Oliver Twist (1837). Sophia de Mello Breyner Andresen é autora, entre outros, das belas histórias de A menina do mar (1977, Portugal) e A floresta (1977, Portugal). Juan Ramon Jimenez deixou-nos um livro cativante ao escrever a história de Platero, um burrinho mimoso, que tinha o pelo fofo como algodão.

Fernando Pessoa, o poeta fingidor, que de tanto fingir não sabia se era dor o que de fato sentia, também fez poemas para crianças. O livro Comboio, saudades, caracóis (1968), organizado pelo professor e escritor português João Alves das Neves, reúne dez poemas escritos em tenra idade pelo poeta dos heterônimos. São os seguintes: “À minha querida mamã”, “Havia um menino”, “A íbis”, “O carro de pau”, “Levava um jarrinho”, “Pia, pia, pia”, “No comboio descendente”, “O soba de Bicá”, “Poema Pial” e “Saudades”.

Em todos esses poemas acontece a harmonia da forma espontânea com o ritmo que arrasta, encanta e prende.  Esta é a primeira vez que se tem no Brasil a oportunidade de entrar em contato com Fernando Pessoa publicado em livro na condição de autor de poemas para meninos, embora a criança seja tema ou referência na sua poesia adulta.

O primeiro poema deste precioso pequeno livro, “À minha querida mamã”, escrito em 26.7.1895, quando o poeta tinha apenas sete anos de idade, segundo João Alves das Neves, mostra graça e delicadeza em quatro versos de rimas fáceis, nos quais a sensibilidade e a imaginação do menino já prenunciam esse fenômeno da poesia ocidental que é Fernando Pessoa, o criador dos famosos heterônimos Alberto Caieiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, poetas que têm voz e biografia próprias.  

Eis o que diz o poeta menino à sua querida mamãe:

 

Ó terras de Portugal

Ó terras onde eu nasci

Por muito que goste delas

Inda gosto mais de ti. 

 

Em “Havia um menino”, o riso que cada verso provoca vai puxando o leitor para a surpresa que se revela com ainda mais graça no final do poema, porque o caracol no chapéu para pôr na cabeça por causa do sol era do cabelo.

Vejam agora quanto humor fino de uma sensibilidade infantil, mesclado de leveza e graça, aflora neste desenho poético de “A íbis”, a ave do Egito:



 Pousa sempre sobre um pé

O que é esquisito.

É uma ave sossegada

Porque assim não anda nada.

 

Em “O carro de pau”, o motivo inspirador do poema é a morte, assunto que seria abordado muitas vezes pelo poeta de Mensagem posteriormente, fazendo pulsar seu ritmo estranho na mente do homem atormentado, diante do inexorável com o seu peso do mundo e o vazio de tudo. “Levava um jarrinho”, o terceiro poema do livro, que é ilustrado pela desenhista Cláudia Scatamacchia, é uma obra-prima. As cenas que a vivacidade do menino poeta inventa provocam o riso suscitado pelas imagens de cada verso, cada uma mais engraçada do que a outra. “Saudades” é outra joia de delicadeza e simplicidade. Aqui, o menino Fernando Pessoa fala com sabedoria dessa palavra que tanto ressoa na alma portuguesa quando está distante.

Saudades, só portugueses

Conseguem senti-las bem,

Porque têm essa palavra

Para dizer que as têm

 

A leitura desses significativos poemas infantis, enfeixados em Comboio, saudades, caracóis, mostra em boa hora que a alma de Fernando Pessoa estava acesa desde bem cedo com os raios da beleza, ternura e graça. Nestes versos íntimos da infância, uma nova faceta é revelada deste poeta magnífico, reconhecido como um dos maiores da humanidade, tradutor, no fundo de cada gesto, das nossas angústias que passam pela roda do eterno.

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* “Encontros com Fernando Pessoa”, do livro Kafka, Faulkner, Borges e Outras Solidões Imaginadas, Cyro de Mattos, EDUEM, editora da Universidade Estadual de Maringá, Paraná, no prelo.

