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quinta-feira, 4 de maio de 2017

A VILA (III) – Helena Borborema


Ainda do Dr. Lafayette de Borborema é o seguinte relato:

          “Estava eu um dia fazendo a refeição com o juiz preparador na pensão, quando entrou na sala, montado em uma bonita besta, um dos valentões da terra; após nos cumprimentar, pediu, sem desmontar, um conhaque, e mais um e mais outro, e a seguir esporeou o animal que saiu, depois de derrubar mesas e cadeiras.”

          "De outra feita, uma noite, da nossa casa ouvi gritos de socorro de alguém que apanhava no então beco onde está  o  prédio da Maçonaria; indignado, saí e fui até a esquina; tudo escuro; os gritos de socorro continuavam e ouvi movimentos violentos de luta; não reconheci ninguém mas protestei fortemente, e quando assim o fiz, ouvi a detonação de dois tiros e os passos de pessoas que, correndo, se afastavam do local. Foram dois açougueiros que, à força, queriam fazer o fiscal do Município engolir uma bola de estriquinina, porque havia matado naquele dia o cachorro de um deles com o mesmo veneno. Com a minha intervenção o fiscal não chegou a engolir a “bola”, mas recebeu dois tiros.”

          “Era motivo de festa pública qualquer melhoramento que aqui se fizesse, até uma pinguela armada sobre um ribeirão ou riacho. E quando se fez a mudança de uns pranchões sobre o ribeirão que cortava a Rua Miguel Calmon, houve uma dessas festas à qual compareci como convidado. Após os discursos de estilo, foram todos à casa que lhe ficava perto, para servir-se de um copo de cerveja. Cerveja ao natural, pois, naqueles tempos, não havia gelo por aqui. Quando a cerveja estava nos copos sobre a mesa, um dos festeiros meteu um cacete em cima dos copos e das garrafas, espatifando tudo.  Foi caco de vidro por todos os lados; e como isso fizesse parte da festa, houve tiros para o ar e nova cerveja foi servida.“

          “Mas muita coisa pitoresca havia; uma delas foi uma festa que se realizou em casa de uma família, onde eram servidos às pessoas presentes doces e xícaras de chá em bandejas; eis que surge um cavalheiro trazendo uma bandeja com alguns copos de cerveja e oferece às senhoras presentes, dizendo muito gentil a cada uma que agradecia: - A senhora pode servir-se, essa bebida é muito diurética”.



          “Uma ocasião, em dia de eleição aparatosa (feita a bico de pena, em casa dos chefes) fui à pensão um pouco mais cedo para almoçar. Lá chegando, vi uma grande mesa posta, toalha muito alva e, no centro, dois bonitos perus bem assados; fiquei satisfeito; e quando procurava sentar-me no lugar de costume, apareceu o meu hoteleiro muito amável e foi logo dizendo: ‘O doutor vai hoje me desculpar, vai passar mal; essa mesa o coronel mandou preparar para os nossos eleitores’. E conduziu-me para um canto da sala, onde me deu para almoçar uma lata de sardinhas no azeite doce e um prato de farofa. O homem era meu adversário político.”

Ainda desses primeiros tempos de Itabuna, ele contaria:

          “O Correio, cuja primeira mala foi recebida em meio do caminho com muita música e grande manifestação popular, era uma vez por semana. As malas vinham às quintas feiras e aqui chegavam do Banco da Vitória à tarde; quando era ouvido o chocalho da madrinha da tropa que as conduzia, os interessados iam para a agência postal; abertos os sacos, o encarregado da distribuição passava a chamar os destinatários um a um.”

          “Era um sábado de Aleluia, um certo chefe de bandidos fez um judas e, nas costas, colocou um papelão com o nome da autoridade policial; como o referido policial tivesse uma cicatriz no pescoço, o chefe do bando colocou uma casca de mandioca para imitá-la. O Judas suspenso num pau, foi posto em frente do Quartel e crivado de balas, em vez de queimado, sob grande algazarra em ostensiva provocação.”

