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terça-feira, 13 de junho de 2017

JUNHO - MÊS DE MACHADO DE ASSIS (VII)

Visio  
 (1864)

Eras pálida. E os cabelos,
Aéreos, soltos novelos,
Sobre as espáduas caíam
Os olhos meio-cerrados
De volúpia e de ternura
Entre lágrimas luziam
E os braços entrelaçados,
Como cingindo a ventura,
Ao teu seio me cingiram

Depois, naquele delírio,
Suave, doce martírio
De pouquíssimos instantes
Os teus lábios sequiosos,
Frios trêmulos, trocavam
Os beijos mais delirantes,
E no supremo dos gozos
Ante os anjos se casavam
Nossas almas palpitantes

Depois... Depois a verdade,
A fria realidade,
A solidão, a tristeza;
Daquele sonho desperto,
Olhei... silêncio de morte
Respirava a natureza —
Era a terra, era o deserto,
Fora-se o doce transporte,
Restava a fria certeza.

Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
Lábios trêmulos e frios,
O abraço longo e apertado,
O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a fantasia doente.

E agora te vejo. E fria
Tão outra estás da que eu via
Naquele sonho encantado!
És outra, calma, discreta,
Com o olhar indiferente,
Tão outro do olhar sonhado,
Que a minha alma de poeta
Não vê se a imagem presente
Foi a imagem do passado.

Foi, sim, mas visão apenas;
Daquelas visões amenas
Que à mente dos infelizes
Descem vivas e animadas,
Cheias de luz e esperança
E de celestes matizes:
Mas, apenas dissipadas,
Fica uma leve lembrança,
Não ficam outras raízes.

Inda assim, embora sonho,
Mas sonho doce e risonho,
Desse-me Deus que fingida
Tivesse aquela ventura
Noite por noite, hora a hora, 
No que me resta de vida,
Que, já livre da amargura,
Alma, que em dores me chora,
Chorara de agradecida!


(CRISÁLIDAS)
Machado de Assis

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MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional

Departamento Nacional do Livro

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DIÁRIO DE VIAGEM - Francisco Benício dos Santos (4)

BORDO DO PEDRO II
4º DIA


O Rio está à vista.
O cenário empolgante da linda baía de Guanabara deixa-me em êxtase.

O sol espancando e avermelhando os altos picos com as nuanças coloridas do seu aparecimento, faz pouco a pouco aparecerem os contornos das montanhas faladas e afamadas.

 O Cristo do seu pedestal de milênios abraça as nuvens e como que querendo esmagar o sol que lhe despe a camisa de brumas numa irreverência incrível.

O gigante deitado desperta e esfrega os olhos embaciados com a neblina, como que espreguiçando-se.

Navios da esquadra como que imensos monstros marinhos arregalam brilhantes olhos que ofuscam o “Pedro II”, o qual mansamente, bravamente, vai transpondo a barra por entre as  duas fortalezas velhas e históricas.

A baía está coalhada de embarcações de todos os portes.

A Ilha das Cobras, como pequena casinha de bonecas, lá está bonitinha e mignon.

Barcas de Niterói passam velozes e cheias, superlotadas.

Silvo de rebocadores das fábricas e o bulício da cidade que vai despertando. O navio lança os dois possantes ferros.

Visitas protocolares e maçantes: da  saúde, da imprensa, da polícia, de não sei que mais.

Mansamente o transatlântico suspende as âncoras e vai se aproximando do primeiro armazém no cais Mauá.

Os conhecimentos adquiridos à bordo desaparecem como surgiram.

Saltamos.

Aguardam-me emissários dos correspondentes de Castro C. que me conduzem gentil e gratuitamente ao hotel.

Novo ambiente, novas emoções, novos personagens.

Visitas de praxe, aos monumentos e aos logradouros públicos, aos centros culturais, aos centros educacionais.

Ministério do Exterior:
Passaporte, carta de apresentação ao pessoal das delegações de Montevidéu e Buenos Aires.

Pasta de ordem contra o Banco do Brasil sobre Montevidéu, Buenos Aires, Valparaíso, Lima, México...

Cartas de apresentação de Castro C. para seus correspondentes em Montevidéu e Buenos Aires.

Visitas ao Teatro Municipal, Biblioteca Pública, Jardim Botânico, Belas Artes, Museu Nacional...


(AQUARELAS E RECORDAÇÕES Capítulo XXII)

Francisco Benício dos Santos.

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LAFAYETTE DE BORBOREMA UMA VIDA, UM IDEAL - Helena Borborema

Prefácio  do livro Lafayette de Borborema UMA VIDA, UM IDEAL, de Helena Borborema


          Não foi somente em ordem cronológica o primeiro advogado de Itabuna. Na galeria dos valores profissionais de seu tempo, Lafayette de Borborema – pela inteligência arguta e criativa, pela lhaneza de trato, pela probidade pessoal, pela cultura pragmaticamente aliada a uma sutil e surpreendente perspicácia, a uma luminosa e sensível intuição dos fatos jurídicos – situava-se como dos mais brilhantes, dos mais eminentes, dos mais destacados.