     Comboio, saudades, caracóis, Fernando Pessoa, poemas infantis, organização João Alves dos Santos, Prêmio Ofélia Fontes – FNLIJ, Editora FTD, São Paulo, 1988.

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Cyro de Mattos é escritor e poeta. Publicado por várias editoras na Europa. Premiado no Brasil, Itália, Portugal e México. Membro da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela UESC.

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quinta-feira, 27 de maio de 2021

TINHA O NÚMERO NA MEMÓRIA – Ariston Caldas

 


          Um telefonema.

          Fechou a revista e a sobrepôs à carteira, dirigindo-se depois para o aparelho, calmo, cantarolando uma cantiga do seu tempo de menino.

          “Alô”. Era Laura. “Quem?”

          Não acreditou; havia tanto tempo, anos a fio. “Não está acreditando! Sou eu mesma”.

          Por quê? Dez anos não são dez dias; nem saudade existia mais, somente algumas lembranças a esmo, soltas, sem nenhuma emoção. Até mesmo aquela raiva forte havia sumido pelo vento. Mas agora voltava a voz de Laura, autêntica, doce, quase cantante a momentos; o retorno de alguns flagrantes, o perfume que ela gostava depois do banho. “Alô, é Laura”.

          Conhecera outras Lauras, mais de duas; a que lhe telefonava, porém, fora a única, dona da vida dele, dos afazeres, de seu destino. “Volto amanhã, estou na Conselheiro Rui Barbosa, 146”.

          Pensou perguntar alguma coisa a Laura; “o quê?” Não havia nenhum assunto, nem velho nem novo, nem interesse que o houvesse não; tudo agora era outra coisa, outro mundo entre os dois. Guardou o endereço na memória, particularmente o número; pensou anotá-lo, mas confiou na memória. Lembrou do tempo de colegial quando decorava de ponta a ponta qualquer lição, com facilidade; era elogiado, assim, pela professora, por muitos colegas, invejado por outros.

          Praticamente não tinha nada agora para dizer a Laura; passado obscuro, ausência, distância. Recordou, porém, como sombra, ela encostada numa amendoeira do quintal, arrochada pelo vizinho, sujeito que ninguém o diria capaz. Até isso não passava de imagem apagada pelo tempo, uma caricatura, mesmo como causa da separação. Ia ver Laura, assim, sem nenhum constrangimento. No outro dia ela estaria voltando para a Argentina. Gostaria de vê-la.

          Encaminhou-se para a Conselheiro Rui Barbosa; rua comprida, cheia de edifícios altos, magazines de luxo, agências bancárias, lanchonetes, bancas de revistas, trânsito intenso de veículos. Avistou o prédio de número 126; “está perto”. Olhava pelo lado dos números pares; mais alguns edifícios e chegaria ao 146. Chegou.

          Era uma casa grande, em ruínas, antiga, cupim pelos postigos das janelas fechadas, dois edifícios ladeando-a; olhou para as cornijas estragadas, cheias de manchas escuras; para as soleiras de mármore sujas nas portas e janelas arqueadas como de igreja colonial. Seria ali. Laura. Não anotara o número, mas o tinha gravado na memória, claro, como o fazia com as lições no tempo do colégio; tanto que até agora as guardava na cachola, como o descobrimento do Brasil, como os nomes dos navegadores, das naus, o atracamento em Porto Seguro. “Vou bater na porta”. O fez, desconfiado, com medo de ser considerado doido; a casa antiga, suja, fechada, roída pelo cupim. Bateu algumas vezes, olhava para trás; “este sujeito é maluco”. Laura. Nem sombra de ninguém.

          Atravessou para o outro lado da rua, perguntaria numa banca de revistas em frente; “não, senhor, ali não mora ninguém”.

          Levantou a cabeça e ficou mirando um edifício à esquerda da casa velha, número 144. Quantos andares? Contou até o meio. Oito. Janelas envernizadas, vidros em cores, limpos. Junto ao edifício a casa parecia-lhe mais atarracada. “O senhor tem certeza?” O homem das revistas falou: em torno de três anos, nunca morou ninguém ali. Será que havia confundido casa com edifício? O 146 seria número de casa ou de apartamento? Acreditava na memória; “nunca falhou, desde o tempo do colégio”.

