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segunda-feira, 2 de julho de 2018

DIÁRIO DE VIAGEM - Francisco Benício dos Santos (11)


BORDO DO Pedro II

31º DIA


Um mês de viagem.
Malas arrumadas.
Passaporte visado.
Cartas de apresentação.
Despedida.

Embarco na “Ferro Carril Transandina” para Valparaíso, no Chile.
Em frente, os Andes, maciços, imponentes – a divisa natural entre Argentina e o Chile.
Eternamente coberto de neve e povoado pelos condores e vulcões.
Ao sul a terra do fogo e ao fim o cabo Horn, onde o Pacífico e o Atlântico se digladiam eternamente sem nenhum dos pugilistas cederem na luta de milhões de séculos.
Lembra-me a coragem e a inteligência  do luso Magalhães, que num assomo de paciência, persistência e intrepidez doou ao mundo a passagem do estreito que tomou o seu nome, cujo epílogo  de tão arriscada e temerosa jornada, foi a sua morte inglória numa ilha selvagem do Pacífico, numa peleja com os nativos.
Triste destino de tão alto personagem.
Pobre Fernão de Magalhães! Viveu somente para o sofrimento, legando o seu nome e a sua descoberta a humanidade que a deixou no mesmo estado até hoje.
Nem valeu a pena o sacrifício.
Aquela passagem pequena, estreita, sinuosa e cheia de escolhos e perigos, é ainda considerada temerosa para os navios que a tentam cruzar, arrastando a raiva e a fúria dos dois oceanos, sempre hostis.

Atravesso regiões maravilhosas  e cidades importantes, e os vários túneis, viadutos e paisagens  da cordilheira.
Afinal Valparaíso, estou no Chile.
Cidade sorriso, cidade encanto, cidade dum povo bom, acessível e, sobretudo, amigo do Brasil e dos brasileiros.
Es brasileno, es Hermano”.

Avenida Brasil, belíssima, artéria cujo nome lembra o meu país distante.
Estamos na costa e porta do oceano Pacífico.
Do outro lado da cordilheira andina, o Brasil...
Indústrias de salitre e de nitratos, riqueza mineral e principal fonte de receita do Chile.
Santiago.
A grande capital e principal cidade do país, tão importante como São Paulo, Porto Alegre  e Montevidéu, apenas inferior ao Rio e Buenos Aires.
Sede do governo e das escolas superiores e universitárias. Centro cultural importantíssimo. Comércio notável.
Demoro-me pouco aqui. Estou atrasado e preciso chegar ao México e a distancia a percorrer é enorme...
Amanhã viajo para a República do Peru.

Já perdi a cronologia deste diário. Agora as notas serão contínuas.
Os incômodos, as viagens, as mudanças, prejudicaram  a continuidade.

Bordo do navio “Hudson” transoceânico norte americano da linha Pacífico Atlântico, via canal do Panamá-Valparaíso-New York.
A costa do Pacífico no Peru é desnuda e desprovida de vegetação; uma desolação!
Verdadeiro contraste com as costas magníficas do Brasil.
A viagem é monótona e aborrecidíssima.

Quatro dias de Valparaíso a Calau. Passei todo esse tempo em leituras. Não fiz camaradagem com os passageiros, na maioria, norte-americanos, ingleses e japoneses, poucos sul-americanos. Apenas dois rapazes peruanos e um casal chileno que se destinavam à Venezuela.

Fiz relações ligeiras com um peruano, muito simpático, mas que nada sabia do Peru e da sua história. Foi criado no Chile.
Chegamos a Calau, o principal porto do Peru, espécie de subúrbio de Lima.
Desembarco só. O navio descarrega mercadorias e ruma ao seu destino.
As dificuldades aduaneiras aqui não existem, especialmente para os brasileiros que são aqui queridos e estimados.
Estou encantado com os peruanos, tal a sua cativante bondade.
E as mulheres, verdadeiros tipos de beleza. A mestiçagem entre fidalgos espanhóis e fidalgos incas deu em resultado o belo tipo moreno das mulheres peruanas.

Lima é uma cidade bem diferente das suas congêneres sul-americanas. Aqui o cunho andaluz é proeminente,  na terra dos vice-reis da Espanha onde a fidalgaria espanhola deixou largos traços da sua característica, nos edifícios, nos costumes,  no povo e na sua aristocracia.
A todo passo encontram-se  edifícios notáveis ao gosto e ao estilo andaluz, em contraste com os mais belos edifícios do estilo moderno e de traços arquitetônicos deslumbrantes e suntuosos, tais como o palácio presidencial que é, sem contestação, um dos mais suntuosos das Américas, tal a imponência da sua arquitetura.
Lima está cercada de tradições históricas, do passado da civilização inca.

A trinta quilômetros está localizado o célebre Pacha-lanec, local onde se encontram os vestígios da milenária civilização incaica, que os espanhóis destruíram com a conquista do nefasto “Cortez”.
Ruínas de cidadelas, fortes, fortalezas, além do vasto depósito de ossos humanos descobertos e desenterrados pelos terremotos periódicos que assolam aquela região.
Disseram-me que em Cuzco (contou-me o Panchito, meu companheiro de viagem de Valparaíso a Calau), que ali é onde está a magnificência do passado inca.
Lá estão os templos do Sol, as ruínas de Machu-Pichu.
Até foi a milênios, o centro e a metrópole do vasto império que se estendia da Colômbia à Argentina.
É um país de tradição, de um passado único na América.
Lima é a cidade aristocrática da América.
Sua cultura científica, artística, literária é importantíssima.
E quanto à bondade, a gentileza e a hospitalidade dos seus habitantes, só é comparável à brasileira.
A encantadora Lima é o centro cultural e aristocrático por excelência.
Aqui deste lado do Pacífico, tem o Brasil um povo amigo que o admira e venera.

De estrada de ferro vou ao afamado lago Titicaca.
Lá está trepado nos Andes, a oitocentos metros de altura e com cerca de oitocentos metros quadrados de águas salobras. Um verdadeiro espetáculo da natureza!
Água, céu e nuvens formam um todo.
Lhamas mansas, domesticadas a serviço do homem, e lhamas selvagens, vivem à beira do  lago numa sociedade com os indígenas, restos de uma raça de fortes que se definha  e se confunde com seu próprio desaparecimento.

Deixo o Peru saudoso e Lima vai ficar na minha mente com a sua paisagem típica, a sua sociedade culta, a sua hospitalidade à brasileira e a sua bondade inata. (Continua na próxima postagem).


(AQUARELAS E RECORDAÇÕES  Capítulo XXII)
Francisco Benício dos Santos

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