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sábado, 29 de janeiro de 2022

NA MÃO DE DEUS / A VIRGEM SANTÍSSIMA - Antero do Quental



Na Mão de Deus

Antero do Quental

 

Na mão de Deus, na sua mão direita

Descansou afinal meu coração,

Do palácio encantado da ilusão

Desci a passo e passo a escada estreita.

 

Como as flores mortais, com que se enfeita

A ignorância infantil, despojo vão,

Depus do ideal e da Paixão

A forma transitória e imperfeita.

 

Como criança, em lôbrega jornada,

Que a mãe leva no colo agasalhada

E atravessa, sorrindo vagamente,

 

Selvas, mares, areias do deserto...

Dorme o teu sono, coração liberto,

Dorme na mão de Deus eternamente!

 

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À Virgem Santíssima

 Antero o Quental

 

Num sonho todo feito de incerteza,

De noturna e indizível ansiedade,

É que eu vi teu olhar de piedade

E (mais que piedade) de tristeza...

 

Não era o vulgar brilho da beleza,

Nem o ardor banal da mocidade,

Era outra luz, era outra suavidade,

Que até nem sei se as há na natureza...

 

Um místico sofrer... uma ventura

Feita só de perdão, só de ternura

E da paz da nossa hora derradeira...

 

Ó visão, visão triste e piedosa!

Fita-me assim calada, assim chorosa...

E deixa-me sonhar a vida inteira!

 

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ANTERO DO QUENTAL

 Antero Tarquínio do Quental, poeta filósofo de ideias revolucionárias, espírito combativo e reformador, nasceu em Ponta Delgada em 1842. Doutorou-se em Coimbra. Notabilizou-se por sua participação ativa na luta contra os postulados românticos defendidos por Castilho e seu grupo. sua carta Bom Senso e Bom Gosto, editada em 1865, deu causa à famosa Questão Coimbrã, gerando, em consequência, uma das mais memoráveis polêmicas que houve, até hoje, em Portugal. Aos 18 anos publicou seu livro de Sonetos (1861). Mais tarde editou outra coleção de poesias – Odes Modernas (1865) e a seguir – Primaveras Românticas (1872). Sua obra poética foi posteriormente enfeixada em três volumes. É considerado um dos renovadores da prosa e da poesia portuguesa. Faleceu em 11 de setembro de 1891.

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