          Depois de ir e voltar, atravessar pra lá e pra cá, teve a ideia de informar-se numa lanchonete. “Não mora ninguém”.

          Lembrou que meninos de rua sabem das coisas, mas não havia nem um menino de rua no local. Mas tinha certeza sobre o número; ora, perfeitamente. Mas havia somente uma casa velha fechada, cheia de cupim. Sobre o número, nem tinha dúvida, era aquele, o sentia fresco na cabeça, através da fala sutil de Laura pelo telefone sem ruído. Impressão, nenhuma. Certo que estava esquecido dela, da fala, mas reconheceu tudo de repente, rememorou até a cena em baixo da amendoeira. No momento do telefonema estava tranquilo lendo uma revista; guardou perfeitamente o timbre da voz de Laura lhe dizendo o número.

          Por que no local havia uma casa velha, desabitada, cheia de cupim pelos postigos? “Não mora ninguém”. Insistir novamente sobre o inusitado assunto, seria inútil. No dia seguinte Laura estaria voltando para a Argentina. Não havia uma pessoa que pudesse ajudá-lo. Mesmo assim andou perambulando o resto da tarde, e à noite voltou para o escritório; antes de sair de lá o telefone tocou. Ligação errada.

          A custo conseguiu dormir. Sonhou com Laura, ele anotando num pedaço de papel o número 146. Amanheceu com a cabeça zonza lembrando da casa velha ruída pelo cupim, onde não morava ninguém, onde Laura nunca teria se hospedado. “Teria sido o espírito dela zanzando por aqui?” Pensou, em última análise.

 


LINHAS INTERCALADAS

Ariston Caldas


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quarta-feira, 26 de maio de 2021

AGITAÇÃO INSANA DAS ‘LIVES’ CONTRAPOSTA À PAZ NO CONVÍVIO MEDIEVAL - Luis Dufaur



Luis Dufaur

 

          Quando videoconferências, teletrabalho e sistemas semelhantes de home office substituem o relacionamento humano, as pessoas sofrem de exaustão e até de esquizofrenia. Sobretudo com o uso intensivo e cotidiano de tais sistemas, como acontece nesses dias de confinamento, segundo se deduz do artigo da psicóloga e pesquisadora da PUC-SP, Katty Zúñiga, publicado numa reportagem da “Folha de Pernambuco”: “Cada vez mais as pessoas se queixam de se sentirem cansadas ou esgotadas nessa nova realidade em que a casa se tornou o local para se fazer tudo”.

A fadiga do ‘zoom’

      ‘Zoom fatigue’ é a denominação atribuída recentemente à fadiga causada pelo Zoom, uma plataforma muito usada nos encontros virtuais ou ‘lives’. O mosaico de muitas caras de pessoas conectadas sobrecarrega o cérebro. Explica a psicóloga: “Presencialmente, as reuniões de trabalho, ou mesmo as salas de aula, são permeadas por momentos de distração, descontração. Já no online, não há isso, e a parte cognitiva fica em constante estado de atenção”. O fato de não seguir os padrões humanos da convivência exige uma hipervigilância, que no fim do dia se revela devastadora.

      O atraso entre a fala e a escuta na transmissão de dados, e a falta de liberdade de movimentos que a câmera ligada induz, aumentam o desgaste, afirma Marcos Oreste Colpo, psicólogo e professor da PUC-SP: “Quando você está conversando presencialmente, o corpo também fala, mostra inquietações. Nesses sinais, você aprende sobre o outro, percebe aprovação ou reprovação”.

      Quando ele ministra aulas remotas, os alunos desligam as câmeras, morrendo o relacionamento no grupo, que fica sem reações afetivas. Isto é devastador para a psique humana, que não funciona como circuitos eletrônicos, mas é um espírito vivo.