          “Contaram-me que um facínora foi à fazenda de um compadre para assassiná-lo. Como o compadre tivesse viajado, eliminou outro homem seu desconhecido, ‘para não perder a viagem’, segundo confessou à autoridade policial.”



          Apesar das violências, o progresso era inevitável. Se havia bandidos, havia também os homens de bem, que cada vez mais iam engrossando as fileiras daqueles que batalhavam pela grandeza de Itabuna no comércio, nas oficinas, na lavoura, nas atividades liberais. E no meio desses obreiros estava o moço Lafayette, iluminado pelo seu ideal de servir  à causa da Justiça e se integrando nos interesses da terra.

          “Em 1908 foi realizada a primeira reunião para a fundação da Associação Comercial de Itabuna, então com o nome de ‘União Comercial de Itabuna’. A primeira Diretoria foi empossada em solenidade presidida pelo Bacharel Lafayette de Borborema”.

          “Em 1909 organiza Lafayette de Borborema, juntamente com o farmacêutico Artur Nilo de Santana, o médico João Batista Soares Lopes, José Joaquim da Silva e Antonio Matos, um grêmio literário  e uma rudimentar tipografia sob a direção do Guarda-Livros Diocleciano Grota”.

          Chega 1910. Itabuna deixa de ser vila e torna-se Cidade. Vem a estrada de ferro, que rasga grande trecho ligando a nova cidade a Ilhéus, ruas são calçadas, é inaugurada a iluminação a acetileno. É uma evolução dinâmica, não só no campo econômico como, também, intelectual e espiritual.

          Com o tempo, importantes acontecimentos vão se sucedendo na jovem cidade e aquele advogado, sempre fiel à advocacia, sempre independente no seu modo de pensar e de agir, atravessa os anos.

          Em 1919, entre outros acontecimentos, é criado o Monte Pio dos Artistas e Lafayette de Borborema elabora os seus estatutos.

          Em 1920 ele funda o “JORNAL DE ITABUNA”, do qual é diretor e redator. Através desse jornal ele fez política e se bateu pelos interesses da terra. Esse jornal funcionou até 1938, quando foi destruído por um incêndio numa casa vizinha.


(Lafayette de Borborema – UMA VIDA, UM IDEAL)

Helena Borborema

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CRIMES SÃO CRIMES


  COM A DIVULGAÇÃO dos primeiros inquéritos decorrentes da maior delação da história do Brasil, ressurge uma discussão que, em sua essência,  mais esconde do que revela: o que é mais insultuoso, trapacear para enriquecer ou para vencer as eleições? Coube ao juiz Sergio Moro, o comandante da Lava- Jato, em Curitiba, abordar a questão em termos cristalinos. Em uma palestra  na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o juiz disse o seguinte:

          - Temos de falar a verdade, o caixa dois nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento de campanha eleitoral. Para mim, a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e a coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu o utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear em uma eleição, isso para mim é terrível.

            O raciocínio do juiz está fincado na melhor lógica democrática. Os políticos enrolados querem fazer crer que o caixa dois é um ilícito menor, quase desprezível, e, portanto digno de uma anistia geral. Caixa dois é fraude da vontade popular, é agressão à democracia. O Supremo Tribunal Federal, no qual correm agora os inquéritos sobre a elite política do país, não tem interpretação unânime sobre a questão. Mas há sinais alentadores. A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, já disse, mais de uma vez, em entrevistas  e em votos na corte, que “caixa dois é um ilícito”. O ministro Luís Roberto Barroso também tocou no assunto e jogou luz no debate: “Caixa dois e corrupção podem ser coisas diferentes, mas ambos são crimes”.

            Não se tem notícias de um país democrático que tenha conseguido eliminar a corrupção eleitoral, mas a questão do caixa dois, se enfrentada com leniência excessiva,  só adiará a moralização das campanhas eleitorais. E moralizá-las é um dado essencial para que a democracia brasileira possa robustecer-se e subir de patamar.


Revista VEJA
Carta ao Leitor - Edição 2526, 19 de abril de 2017

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