Ao Ano Novo
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Ao Ano Novo
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Terras de Salamanca
Cyro de Mattos
Em outubro
de 2013, participei do XVI Encuentro de Poetas Iberoamericanos em Salamanca,
Cidade de Cultura e Saberes. Na oportunidade fiz lançamento de meu livro Onde
estou e sou/Donde Estoy y soy e dei depoimento na universidade sobre minhas
atividades literárias ao longo dos anos. Recitei poemas de minha autoria no
Liceu de Salamanca. Doei livros de minha autoria ao Centro de Estudos
Brasileiros, em ato que constou da programação do XVI Encuentro de Poetas
Iberoamericanos.
Amizade que
ficaria selada para sempre foi a que fiz com o poeta peruano-espanhol Alfredo
Pérez Alencart, o coordenador dos Encuentros, figura rara como construtor de
pontes entre os poetas ibero-americanos que comparecem ao evento, de
repercussão internacional. Professor da Universidade, esse incansável
disseminador de poesia é poeta de alto nível, traduzido e publicado em mais de
vinte idiomas. Um ser humano que veio a esse mundo para iluminar com a poesia a
parte noturna de que somos feitos. Tinha em Jaqueline, sua princesa, a mulher
ideal para acompanhar-lhe na aventura das letras.
Durante o
Encontro tive a oportunidade de saber que Salamanca foi no início uma aldeia na
colina, séculos sobre o rio Tormes inclinaram-se à arte e à sabedoria.
Testemunharam a passagem do tempo, na formação da paisagem lendária, váceos,
vetões, romanos, visigodos e muçulmanos. Uma vocação universitária ressoou na
maior tradição de esplendor monumental. Por sua beleza antiga e riqueza
histórica, o tempo foi justo ao fazer com que Salamanca ficasse conhecida como
a Cidade de Cultura e Saberes.
Ocorrem na
Plaza Mayor falares decorrentes de frequente convivência entre o alegre e o
triste, nisso que é esperança e incerteza em nossa caminhada na vida. Capítulos
assim ali escorrem da vida cidadã, muitas vozes de mim e de outros fazendo o
intercâmbio da natureza humana nesse antigo teatro da vida. Nas ruas iluminadas
pelo ouro da cultura e do saber não se pode deixar de pensar que nelas andaram
Fray Luiz de Léon, Unamuno, Francisco de Vitoria, Francisco de Salinas,
Cervantes, São João de La Cruz, Luís de Gôngora, Santa Teresa de Jesus, Lope de
Vega, Mateo Alemán, Vicente Espinel, Quevedo e Calderón de la Barca.
Essas ruas
cunhadas pelos gestos da sabedoria e santidade humanas. Refletidas por duas
extraordinárias catedrais. Antes que adentre na cidade, recebe ao visitante a
alma gêmea. Numa casa de guardiã memória, conchas representam a cidade por
vários rumos, decoram o mundo que estaciona para vê-la. Nas dobras do tempo,
Salamanca oferta encantos, inventa-se nessa crença de pedra, história e vasta
fé. Apresenta-se sempre como um desafio, um mito, uma abertura, um enigma. De
sentidos múltiplos, memórias que nela achamos.
Na fachada
de casas e igrejas e edifícios basta para entender que estamos na história.
Caminhar é a forma de descobrir segredos de quem também sabe ser contemporânea
e jovem com estudantes de tantos lugares misturados na face agitada. Quando a
noite cai, luzes enchem a parte noturna, lugares em que o coração aprende que o
amor se faz amando o mito, que se apodera da alma.
Ó Salamanca, aqui o que vejo na fachada faz-nos ser da
história. Essa luz que de ti se espraia a todo instante vem de teu chão para
erguer os saberes seculares nos beirais floridos.
Cyro de Mattos - escritor e poeta. Primeiro
Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo
da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de
Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil,
Portugal, Itália e México.
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Antologia do melhor do conto
sobre a mulher tem histórias
de dois escritores grapiúnas
Segundo Gerana Damulakis, “para organizar uma antologia que
cumpra meu desejo de reunir texto com títulos que trouxessem um nome de mulher,
tais textos devem ser contos. Aqui estão eles, arrumados por ordem alfabética
dos títulos com nomes femininos e consequentemente trazendo personagens criadas
de acordo com o imaginário de cada escritor, pois, é óbvio, as histórias
evidenciam vertentes diversas e abordagens várias em relação às mulheres que as
protagonizam.”