Problemas na visão

Danilo Soriano, doutor em oftalmologia da USP, explica que a longa exposição à luz da tela do computador tem efeitos oculares que acentuam a exaustão: “Prestar atenção nas telas por horas seguidas faz que a gente fique muito tempo sem piscar”, aumentando a chance de ressecamento ocular e de presbiopia, ou ‘vista cansada’. Soriano recomenda soluções paliativas: uma pausa caso os olhos fiquem irritados, ardendo ou lacrimejando; lubrificá-los para evitar um cansaço excessivo; ou usar um protetor de tela.

      “Os smartphones já tinham nos colocado numa tensão constante”, afirma Zúñiga. Mas não se revelou verdadeira a ideia de que permanecer no lar é melhor: “Ao contrário, as pessoas estão ainda mais sobrecarregadas nas suas casas”. A psicóloga recomenda conferir se é o caso de deixar a conversa para depois, ou então marcar um horário: “A melhor coisa é ser sincero e dizer que não pode falar naquele momento, sem rodeios”.

Fim do relacionamento

      O especialista em comportamento André Spicer afirma que as videochamadas tornam irreais os contatos. Diante da tela perdemos muitos sinais indispensáveis na vida real, como o cheiro da sala ou detalhes em nossa visão periférica. Esses dados adicionais nos ajudam a entender o que se passa. Quando eles inexistem, nosso cérebro multiplica o trabalho para entender, e às vezes chega a uma conclusão errada. Por exemplo, um estudo do desempenho virtual de candidatos em entrevistas de emprego mostrou resultados piores que quando entrevistados presencialmente.

      Outro estudo descobriu que num seminário virtual os médicos se concentravam no apresentador, e só no comparecimento presencial focavam a razão de ser do encontro. Os juízes que deviam julgar casos de refugiados por asilo mostravam-se inseguros nas entrevistas por vídeo, além de seu entendimento ser pior. Descobertas as fraquezas do método, as partes são propensas a enganar os juízes, que ficam menos capazes de detectar as falsidades.

      Na conversa online se perde o contato com a personalidade, porque “não há espaço para um papinho paralelo, um comentário baixinho para um amigo que está no bar com você, ou um olhar atravessado para um colega de trabalho que vai lhe entender do outro lado da mesa. Quando você chega numa reunião no escritório, tem aquele papo no café, tem um tititi antes. Esse tititi, em geral, nós perdemos [no online]. Não tem um social que envolve o trabalho, não tem como olhar na expressão das pessoas se aquilo causou algum incômodo ou tédio. Com tanta gente, você perde a individualidade”. É o que explica a psicóloga Maluh Duprat, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da PUC-SP. Também diminui nossa capacidade de ‘medir a temperatura’ do ambiente da conversa. Sem uma leitura corporal, é difícil saber se a fala é bem-vinda, quando encerrá-la ou outras decisões ditadas pela percepção das atitudes psicológicas.

      No contato virtual, os colegas de trabalho ou os alunos de um curso perdem a sensação de pertencerem a um grupo. Estudos observaram que assim os mestres não podem ‘ler’ a sala de aula ou a equipe de estudo; isso é danoso para a interação aluno-professor; e gera piores desempenhos. Para os chefes o dano é maior, pois não podem julgar a acolhida dos empregados ou dependentes, não conseguem encontrar expressões de concordância, desacordo ou tédio.

      Quem modera uma ‘live’ fica facilmente perdido, diz Duprat. Pode ser que o outro desligue a câmera porque tinha uma necessidade, ou foi embora por desgosto: “Você não tem como saber se o sujeito foi fazer outra coisa, ou o quanto dele está ali”.


Funcionária do Capitólio da Virgínia, nos EUA, monitora uma reunião de Zoom entre membros da Casa.

