BORDO DO Pedro II
31º DIA
Um mês de viagem.
Malas arrumadas.
Passaporte visado.
Cartas de apresentação.
Despedida.
Embarco na “Ferro Carril Transandina” para Valparaíso, no
Chile.
Em frente, os Andes, maciços, imponentes – a divisa natural
entre Argentina e o Chile.
Eternamente coberto de neve e povoado pelos condores e
vulcões.
Ao sul a terra do fogo e ao fim o cabo Horn, onde o Pacífico
e o Atlântico se digladiam eternamente sem nenhum dos pugilistas cederem na
luta de milhões de séculos.
Lembra-me a coragem e a inteligência do luso Magalhães, que num assomo de
paciência, persistência e intrepidez doou ao mundo a passagem do estreito que
tomou o seu nome, cujo epílogo de tão
arriscada e temerosa jornada, foi a sua morte inglória numa ilha selvagem do
Pacífico, numa peleja com os nativos.
Triste destino de tão alto personagem.
Pobre Fernão de Magalhães! Viveu somente para o sofrimento,
legando o seu nome e a sua descoberta a humanidade que a deixou no mesmo estado
até hoje.
Nem valeu a pena o sacrifício.
Aquela passagem pequena, estreita, sinuosa e cheia de
escolhos e perigos, é ainda considerada temerosa para os navios que a tentam
cruzar, arrastando a raiva e a fúria dos dois oceanos, sempre hostis.
Atravesso regiões maravilhosas e cidades importantes, e os vários túneis,
viadutos e paisagens da cordilheira.
Afinal Valparaíso, estou no Chile.
Cidade sorriso, cidade encanto, cidade dum povo bom,
acessível e, sobretudo, amigo do Brasil e dos brasileiros.
“Es brasileno, es Hermano”.
Avenida Brasil, belíssima, artéria cujo nome lembra o meu
país distante.
Estamos na costa e porta do oceano Pacífico.
Do outro lado da cordilheira andina, o Brasil...
Indústrias de salitre e de nitratos, riqueza mineral e
principal fonte de receita do Chile.
Santiago.
A grande capital e principal cidade do país, tão importante
como São Paulo, Porto Alegre e
Montevidéu, apenas inferior ao Rio e Buenos Aires.
Sede do governo e das escolas superiores e universitárias.
Centro cultural importantíssimo. Comércio notável.
Demoro-me pouco aqui. Estou atrasado e preciso chegar ao
México e a distancia a percorrer é enorme...
Amanhã viajo para a República do Peru.
Já perdi a cronologia deste diário. Agora as notas serão
contínuas.
Os incômodos, as viagens, as mudanças, prejudicaram a continuidade.
Bordo do navio “Hudson” transoceânico norte americano da
linha Pacífico Atlântico, via canal do Panamá-Valparaíso-New York.
A costa do Pacífico no Peru é desnuda e desprovida de
vegetação; uma desolação!
Verdadeiro contraste com as costas magníficas do Brasil.
A viagem é monótona e aborrecidíssima.
Quatro dias de Valparaíso a Calau. Passei todo esse tempo em
leituras. Não fiz camaradagem com os passageiros, na maioria, norte-americanos,
ingleses e japoneses, poucos sul-americanos. Apenas dois rapazes peruanos e um
casal chileno que se destinavam à Venezuela.
Fiz relações ligeiras com um peruano, muito simpático, mas
que nada sabia do Peru e da sua história. Foi criado no Chile.
Chegamos a Calau, o principal porto do Peru, espécie de
subúrbio de Lima.
Desembarco só. O navio descarrega mercadorias e ruma ao seu
destino.
As dificuldades aduaneiras aqui não existem, especialmente
para os brasileiros que são aqui queridos e estimados.
Estou encantado com os peruanos, tal a sua cativante
bondade.
E as mulheres, verdadeiros tipos de beleza. A mestiçagem
entre fidalgos espanhóis e fidalgos incas deu em resultado o belo tipo moreno
das mulheres peruanas.
Lima é uma cidade bem diferente das suas congêneres
sul-americanas. Aqui o cunho andaluz é proeminente, na terra dos vice-reis da Espanha onde a
fidalgaria espanhola deixou largos traços da sua característica, nos edifícios,
nos costumes, no povo e na sua aristocracia.
A todo passo encontram-se
edifícios notáveis ao gosto e ao estilo andaluz, em contraste com os
mais belos edifícios do estilo moderno e de traços arquitetônicos deslumbrantes
e suntuosos, tais como o palácio presidencial que é, sem contestação, um dos
mais suntuosos das Américas, tal a imponência da sua arquitetura.
Lima está cercada de tradições históricas, do passado da
civilização inca.
A trinta quilômetros está localizado o célebre Pacha-lanec,
local onde se encontram os vestígios da milenária civilização incaica, que os
espanhóis destruíram com a conquista do nefasto “Cortez”.
Ruínas de cidadelas, fortes, fortalezas, além do vasto
depósito de ossos humanos descobertos e desenterrados pelos terremotos
periódicos que assolam aquela região.
Disseram-me que em Cuzco (contou-me o Panchito, meu
companheiro de viagem de Valparaíso a Calau), que ali é onde está a magnificência
do passado inca.
Lá estão os templos do Sol, as ruínas de Machu-Pichu.
Até foi a milênios, o centro e a metrópole do vasto império
que se estendia da Colômbia à Argentina.
É um país de tradição, de um passado único na América.
Lima é a cidade aristocrática da América.
Sua cultura científica, artística, literária é
importantíssima.
E quanto à bondade, a gentileza e a hospitalidade dos seus
habitantes, só é comparável à brasileira.
A encantadora Lima é o centro cultural e aristocrático por excelência.
Aqui deste lado do Pacífico, tem o Brasil um povo amigo que
o admira e venera.
De estrada de ferro vou ao afamado lago Titicaca.
Lá está trepado nos Andes, a oitocentos metros de altura e
com cerca de oitocentos metros quadrados de águas salobras. Um verdadeiro
espetáculo da natureza!
Água, céu e nuvens formam um todo.
Lhamas mansas, domesticadas a serviço do homem, e lhamas
selvagens, vivem à beira do lago numa
sociedade com os indígenas, restos de uma raça de fortes que se definha e se confunde com seu próprio
desaparecimento.
Deixo o Peru saudoso e Lima vai ficar na minha mente com a
sua paisagem típica, a sua sociedade culta, a sua hospitalidade à brasileira e
a sua bondade inata. (Continua na próxima postagem).
(AQUARELAS E RECORDAÇÕES Capítulo XXII)
Francisco Benício dos Santos
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