Além de ensaísta, com vários títulos no gênero ensaio, Gerana
Damulakis é membro da Academia de Letras da Bahia.
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Foi um dia muito triste para o Chile e para todos nós. O candidato de extrema-esquerda, Gabriel Boric, venceu as eleições presidenciais. Meus pêsames aos chilenos que ainda prezam os valores da civilização.
Essa vitória comunista se deveu tanto à moleza dos chilenos
centristas, que não quiseram votar no candidato de direita, José Antonio Kast,
quanto ao clero progressista, velho companheiro de viagem do comunismo. Agora,
aguentem as consequências…
Esse triunfo esquerdista nos remete à vitória do marxista
Salvador Allende em 1970 com o apoio da URSS, quando o Chile viveu os três
piores anos de sua história, afundado na mais tenebrosa miséria moral e
material.
Remete-nos também a uma memorável campanha da TFP brasileira
e de outros países. Em 50 cidades do Brasil o público viu erguerem-se seus
estandartes rubros com o leão dourado, e ouviu os slogans de sua
campanha: “Leiam nosso manifesto: Pastores entregaram o Chile ao
lobo vermelho!” — “Plinio Corrêa de Oliveira denuncia trama progressista no
Chile!”
Em Belo Horizonte, então a terceira cidade mais populosa do
Brasil, sócios e militantes da TFP organizaram um desfile encabeçado por um
estandarte enlutado, de 12 metros de altura, e por uma grande faixa com os
seguintes dizeres: “Pelo Chile, país irmão, luto, luta e
oração” [foto].
Que o atual desastre chileno sirva de alerta a nós
brasileiros, para agirmos enquanto é tempo a fim de evitar que nas eleições presidenciais
de outubro de 2022 os propugnadores das velhas ideias comunistas prevaleçam
como no Chile, conduzindo-nos à trágica situação de Cuba e da Venezuela.
https://www.abim.inf.br/pelo-chile-pais-irmao-luto-luta-e-oracao/
Victoria Jones / POOL / AFP
Este ano, o discurso da soberana britânica foi a mais doce
declaração de amor por seu falecido marido
Muitos britânicos pararam para assistir ao discurso anual de
Natal da rainha Elizabeth 2ª. Estavam curiosos para saber como ela se dirigiria
aos súditos no ano em que ela enfrentou a morte de seu amado marido Philip
por Covid-19.
Apesar do ano difícil, a soberana britânica apareceu em um
vermelho festivo e com o broche de safira que ela costumava usar nos
momentos-chave de sua vida com o príncipe Philip. No entanto, embora
certamente estivesse vestida para a ocasião, parecia um pouco abatida e mais
vulnerável.
No discurso, Elizabeth 2ª revelou um lado dela que
muitos não conheciam. Além disso, recorreu à sua fé e usou suas experiências
recentes para tentar inspirar outras pessoas neste novo ano.
Uma esposa orgulhosa e amorosa
De fato, o discurso de Natal deste ano foi uma declaração
pessoal de amor da rainha por seu falecido marido. Elizabeth abordou sua
própria dor de perder seu “amado Philip”, destacando como é difícil enfrentar o
Natal depois de perder um ente querido.
Ela também falou sobre algumas das coisas que ela mais
apreciava em seu marido: “seu senso de dever, sua curiosidade intelectual e a
capacidade de tirar graça de qualquer situação eram irreprimíveis”, disse.
A soberana ainda acrescentou: “Aquele travesso e
questionador brilho era tão forte no final e no primeiro dia que eu olhei para
ele”.
ALBANI | ALBANI
O conforto da família
No entanto, apesar de sua perda dolorosa, a rainha falou das
pequenas alegrias que o período de Natal traz. Ela lembrou daquelas
tradições familiares que trazem grande conforto: “um cântico de Natal, desde
que a melodia seja conhecida” e “um filme preferido que já sabemos o final”.
De fato, é exatamente essa sensação de familiaridade que
traz tanta segurança em um mundo que parece incerto. O Natal pode fornecer
um pouco de descanso para nos concentrarmos no que realmente importa.
Esperança
Boa parte do discurso da rainha foi dedicada ao tema “esperança”
– algo que não tem sido tão fácil com a pandemia e as dificuldades financeiras,
práticas e emocionais que se seguiram para muitas famílias.
