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sexta-feira, 15 de outubro de 2021


 

“Caminho sinodal” — Uma Igreja sem sacerdotes?

 

 Mathias von Gersdorff

 

Frankfurt — Continuamos nossa análise sobre o Caminho sinodal ora em curso na Alemanha. Uma coisa é certa, a demolição do sacerdócio conduzirá a uma Igreja xamânica. Vejamos.

Deve o sacerdócio ser abolido na Igreja Católica? Será que a Igreja precisa mesmo de padres? A Assembleia sinodal permitiu que esta questão fosse discutida. Com efeito, ao serem perguntados no último dia 1º de outubro se deveria haver uma discussão sobre a abolição do sacerdócio, nada menos que 95 participantes do Sínodo responderam que “sim”.

Aconteceu que 94 outros votaram “não”, e já que a maioria simples é suficiente nessa Assembleia, a questão poderá agora ser discutida oficialmente no Caminho Sinodal. Ora, alguns poderiam afirmar: “É só uma questão de discussãoNinguém ou quase tanto acredita seriamente que o sacerdócio possa ser abolido. Portanto, o mais provável é que não haja exigência concreta alguma, e o assunto pode ser deixado de lado com tranquilidade”.

Quem pensa assim, analisou o caso apenas de modo superficial, tirando conclusões precipitadas. Ainda que o Caminho Sinodal não se decida pela abolição do sacerdócio (ou a exija, pois a Assembleia Geral não pode tomar tal decisão), entretanto, nos debates será discutida seriamente a edificação de uma Igreja igualitária, na qual o padre praticamente não tem autoridade.

Tenho salientado muitas vezes que o objetivo da revolução da Igreja alemã é a introdução do ‘igualitarismo’ na Igreja católica, uma vez que o progressismo odeia a sua ordenação hierárquica e tudo o que lhe é relacionado, tal como a sacralidade, a tradição e a beleza.

Caminho Sinodal já mostrou como o igualitarismo lhe é importante. Por exemplo, a disposição das cadeiras na sala da assembleia é determinada pela primeira letra do nome… Posição, cargo, função, idade, experiência, tudo isso é irrelevante. Nenhum parlamento no mundo é tão igualitário como este Caminho Sinodal.

Portanto, não é de surpreender que se esteja pensando no estabelecimento de uma Igreja na qual o padre só deve intervir no estritamente indispensável, como pronunciar as palavras da transsubstanciação na Missa, ou dar a absolvição na confissão. O sacerdote estaria assim reduzido à sua função central, ficando dificilmente visível o fato de que ele age em “persona Christi”.

Mas será que uma tal Igreja sobreviverá? Como deve ser a sua estrutura, uma vez que os padres ficariam reduzidos a um papel puramente funcional? O que manteria a unidade dos fiéis nessa Igreja? Talvez algo à maneira de “senso de comunidade”? Uma possibilidade seria organizar a vida interna desta pseudo-Igreja em torno de pessoas com certos carismas. Ou seja, pessoas capazes de influenciar e convencer outras com a sua personalidade, no bom ou no mau sentido.

Vamos a um exemplo. Alguém poderia tentar declarar Greta Thunberg ou pessoas do estilo como porta-vozes do Espírito Santo. Tais pessoas seriam dotadas de uma ‘aparente’ autoridade moral concedida pela mídia, e por teólogos por ela patrocinados, as quais ditariam os modos de ser e de viver dos católicos.

Com semelhantes figuras, pode-se-ia tentar fazer com que fosse mais importante para os católicos levar uma vida “neutra para o clima” do que obedecer aos Dez Mandamentos. Precisamente no meio do ativismo ambiental, podem ser encontrados muita gente que tem certa energia pseudo-espiritual e carisma suficiente para agir mais ou menos como xamãs.

Com sua mera presença, seu comportamento e com poucas palavras eles apresentariam estilos de vida e imporiam intuitivamente como se deve viver. Esses pseudo-profetas podem ser encontrados em todos os temas em voga: gênero, diversidade, cultura do cancelamento, sobretudo na questão climática e na ecologia.

E todos formariam uma espécie de colégio de pseudo-papas que exerceriam influências por meio de sua visão da vida, e não por meio do que comunicam verbalmente. Certo, também os padres poderiam desempenhar este papel xamânico, contudo o fato de serem pessoas consagradas não teria qualquer importância.

Pois aqui se trata mais bem da apresentação de um estilo de vida pseudo-espiritual antes ancorado no budismo, no panteísmo e nas religiões naturais do que na teologia moral e na ascese católica.