            Distinguido com o calor humano da sua dileta amizade pessoal, pude conhecer também a outra face, a outra dimensão da sua vida privada, perceptivelmente estruturada com os valores cristãos da simplicidade, da humildade e, até mesmo, de um quase estoico despojamento de vida interior. Valores evangélicos, sem dúvida, que, aos olhos de Deus, não só configuram a personalidade divinizada dos santos, mas forjam também, modelam a figura plenamente humanizada do verdadeiro homem. Do homem autêntico, crístico, vertical, ético. Homens, que no plano dinâmico da experiência existencial, apesar das amplas limitações imanentes à sua própria condição humana, afirmam-se, projetam-se, atingem o cimo luminoso da emérita dignidade – a grandeza transverberante da suprema plenitude do ser. Do ser contingente, finito, maravilhosamente criado, por um incontido transbordamento de amor, à imagem e semelhança do Criador Infinito.

            Esse o Lafayette da minha visão pessoal, da minha lembrança indelével. O que sabendo viver com alegria pôde, por isso mesmo, morrer com a serenidade cordeira de um justo.

            Salvador, 28 de março de 1984.


                                         Bartolomeu Brandão

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RAÍZES MEDIEVAIS EMERGEM NO MOMENTO ELEITORAL FRANCÊS

Luis Dufaur (*)

Para obter votos o futuro presidente Macron  foi se fotografar na festa de Santa Joana d'Arc em Orleans


Pode parecer estranho, mas não é. Nas eleições nacionais francesas os principais candidatos apostaram corrida para ver quem se identificava mais com a heroína medieval Santa Joana d’Arc.

Nenhum deles é especialmente devoto, nem muito praticante, provavelmente só queriam o voto do eleitor.  Mas o que há na cabeça dos franceses para que ainda hoje o candidato se tornar presidente de uma República formalmente laica e agnóstica ele necessite mostrar-se também ligado ao passado sacral católico da França?

O jornais foram à procura de eminências do pensamento francês para achar uma explicação do fenômeno que, para ele, parece uma aberração.

François Huguenin, autor de As grandes figuras católicas da França respondeu: “Existe uma trama comum entre o cristianismo e a fundação da França. É impossível separar os fios da tapeçaria sem desmanchar tudo. O catolicismo é a matriz da França”.

No livro Deus escolheu a França, o professor auxiliar de História Camille Pascal concorda que o singular é que isso acontece no fundo das cabeças de muitos presidentes, até mesmo socialistas, que da língua para fora não querem saber de religião.

Rémi Brague, historiador de filosofia medieval, foi aprofundar-se no catarismo, heresia do sul da França no século XIV explica: “Em nosso país, jamais existiu uma situação na qual a política não teve alguma dimensão religiosa e vice-versa”.

E acrescenta: foi a Revolução Protestante! Do tronco a religião protestante nasceu o Iluminismo racionalista que sabotou os fundamentos da monarquia até derrubá-la e implantar uma República laica, ateia, que muda segundo o capricho dos homens. Nicolas Le Roux, secretário geral da Associação dos Historiadores Modernistas diz que no povo francês, “o reino era visto como um corpo, imagem do Corpo Místico da Igreja. O rei era a cabeça desse corpo político e social. Por meio do convívio social, das festas, das procissões, das missas, se atingia a salvação. Deixar de ir à Missa, quebrar as imagens de Nossa Senhora, cantar os salmos em francês punha em perigo essa vida em comum, a salvação de todos”.

A contribuição religiosa do Islã foi nula e fonte de guerra constante. O historiador de filosofia medieval árabe e judia, Rémi Brague, fala com clareza : “Não, o islã não contribuiu para nossa história. Os saqueadores árabes e berberes que vieram até Poitiers só tinham o Corão numa mão e a cimitarra na outra. Eles vieram para pilhar”.

Hoje essas tendências subterrâneas carregadas de alta tensão voltam a se chocar.  E Nicolas Le Roux conclui: “O verdadeiro problema continua sendo que os modelos de Estado católico-monárquico e laico-republicano não são capazes de coabitar. Essa é a questão que se punha no século XVI e que se põe hoje”.

          ( * ) Luis Dufaur é escritor, jornalista, conferencista de política internacional e colaborador da ABIM


Fonte: Agência Boa Imprensa – (ABIM)

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INSUBSTITUÍVEL – Mírian Warttusch

Clique sobre a foto, para vê-la no tamanho original
Insubstituível


Seria alguém, no mundo, insubstituível?
Julgam alguns, que isto é bem possível.
Cada um de nós, entanto, tenho eu certeza
Não será jamais substituído em sua natureza.

Substituir o que somos, em nossa pura essência?
Impossível, direi eu, pois nessa improcedência,
Seria negar a própria vida, ao nosso Criador,
Que nos fez nascer “únicos” com todo Seu amor.

Podemos ter sim, uns dons até que parecidos,
Mas o modo de fazer, aqui, em nós nascido,
Jamais alguém fará igual... e se o fizer,
É plágio... pode processar se se tornar mister.


Mírian Warttusch

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