Como ela afirma, seu falecido marido estava interessado em
“passar o bastão”, criando oportunidades para os mais jovens através
do programa
de desenvolvimento que ele criou.
O Natal conversa com a criança dentro de todos nós
Por fim, a rainha falou sobre o significado do Natal e,
embora seja uma celebração tantas vezes dedicada às crianças, é importante
lembrar que a data pode “falar à criança dentro de todos nós”.
Como a rainha Elizabeth destacou: “Mesmo com uma risada
familiar faltando este ano, haverá alegria no Natal, pois teremos a chance de
relembrar e ver novamente a maravilha da época festiva através dos olhos de
nossos filhos pequenos.”
E é olhando para outra criança, o Menino Jesus, que podemos
ter entusiasmo pelo que está por vir:
“Que no nascimento de uma criança haja um novo amanhecer com
potencial infinito(…) Acontecimentos simples que constituem o ponto de partida
da vida de Jesus, um homem cujos ensinamentos foram transmitidos de geração em
geração e têm sido o alicerce da minha fé. Seu nascimento marcou um novo
começo. Como diz a canção de Natal: ‘As esperanças e medos de todos os
anos se encontraram em ti nesta noite.’”
Portanto, à medida que o tempo do Natal continua, esperemos
ansiosamente por este “potencial infinito” que nos foi dado com o nascimento de
Cristo.
Ligue o vídeo abaixo:
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Seiscentos e Sessenta e Seis
Mário Quintana
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das
horas.
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Mário Quintana
Poeta
Mário de Miranda Quintana foi um poeta, tradutor e
jornalista brasileiro. Mário Quintana fez as primeiras letras em sua cidade
natal, mudando-se em 1919 para Porto Alegre, onde estudou no Colégio Militar,
publicando ali suas primeiras produções literárias. Trabalhou para a Editora
Globo e depois na farmácia paterna. Wikipédia
Nascimento: 30
de julho de 1906,
Falecimento: 5
de maio de 1994
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Crônica de Sônia Maron
Cyro de Mattos
Nunca vou dedicar um texto ou livro meu a quem andou comigo
na jornada da vida. Não vou dedicar à Sônia Maron, inserindo abaixo do título o
registro “de saudosa memória”. Recuso-me à submissão da homenagem com essa
feição de saudade e afeto, memória e luto.
Simplesmente prefiro fazer assim: dedico à amiga Sônia, que sempre
estará comigo. Fazendo parte de mim, não se desligará até quando chegar minha
hora nessa verdade que pesa em cada um de nós.
O que tenho a dizer diante do inexorável, nessa hora que fere,
dói, como dói? Viver é morrer o presente, houve quem dissesse. Lembro que ela
brincava na matiné do carnaval infantil, animada no clube social. Dava voltas no salão, cantando:
Chiquita bacana
Lá da Martinica
Se veste de uma casca
De banana nanica.
Não usa vestido,
Não usa maiô,
Inverno pra ela
É pleno verão,
Existencialista
Só faz o que manda
O seu coração.
Jogava confete, serpentina, cantava, não parava, seguia
alegre dando volta no salão.
Era nossa infância como parte do encanto, igual à liberdade
caminhava de mãos dadas com a inocência, a ternura e a esperança. Em noite
clara, as meninas brincavam de ciranda na rua. Os meninos escutavam no passeio.
Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
A meia volta vamos dar
Prefiro lembrar a garota mais bonita de nossa juventude. Foi
rainha dos estudantes, da primavera, da cidade. Foi rainha de tudo. Quando
passava, arrancava suspiros dos rapazes com a pose de galã fatal. Já moça, nos
bailes noturnos esbanjava alegria no carnaval do Grapiúna Tênis Clube. Às vezes
romântica, no salão triste seguia, triste cantava.
Eu perguntei ao malmequer
Se meu bem ainda me quer
Ele então me respondeu que não.
Chorei, sofri, por
saber que ele
Feriu o meu pobre coração.
Foi madrinha do time de futebol do Itabuna quando o Vasco da
Gama do Rio veio jogar no Campo da Desportiva. Entregou um buquê de flores ao
chefe da delegação dos visitantes. Uma flâmula da cidade ao capitão Belini do
Vasco, que há pouco tempo tinha se sagrado campeão mundial de futebol pelo
Brasil, nos campos da Suécia, ao lado de Garrincha, Didi, Vavá, Zagalo, Nilton
Santos e outros craques. Fez um discurso improvisado, as palavras
incandescentes, as imagens certeiras. Arrancou palmas de todos.