Presença, papel e caneta levam a melhor

      Os intérpretes da ONU e da União Europeia sentem-se escravizados pelo sistema. E os terapeutas dizem que “perdem a conexão” com seus pacientes nas consultas por vídeo (telemedicina). Outra análise verificou que os funcionários remotos padecem uma forma de exílio, pois se sentem esquecidos. Spicer recomenda arranjar outras atividades durante uma ‘live’: fazer pausas; afastar-se da tela para refletir e se recuperar; desligar a câmera; considerar que há formas de comunicação mais eficientes que as videoconferências.

      Há momentos em que funciona melhor não ter comunicação e permanecer em silêncio. Até papel e caneta levam vantagem, pois constatou-se que um agradecimento escrito manualmente deixa os destinatários muito mais felizes.

Sedentarismo danoso

      Longas horas em ‘lives’ levam a um nível prejudicial de sedentarismo. Mesmo as pessoas não ativas sofrem agora com a falta de pausas para alongamentos, beber água, até para ir ao banheiro. Os intervalos para o cafezinho são escassos, e o tempo para fazer algum exercício é quase nulo. Por isso o Prof. Jeremy Bailenson, que liderou estudo da Universidade Stanford, julga necessário fazer pausas periódicas para refrescar o corpo e a mente. Segundo a neurocientista Thaís Gameiro, doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enquanto funcionarem plataformas como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams, alertas de exaustão estarão sendo enviados para o seu cérebro.

      De todas as empresas procuradas pela reportagem do caderno LINK do jornal “Estado de S. Paulo” (abaixo citada), apenas o Google não se pronunciou. A Zoom acolheu conselhos para moderar o uso de sua plataforma. A Microsoft pesquisa desde o ano passado os danos das ‘lives’ aos usuários. Mas parece pouco. Pelo jeito, a única saída é adotar pausas para caminhar, ir ao banheiro e beber água periodicamente; e, sempre que possível, ficar com a câmera desligada. Reservar um local de trabalho para as chamadas virtuais também pode ajudar o corpo a entender quando é hora de descanso e quando é hora de trabalho.

A memória rateando

      Ronald Fischer, psicólogo e pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) da Victoria University de Wellington, Nova Zelândia, afirma: “No Zoom, Teams, Skype ou outro, muita informação visual é cognitivamente cansativa. […] Estudos demonstram que a memória funciona melhor quando se liga a ambientes específicos. Quando voltamos àquele ambiente, ele nos ajuda a recordar a experiência. Sem ambiente fica mais difícil para o nosso cérebro guardar todas essas reuniões”.

      Pequenos atrasos na conexão afetam negativamente a forma como vemos uns aos outros. Um delay de 1,2 segundos traz ao nosso subconsciente a impressão enganosa de que a outra pessoa é menos amigável. Afinal, o outro pode montar um ambiente artificial, ou introduzir um fundo de tela que não tem nada a ver com o local em que está, e mudá-lo como preferir. Outro estudo mostrou que o distanciamento reduz a empatia pelo próximo. “A esquisitice aumenta se as pessoas não estão familiarizadas umas com as outras. Elas não têm conhecimento prévio da personalidade do outro ou como ele fala”, afirma a pesquisadora Katrin Schoenenberg.

Por que é cansativa a tela virtual



No site TAB Reporteres na rua, Luiza Pollo chegou a uma conclusão mais direta: “Todo mundo está exausto de conversar por vídeo”. Já para Fischer, sentir-se extenuado depois de uma longa conversa por vídeo é normal, sendo o estresse diretamente proporcional ao número de participantes da ‘live’. Nosso cérebro fica atento principalmente a pessoas e animais, a seus movimentos ou gesticulações. Nós prestamos sempre atenção às expressões faciais e aos movimentos dos colegas, e até dos pets. Isso é muito “diferente de olhar para uma única pessoa falando por vez; no computador ou no celular, todos estão te encarando” – ou, pelo menos, essa é a sensação.

      Elisa Brietzke, psiquiatra e professora da Escola Paulista de Medicina, explica que o cérebro precisa reconhecer sinais corporais que complementam a fala. Mas as ‘lives’ eliminam tudo o qu caracteriza uma conversa presencial: falar, gesticular, fazer caretas etc., são coisas que compõem a sobrevivência do relacionamento humano.