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Texto original em http://mathias-von-gersdorff.blogspot.com

Tradução: Renato Murta de Vasconcelos

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O MENINO JORGE AMADO – Cyro de Mattos



O menino Jorge Amado

Cyro de Mattos   

 

           Nos livros de ficção desse escritor popular percebe-se que o narrador de linguagem fluente dá voz aos humilhados e ofendidos, ao povo do candomblé, às gentes do cais, prostitutas, seresteiros, pescadores, operários, poetas populares, meninos de rua. Com esse elenco de tipos populares fica nítido que para ele é mais importante o conteúdo na trama, muitas vezes interligada com humor, do que a palavra com a qual a vida é recriada.

           Íntimo dos poetas populares, sua inspiração é dotada de um lastro humanitário que se expressa através da esperança na mensagem, da liberdade como o sentimento mais valoroso e o amor o mais forte.  A   solidariedade se faz presente na sua obra, na escrita irreverente que se transmite fascinante, tantas vezes sensual, mesclada com suas ondas de indignação.

           Aqueles que o conheceram sabem que ele tinha a amizade como uma coisa nata. Dava-se conta por isso que existia ainda o homem simples como o artista, embora fosse comum encontrar na vida   o artista vaidoso como o homem.  O compromisso que sempre teve com as letras foi o da verdade, honestidade, promoção do reconhecimento do valor no outro e a defesa da liberdade de expressão. Daí ser reconhecido por justeza como um legítimo romancista da vida, um poeta da prosa que encanta.

           Detentor das mais belas páginas de nossas letras. De O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, retira-se essa passagem, com sabor e saber que resultam de um criador que adota o simbolismo do amor como o sentimento mais poderoso no caráter do homem e da mulher. Ele alude que o mundo só tem graça e encanto quando se vive nele fora das prisões.  

 

O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e Dona Andorinha.

 

           Qualquer escritor que se preze gostaria de assinar uma joia de versos como essa, simbolizando o amor que a vida deve ter sem preconceitos e dominações. Uma joia singela com brilho de verdade.  O amor como eterna armadura sustentável na leveza do ser, que não se cala e diz que a vida é bela, muita gente quer vê-la  com desprezo,  sem dar o valor que ela merece. 

           Tal como acontece com O gato Malhado e a andorinha Sinhá, depois que se acaba a leitura de A bola e o goleiro (1984), história escrita para o público infantil, como para o adulto que ainda não deixou de ser criança, certamente dirá, “uma pena, que um inventor de ingenuidades, com alma tão infantil, leve, cheia de humor, dotada de surpresas e sustos coloridos, que cativam e encantam, não tenha se dedicado mais à escrita de livros para os leitores pequenos.”

            Certo que a infância tenha recebido tratamento importante ao longo da construção de seu legado romanesco para o leitor crítico. Mas o que se lamenta, repito, é que no olhar para o mundo com visões líricas e reflexões críticas para o leitor generalizado, esse consagrado autor de uma soberba literatura adulta, rica de imaginação e sentimento popular do mundo, não fizesse de seu ofício também um recanto dedicado ao leitor infantil, amante da boa prosa e do verso engraçado, e não se deixasse ficar como um bissexto autor para crianças. 

              Essas considerações agora vêm a propósito de O goleiro e a bola uma beleza de texto infantil, que tem o futebol, uma das paixões do povo brasileiro, como tema.  Com maestria fina, sutilezas e manhas, Jorge Amado escreve a história de amor entre a bola Fura-Redes e o goleiro Bilô-Bilô Cerca-Frango, que não se cansava de tomar gol, por razões óbvias era considerado o pior do mundo na posição. Até que um dia aconteceu o inesperado. Amor à primeira vista entre Fura-Redes, o pavor dos goleiros, e Bilô-Bilô Mão Podre.       

           Depois chegou o dia de o Rei de Futebol fazer o gol milésimo da sua carreira, marca que jamais seria alcançada por qualquer goleador. Todas as bolas se ofereceram para ter a honra de ser a vítima do gol milésimo do Rei de Futebol. E o que aconteceu?

 

           Mudou Cerca-Frango de posição, fugindo rápido para o outro lado. Fura-Redes fez o mesmo, a buscá-lo. Assim ficaram os dois durante alguns minutos, um tempo enorme, correndo em frente às traves, de uma à outra, até que, desesperado, Bilô-Bilô disparou campo afora deixando o arco à disposição da bola. Mas Fura-Redes partiu atrás de seu goleiro e o perseguiu até que o alcançou diante do arco do adversário e em seu peito se aninhou redondinha e amorosa.

 

         Como terminou essa história futebolística entre a Bola Fura-Redes e o goleiro Cerca-Frango, que foi o pior e o melhor de todos? 

                             

          Se casaram e viveram felizes para sempre.

 

Referência

AMADO, Jorge. O gato Malhado e a andorinha Sinhá, Record, Rio de Janeiro, 1976.

              -------- A bola e a rede, Record, Rio de Janeiro, 1984.

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*Cyro de Mattos é autor de 80 livros, de diversos gêneros. É também publicado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.

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