Um dia aconteceu como Juíza de Direito. Ficou assim para
sempre no exercício eficaz da função. Atuava na Justiça criminal, gostava de
presidir as sessões do Tribunal do Júri. Dizia: façam silêncio, se não vão sair
do recinto. Estamos julgando duas paixões numa tragédia, a dos familiares do
réu e a dos parentes da vítima, que teve a vida ceifada por motivo doloso.
Por mais que queira explicar o inexorável, nessa hora sob o
peso do mistério, não consigo chegar perto, cambaleio. Oi, Sônia, minha conterrânea, como eu e outros
abnegados, gente sonhadora desta terra, foste fundadora da Academia de Letras
de Itabuna. Com esforço, alma e vida fizemos o parto. Tenha cuidado agora, não
se perca. Embora seja a hora escura, calada e fria, haverá na estrada a mão de
Deus que guia.
Cyro de Mattos - escritor e poeta. Primeiro Doutor Honoris
Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo da Academia
de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de
Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil,
Portugal, Itália e México.
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A verdadeira paz não é a paz que reina nos cemitérios,
onde não há vida. Só há boa paz em função de Deus e para tal é preciso estar
preparado para a boa guerra, que consiste na batalha em Sua defesa; é preciso
lutar pela paz. Nesse sentido seguem alguns pensamentos para refletirmos neste
final de ano.
(São João, 14, 27)
https://www.abim.inf.br/boa-paz-com-boa-guerra-quando-necessaria/
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“Jesus Cristo entrega as chaves dos Céus a Pedro”, Perugino (1450-1523).
Padre David Francisquini*
Nada mais consentâneo com a condição sacerdotal do que fazer
uso da autoridade divina das verdades reveladas para cumprir a missão de
ensinar, guiar e santificar as almas neste vale de lágrimas.
Com efeito, a crise espiritual que assola o homem
pós-moderno — qualificativo utilizado para causar expectativa de “bons fluidos”
— é a fonte de tantos males. O ensinamento dos santos ao longo dos séculos
consistiu em advertir e instruir os fiéis a propósito da falta de vida interior
e de ocupação com tudo aquilo que norteia as almas, a fim de conduzi-las ao seu
fim último, que é Deus.
A disposição dos evangelhos, abrindo e fechando o ano
litúrgico, nos mostra a importância desses ensinamentos: “Vigiai e orai para
não cairdes em tentação” (Mt 26, 41), para o qual as pessoas devem se ater
sempre, já que a insistência do inimigo infernal é contínua e implacável contra
uma pessoa e mesmo povos inteiros.
Não é bem isto que vem acontecendo hoje, em todos os
ambientes frequentados por nós? Não é verdade que com suas artimanhas
envolventes os asseclas infernais dispersos pela Terra procuram levar-nos para
o abismo, ora por meio de ideologias, ora por manobras políticas ou falsas
religiosidades? Fica, portanto, a advertência: “Vigiai e orai”!
Eis as maravilhosas afirmações da Escritura, sustentáculo da
nossa fé, a nos asseverar com as palavras de São Paulo: “Toda Escritura
divinamente inspirada é útil para ensinar, repreender, corrigir, formar na
justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, apto para toda boa
obra” (II Tim. 3, 16-17).
Ademais, é-nos imensamente vantajoso deixar-nos conduzir por
Aquele que é o caminho, a verdade e a vida: “[…] andai enquanto tendes
luz, para que não vos surpreendam as trevas; quem caminha nas trevas não sabe
aonde vai. Enquanto tendes luz, crede na luz para que sejais filhos da luz” (Jo
12. 35-36).
Reflita, caro leitor(a), quão benfazejas são essas palavras
nesses dias de tanta perplexidade diante das crises que nos assolam, a fim de
estabelecermos as balizas do pensamento e o critério de nosso peregrinar pela
terra. Podemos ver, tanto no evangelho de São Mateus, quanto no de São Lucas, a
narração do último domingo do ano litúrgico, dos acontecimentos que se abateram
sobre Jerusalém, como prefigura de todas as épocas de crise.