      O caderno LINK, do “Estado de S. Paulo”, apresenta conclusões análogas. Por exemplo, Gabriela Costa, 25, professora de inglês e mestranda em Geografia, sofreu utilizando o sistema Zoom nas suas salas de aula. “A gente fica muito mais cansada. Quando termina a aula, só me jogo na cama”. A Dra. Thaís Gameiro explica que a sensação de estar sendo monitorada por muito tempo tira o conforto do contato presencial. “Diante da tela, ficamos olhando o tempo todo para o nosso rosto como se a gente estivesse olhando para um espelho. O usuário pode correr o risco de se desconectar mentalmente do que está fazendo para se analisar”. Assim o explica Sylvia van Enck, especialista em dependência de Tecnologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Segundo ela, a nossa própria imagem transmitida na tela joga contra. A Dra. Thaís completa, dizendo que ficar a maior parte do tempo se olhando pode entrar na conta da fraqueza extrema.

Conselho dos especialistas: evitar o vídeo

      No final de fevereiro de 2020, uma pesquisa da Universidade Stanford mostrou que a exposição excessiva às videochamadas é prejudicial a curto e longo prazo. Entre os sintomas estão dores de cabeça, depressão e crises de ansiedade. Por isso, o conselho dos especialistas é evitar o vídeo.

      O Prof. Bailenson liderou a pesquisa e detectou vários fatores degradantes da percepção. O primeiro é uma espécie de estresse, por tornar-se o “centro das atenções”. Cada participante recebe o tempo inteiro os olhares do grupo postos sobre ele, e um painel de teleconferência pode ter dezenas de olhares diferentes e/ou desconhecidos.

      A pesquisa de Stanford vai além da recomendação, e é categórica: desligue a própria imagem. Bailenson afirma: “No mundo real, se alguém estivesse seguindo você constantemente com um espelho, de forma que enquanto estivesse falando com as pessoas você estivesse se vendo num espelho, isso seria loucura”.

O equilíbrio necessário

      No seu conjunto, as conclusões dos autores citados são válidas e úteis como advertências, pois abordam as consequências negativas do uso intensivo, muitas vezes abusivo, de instrumentos desenvolvidos na esteira de uma mentalidade moderna, superconectada, revolucionária. Evidentemente, tudo isso pode trazer consigo consequências indesejáveis como as que foram apontadas. No entanto, considerados em si mesmos, esses instrumentos podem se prestar ao uso útil, sério, necessário, quando feito moderadamente e sem os abusos aos quais também se prestam.

      Entre os muitos efeitos de uma guerra, como um exemplo analógico, pode ser destacado o conjunto de ruídos ensurdecedores produzidos por bombas, aeronaves, canhões, tanques de guerra e toda a parafernália, que no entanto é indispensável para enfrentar e derrotar o inimigo. Além das mortes, destruições e outros prejuízos conhecidos, constam também no campo médico as neuroses de guerra e outros males como endemias, epidemias e pandemias, muitas das quais surgiram depois das guerras, como suas consequências diretas ou indiretas. E grandíssima parte dos atingidos nem sequer participou do esforço de guerra.

      O mesmo se pode dizer sobre outros utensílios aceitos e de uso generalizado, como computadores, celulares, televisões, rádios, automóveis. A decisão de utilizar ou não tais instrumentos úteis, mas potencialmente perigosos para os incautos, cabe portanto a cada um.


O sossego, a estabilidade, a tranquilidade e o gosto de viver, caraterísticas da sociedade em geral durante a Idade Média

Lucidez e coerência em usar e não usar

         Sobre este assunto, transcrevemos a seguir um comentário esclarecedor do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Como se verá, ele sempre foi adepto incondicional da calma, de períodos de silêncio, da reclusão voluntária para pensar tranquilamente. Mas nunca deixou de utilizar – sempre que necessário para combater a Revolução – instrumentos que também são úteis à Revolução. E o fazia recomendando a mesma atitude aos seus seguidores, como também o fez no seu livro “Revolução e Contra-Revolução”:



“Tender para os grandes meios de ação – Em princípio, é claro, a ação contra-revolucionária merece ter à sua disposição os melhores meios de televisão, rádio, imprensa de grande porte, propaganda racional, eficiente e brilhante. O verdadeiro contra-revolucionário deve tender sempre à utilização de tais meios, vencendo o estado de espírito derrotista de alguns de seus companheiros que, de antemão, abandonam a esperança de dispor deles porque os veem sempre na posse dos filhos das trevas” (parte II, cap. VI, 1).