Pode-se constatar que, de crise em crise, a Igreja
instituída por Cristo Nosso Senhor chegou aos tempos atuais. Foram muitas e
clamorosas tentativas de subverter sua ordem e ensinamentos no decorrer das
centúrias, mas a Santa Igreja preservou e ensinou seus filhos, ministrando-lhes
os sacramentos e mostrando-lhes os caminhos da salvação eterna.
No Ofício Divino, São Jerônimo comenta as palavras do
evangelho, dizendo: “Quando virdes a abominação da desolação no lugar
santo predita pelo profeta Daniel, quem ler entenda. ”Estas palavras se
referem ao transtorno da fé que abalou os fundamentos do povo judeu, abolindo o
sacrifício e a oblação, deixando o templo desolado por ter perdido a sua
função.
Compreende-se, portanto, por que Pilatos colocou no Templo
as estátuas de César e de Adriano. Segundo a Escritura, a abominação é chamada
de ídolo, e a desolação é por ele ter sido posto no templo desolado e deserto.
Alguém ousaria contestar a semelhança com fatos do nosso
cotidiano? Não é bem verdade que assistimos hoje à introdução de ídolos e a
realização de cultos idolátricos no interior das nossas igrejas?
A história recente nos traz à memória, por exemplo, o
encontro interreligioso em Assis (1986), acontecimento-símbolo da mentalidade
nova que revolucionou o conceito infalível da existência de uma só religião
revelada, fora da qual não há salvação. É dogma de fé!
Tem-se, então, um pecado contra a fé, com uma agravante: a
introdução de ídolos pagãos, algo abominável diante de Deus, escândalo para
incontáveis almas, transtorno da ordem natural e divina que proclama o culto do
verdadeiro Deus. Tais acontecimentos, que significam um largo passo rumo à
panreligião, constituem uma ameaça cada vez maior para inúmeros fiéis.
Essas considerações devem nos fazer temer as consequências da
vida desregrada de nossos dias, que abrange todos os campos da ação humana. Em
todos eles os critérios divinos são sistematicamente rejeitados.
Meditemos, por exemplo, nesta advertência de Nosso Senhor,
referindo-se aos tempos do anticristo ou prefiguras dele que agem contra Deus,
promovendo a desolação em toda a terra: “Quando virdes estabelecida no
lugar santo a abominação da desolação” (Mt. 24, 15).
Ao ler comentários feitos pelos Padres da Igreja, podemos
adiantar-nos em outras considerações que se aplicam bem aos dias atuais, como a
introdução da Pachamama no templo de Deus. São Luís Grignion
de Montfort já predissera profeticamente: “Vossa divina fé é
transgredida, vosso evangelho desprezado; abandonada vossa religião; torrentes
de iniquidade inundam toda a terra, e arrastam até os vossos servos; a
terra toda está desolada; a impiedade está sobre um trono; vosso santuário é
profanado, e a abominação entrou até no lugar santo.”
Aqueles que buscam viver segundo a sã Doutrina de Nosso
Senhor não devem descer às coisas mais baixas pelo desejo mundano. “O
que está no campo, não volte atrás para tomar o seu manto”, isto é, não
volte às preocupações antigas, tornando a conviver no meio dos pecados
passados, que manchavam seu corpo e perdiam sua alma.
Daí a importância da verdadeira fé, da boa orientação
católica e da aquisição do senso do discernimento a fim de conhecer o momento
de fugir da abominação e se proteger dos perigos de condenação eterna — “Então
os habitantes da Judéia fujam para os montes” (Mt 24, 16).
Cumpre salientar que ouvimos com frequência interpretações
protestantes de textos bíblicos atribuindo aos fatos trágicos, mas naturais, ou
ainda da inter-relação humana, como sinais da segunda vinda do Messias, muito
embora se trate de algo que sempre aconteceu na história do mundo. Estas são
interpretações subjetivas.
Na realidade, quando Cristo diz que haverá sinais no sol, na
lua, nas estrelas e que as virtudes dos céus serão abaladas, a interpretação
mais lógica e prudente está em aplicar essas predições à própria Igreja, com o
efeito benéfico de não nos expormos ao debique dos inimigos a propósito de
considerações sobre calamidades tantas vezes ocorridas no mundo.
Afinal, a Igreja se assemelha ao sol, à lua e às estrelas.
Seu brilho poderá fenecer um tanto, em decorrência da violência inaudita de
seus perseguidores e do apodrecimento moral no campo religioso e civil, mas as
portas do inferno não prevalecerão contra Ela.
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*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria –
Cardoso Moreira (RJ).
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Ele dizia sempre: 'Sou o número um das Oposições Coligadas.'
Eu ainda o conheci: ele não faltava a nenhuma das reuniões dos nossos partidos
políticos.
O Deputado Clodomir Millet foi, durante algum tempo, o chefe
da oposição. Uma hora resolveu dar uma missão ao Paletó: ir todo dia ao TRE
assistir às sessões e trazer de volta o relatório do que tinha sido votado e de
como havia votado cada um dos juízes.
Um dia, Paletó entrou, meio cansado e revoltado, na redação
do jornal O Povo - que pertencia a Neiva Moreira, um dos nossos líderes -, onde
nos reuníamos todas as tardes, e foi logo dizendo:
- Dr. Millet, não volto mais ao Tribunal. Está tudo perdido:
um juiz da Oposição - como é o Desembargador Eugênio Piva - votou com o juiz do
Governo!
Naquela época a política muitas vezes se tornava violenta.
Quando organizamos uma passeata para protestar contra o Governo, que tinha sido
acusado de estar queimando as casas dos pobres, das palafitas, cobertas de
palhas, o Paletó também quis participar dela.
Neiva lhe deu uma bandeira, dizendo:
- Paletó, leve esta bandeira.
Então, o Paletó, 'membro número um da Oposição', enrolou a
bandeira no pescoço, deixando uma parte caída nas costas, e foi, exaltado, à
passeata, gritando palavras de protesto. Até que, chegando perto do Palácio,
onde havia uma fila de soldados com metralhadoras apontando para a passeata,
ele parou e disse:
- Seu Neiva Moreira, está aqui a sua bandeira. Arrume um
mais doido do que eu que, daqui, não passo!
No Recife havia outro popular meio doido. Ele andava com um
capote pesado, absolutamente inadequado para o clima da região. Com a barba
grande, entre profeta e andarilho, acompanhava todos os movimentos da Esquerda
pernambucana e gostava, para gozação da cidade, de dar conselhos ao Governador.
Deram-lhe o apelido de Malenkov, o efêmero sucessor de Stalin.
Certa vez, encontrou Miguel Arraes num comício, aproximou-se
dele e denunciou:
- Dr. Arraes, isso não é possível, o Delegado de Polícia de
Caruaru não sabe nada de marxismo. É preciso zelar pela doutrina.
Em 1964 ele foi detido. Na prisão o inquisidor, um capitão
revolucionário, ao olhá-lo, foi direto:
- Seu comunista miserável, enfim o pegamos!
olhou de lado, sacudiu a cabeça e retrucou:
- Capitão, não venha me furar. Eu sou kardecista, da linha 2
- porque existiram dois
. Comunista, jamais! Sou espiritualista.
Malenkov e Paletó não eram tão doidos quanto todos pensavam.
Os Divergentes, 19/12/2021
https://www.academia.org.br/artigos/doidos-mas-nem-tanto
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Pesares de Sônia Maron
Cyro de Mattos
Quem entende esse gesto?
O passado não tem volta.
Não se esvaem as dores
Prisioneiras do presente.
O vento que se aloja
nessas asas fabrica
vozes em rito de pesares,
que não se decifram.
Ó tempo rigoroso
no musgo desse muro,
sinto frieza no meu peito,
como fere nesse inverno.
Até no encanto assustas,
a flor que aparece
é a mesma que breve
no pó desaparece.
Imutável nesse estar
que ceifa a inocência,
a solidão de anoitecer
teu enigma que ofertas.
Hora que não tem cura,
Vez que não tem volta
Enquanto a noite chega
Para soterrar o dia.
Ó tempo quão amargo
É teu rigor nesse gesto
Que só a ti pertence,
Sufoca no meu peito.
De ti em dó e lágrima,
o que dói não é o calor
que aqueceu o coração,
mas as coisas que não virão.
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A História do Natal
Eglê S. Machado
E Deus sorriu lá do céu,
Pois veio ao mundo em seu Filho:
Chegou pobre, sem escarcéu,
Enchendo a terra de brilho!
Removeu o escuro véu,
Pôs setas marcando o trilho;
"Glória in Excelsis Deo"
Anjos cantaram em estribilho!