         Estas diretrizes, que Plinio Corrêa de Oliveira praticou eximiamente ao longo de toda a vida e recomendou aos seus seguidores em sua obra-prima, não contradizem em nada a vida plácida, pacífica, estável e tranquila que também levou e recomendou aos seus seguidores em conferência de 28-2-1991:

      “Em geral, as iluminuras da Idade Média representam o operário trabalhando no seu métier, a dona de casa cozinhando ou costurando, ou o calígrafo desenhando uma letra, com algo que eu não me farto de admirar: o sossego, a estabilidade, a tranquilidade e o gosto de viver; fazendo o mesmo trabalho que leva dias, meses, às vezes anos; sem pressa, contanto que saia perfeito.

      “Sem esse estilo de vida, o mundo enlouqueceria. O pequeno burguês, o operário qualificado ou não, o pedreiro medieval podiam passar anos cinzelando uma coluna, sem pressa, sem aflição. Paravam o trabalho na hora de rezar o Ângelus, iam para casa, encontravam a mulher preparando o jantar. Sentavam-se, os filhos se punham em torno deles, calçavam uns chinelões e contavam histórias da família, dos antepassados, da região; liam um trecho da Escritura, da vida dos Santos.

      “Essa estabilidade eu ainda peguei muito, porque em frente de minha casa, na Rua Barão de Limeira, havia um renque de casas operárias misturadas com as casas das melhores famílias de São Paulo. Eu achava a vida deles muito mais sossegada do que a nossa. E eu, que sou amigo do sossego, suspirava: ‘Afinal, eles lá ficaram com o melhor da vida’.

      “O medieval compreendia o nexo do mais alto e sobrenatural com o menor, com coisas sem importância. Uma dona de casa preparava as malas para ir passar uma temporada na casa de uma prima, lembrando de Nossa Senhora indo visitar Santa Isabel, num ambiente densamente impregnado de aroma sobrenatural”.


      Quando concluí a leitura deste texto de Dr. Plinio, perguntei-me se não estou num mundo insano de teletrabalho, videoconferências, comunicação digital, pandemias, lockdowns, políticos corruptos, crises econômicas etc. E pensei: Como seria bom estar junto a um camponês, um burguês ou um castelão, imerso naquela imensa paz e perfume sobrenatural da vida medieval. Mas para chegarmos a algo pelo menos parecido com isso, temos de empreender esforços gigantescos a fim de derrotar a Revolução gnóstica e igualitária. Sem menosprezar os recursos que a própria técnica revolucionária coloca ao nosso alcance.

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Notas: 

1. https://www.folhape.com.br/noticias/vide[1]oconferencias-e-excesso-de-chamadas- -causam-exaustao-na-pandemia/143760/ 

2. https://epocanegocios.globo.com/Carreira/ noticia/2020/06/como-videochama das-podem-te-deixar-emocionalmente- -exausto.html 

3. https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/08/por-que-todo-mundo-esta-exausto-de-conversar-por-video.htm 

4. https://link.estadao.com.br/noticias/cultura-digital,videochamadas-sao-uma-usina- -de-exaustao-e-estudo-mostra-os-motivos,70003646089 

5. Plinio Corrêa de Oliveira, conferência em 28-2-91. Sem revisão do autor.

https://www.abim.inf.br/agitacao-insana-das-lives-contraposta-a-paz-no-convivio-medieval/


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terça-feira, 25 de maio de 2021

URGENTE - PRESIDENTE DA CPI SERÁ ACIONADO NA JUSTIÇA, VEJA O QUE ACONTECEU

SEM PAREDES - Carlos Nejar


Mia Couto, o grande escritor africano, num de seus livros, conta que, quando Ho Chi Minh saiu da prisão e lhe perguntaram como conseguiu escrever versos tão cheios de ternura numa prisão tão desumana, ele respondeu: “Eu desvalorizei as paredes. Essa lição se converteu assim na minha conduta”, explicava.