E chegou trazendo a Paz,
Incrementando a bonança,
Tornando o homem capaz
De confiar na Esperança!
Com amor que não se esvai,
Com perfeição sem igual,
Compôs o Divino Pai
A poesia do Natal!
E da treva Deus fez Luz,
Que transfigura e extasia,
Com a Brandura de Jesus
E o Sorriso de Maria!
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A guerra contra o demônio e seus sequazes daqueles que
desejam o estabelecimento da autêntica paz entre os homens
Fonte: Editorial da Revista Catolicismo, Nº 852,
Dezembro/2022
É uma tradição da revista Catolicismo publicar
na sua edição de dezembro matérias concernentes ao Santo Natal do Menino Jesus,
que constitui com a Páscoa as duas maiores festas da Cristandade.
Neste ano reproduzimos um artigo do Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira, publicado no mensário em dezembro 1963, no qual ele chama a atenção
para o fato de que a imensa maioria das pessoas não atenta para o verdadeiro
sentido da expressão “Paz na Terra”, contida na citação de São Lucas “Glória
a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”.
Dr. Plinio mostra que não pode haver “Paz na Terra aos
homens de boa vontade” (nem aos de má vontade…) se a humanidade não estiver
voltada para a “Glória de Deus”. Como nos ensinou o Divino Mestre, “buscai
em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos
serão dadas em acréscimo” (Mt 6, 33). Só assim teremos a “Paz na
Terra”; se esquecermo-nos de Deus, não teremos o seu Reino e nem o acréscimo.
Não teremos a verdadeira paz!
Em nossa época narcotizada pelo desejo de paz a qualquer
preço — mesmo à custa da renúncia aos ideais católicos —, convém ter bem
presente o que disse Santo Agostinho: “A paz é a tranquilidade da ordem
de todas as coisas”. Segundo esta definição, paz não é apenas um período de
tranquilidade, mas de “ordem de todas as coisas”; e tudo estará desordenado se
os mandamentos de Deus forem transgredidos.
Outro aspecto importante dessa temática é que a “Paz na Terra — como consta no artigo em pauta — inclui a cessação de todas as lutas, exceto a incessante e gloriosa guerra contra o demônio e seus aliados, isto é, o mundo e a carne”. Aliados que atuam para tentar apagar da memória a lembrança de Deus. Daí os Natais secularizados de nosso século, parecidos com festas do comércio. Não se conseguiu eliminar inteiramente a lembrança do Natal, mas se conspira para que um dia isso aconteça.
Um Santo e Feliz Natal a todos os diletos leitores de Catolicismo,
com os nossos melhores votos de um Ano Novo repleto das mais seletas graças e
bênçãos do Menino Jesus e de sua Mãe Santíssima.
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Para assinar a revista Catolicismo envie um e-mail
para catolicismo@terra.com.br
https://www.abim.inf.br/natal-e-o-bom-combate-como-condicao-para-uma-autentica-paz-na-terra/
Orlando Gomes: um jurista cronista
Cyro de Mattos
Os alunos
gostavam de dizer de boca cheia, a expressão feliz no rosto, que aquela era a
gloriosa Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. O prédio ficava
na Rua Direita da Piedade, em frente, no diminuto largo, o gesto em bronze do jurista
Teixeira de Freitas, a observar os alunos que entravam para a aula na manhã. Os
professores eram senhores de vasto saber jurídico. Uns faziam que os alunos
respeitassem aquela faculdade de tradição valorosa, outros com a sua maneira de
dizer o direito que a amassem. Entre eles, havia Orlando Gomes, professor de
Direito Civil. Era um autor respeitável no circuito nacional, à época publicara
obras de Direito Civil, que sobressaíam de sua vocação entre os talentosos
juristas baianos.
O curso de Direito Civil durava quatro anos. Para cada ano era estudada uma das
ramificações desse direito. Não havia aluno que não quisesse estudar Direito
Civil com o professor Orlando Gomes durante os quatro anos. Era uma dádiva ser
aluno daquele professor elegante, dicção objetiva, poder de síntese e densidade
atraentes. Fazia sem esforço que as aulas se tornassem sedutoras, durante o ano
ninguém pensava em faltar a uma delas, lamentando quando isso acontecia por
motivo alheio à vontade.
A razão do moço que veio do interior logo tomou conhecimento
que o Direito é uma das maiores conquistas do ser humano. Sem essa hora não
existe de fato gente humanizada, o cidadão condigno, mas o regresso na escala
biológica onde prevalece o instinto animal na prática invariável dos atos com
base na lei do mais forte.
Havia
chegado a hora do professor de Direito Civil se aposentar, guardar suas
ferramentas de ensino na gloriosa faculdade. E assim, no veraneio imposto pela
passagem da vida, viria acontecer o cronista. De crônica em crônica, publicada
no “Jornal da Bahia”, nos anos 1960 e 1970, o estilo não jurídico do autor foi
revelando um baiano bom cronista. O autor no final da sua atividade como
cronista alcançava a marca de quem havia escrito 140 textos do gênero.
Crônicas
sobre o seu amor à Bahia, a sua história, os seus velhos mestres, o Carnaval
ontem e hoje, o racismo, o futebol, a oratória decadente do bolodório, os
advogados, a Justiça e o Direito, entre tantas que fluem no estilo sóbrio. Em algumas fica claro que os homens da geração do cronista tinham dificuldades de
entender o mundo, que passava ligeiro, por mais aberto que seja o espírito,
mais ansiosa a vontade de compreendê-lo, como pasmo se dizia.
Essas crônicas foram reunidas agora no alentado volume Orlando
Gomes, o cronista. Percebe-se em algumas que o tempo passageiro é flagrado na
Bahia com seu direito de sambar, caminhar por novas ruas do mundo onde foi
introduzido o homem audiovisual modelado pela telecomunicação, formatado em seu
psiquismo, educação e relações sociais. O cronista com conhecimento de causa
toca as faces nostálgicas da velha Salvador, exibe a cidade que não mais
existia com a pura alegria de viver de sua boa gente. Ninguém mais queria
conhecer o outro por prazer.
Em “Papo de Folião Aposentado”, no tom consolador, conclui
que o carnaval de ontem já era, o corso de automóveis com famílias aplaudindo
nas calçadas não passava de evocação de cafonices. Estava convencido de que não
foi mesmo o folião aposentado que mudou ao correr da vida. O babado, em seu
cometa ululante e feérico, “atrás do qual centenas de foliões pulam por pular e
arrastam o que encontram pela frente”, é que era outro.
Lírico, observador, reflexivo, opinativo. Cronista que
recolhe os estados emotivos da vida em sociedade, extraindo das cenas
cotidianas o pretexto que resulta no texto informativo com equilíbrio e
devaneio. Cultiva a crônica com o
engenho de ensaísta, que inspirado fere com humor a mudança dos costumes,
expede juízo acerca de temas como o amor, a idade avançada como virtude
acumulada de saber, o preconceito contra as mulheres, a euforia das domésticas,
a utilidade das novelas de televisão, as drogas e a violência. Crônicas para
todos os gostos como resultado de uma experiência de vida bem vivida.
À sombra das lembranças que acendem o pensamento emotivo, às
vezes revelam a maneira apropriada para
se regressar ao passado, reconstruindo-o com pedaços felizes, momentos
generosos da cidade de beleza antiga na canção da vida. Com uma conversa simples,
pedem atenção para o perene das coisas, pessoas, costumes, situações, logrando
trazer para as páginas do livro agora a notícia efêmera que pertence ao
jornal.
O cronista tem uma visão tranquila de ver o mundo.
Distingue-se na escritura que prefere recriar com emoção e razão situações ao
invés de recorrer à mera transcrição dos fatos. Assim, ainda que tardio, fez
descansar o jurista de saber e ensino notáveis.
Gosta de se apresentar com humor, diverge quando a cena se lhe mostra
inconsequente, mas sempre querendo conversar com o mundo, de maneira lúcida,
serena, numa condição que lhe é necessária, faz parte de seu caráter revestido
das essências da vida. Isso certamente fará com que o leitor comente que em bom
momento não ficou o veranista esquecido dentro do jurista.
*Orlando Gomes, o cronista, 140 crônicas de Orlando Gomes,
prefácio por Otávio Luiz Rodrigues Jr., organizador Rodrigo Moraes, EDUFBA,
editora da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2021.
**Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, ensaísta, cronista,
autor de literatura infantojuvenil. Editado e premiado também no exterior.
Autor de 55 livros pessoais. Membro da Academia de Letras da Bahia, foi aluno
do professor Orlando Gomes, que ocupou a cadeira 16 da instituição.
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