Nós todos confinados pelo “coronavírus”, cercados como uma cidade, por inimigos invisíveis, com a ciência impotente, nos aconselhando apenas ao encarceramento, trocando a liberdade pela vida.

Mas é o momento de desvalorizar as paredes, ver além do muro, além desse confinamento.

Por continuarmos vivos e sobrevivermos, porque a mão poderosa de Deus descansa sobre os nossos ombros e com fé tudo isso passará.

Tudo isso fará que, futuramente, valorizemos o próximo, mesmo sem rosto, com uma nova civilização talvez não tão rica monetariamente, mas se preparando ao recesso, forte de espírito.

Esse tempo não foi em vão, tudo tem sentido, ainda que não se perceba. Lemos muito o que não líamos, aproveitamos o tempo que antes não tínhamos, temos o ensejo de maior intimidade com o Senhor do universo e nos alongamos para um novo tempo.

Apesar dos percalços, como diz a “Bíblia”: “A segunda casa será melhor do que a primeira”.

As paredes só existem quando nos impressionamos com elas, ou deixamos que nos retirem a liberdade interior. Mas há que viver “sem paredes”, como os nossos sonhos ou o desconhecido da imaginação, que sempre pode nos invadir.

Tribuna Online, 24/05/2021

 

https://www.academia.org.br/artigos/sem-paredes

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Carlos Nejar - Quinto ocupante da cadeira nº 4 da ABL, eleito em 24 de novembro de 1988, na sucessão de Vianna Moog, foi recebido em 9 de maio de 1989 pelo Acadêmico Eduardo Portella.


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segunda-feira, 24 de maio de 2021

ITABUNA CENTENÁRIA UM SONETO: O Povo Esse Desconhecido - Luiz Gonzaga Dias



O POVO, ESSE DESCONHECIDO

 

É o povo, o indivíduo coletivo,

Alma versátil, corpo de gigante,

Que tem rugidos de leão cativo,

Ou servilismo torpe, repugnante.

 

Vezes heroico, humilde, bom, passivo,

Outras vezes feroz e flamejante.

Tendo gestos de escravos redivivo,

Tendo assomos fúria apavorante.

 

Nem bom, nem mau, vivendo da esperança,

De um mundo melhor, como a criança

Sempre no anelo de melhor brinquedo.

 

Gênio complexo que ninguém entende,

O povo que a própria liberdade vende,

Desperta pena, provocando medo...

 


(IMAGENS MUTILADAS)

Luiz Gonzaga Dias


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domingo, 23 de maio de 2021

NEGRINHA BENEDITA – Cyro de Mattos



Negrinha Benedita

Cyro de Mattos

 

Por causa

dum frasco

de cheiro

apanhou

de chibata.

Os outros

assombrados

não puderam

fazer nada.

 

Sem andar

dias ficava.

Quando sarou,

falou ao vento

que ia embora.

Pelo mato

foi voando,

escapou

da cachorrada.

Teve sede,

teve fome,

levou espinho

pela cara.

 

Para trás

não olhava.

Com uma

espada afiada

que lhe deu

uma mão oculta

um dia viu

no quilombo

que ali era

a sua morada.

 

Aconteceu

que depois

a cabeça

da sinhá

amanheceu

decepada.

Ninguém viu

como se deu

na escuridão

daquela noite

a revanche

assim marcada.

Por causa

dum frasco

de cheiro

que ela pegou

pra ser cheirada.

 

Cyro de Mattos é escritor e poeta. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Comendador da Ordem do Mérito do Governo da Bahia.

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