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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

OSMAN LINS É O TEMA DA PALESTRA DE ENCERRAMENTO DO CICLO DE CONFERÊNCIAS ‘CADEIRA 41’



A Academia Brasileira de Letras encerra seu ciclo de conferências do mês de agosto, intitulado “Cadeira 41”, com palestra do escritor e jornalista Hugo de Almeida, sob coordenação da Acadêmica Ana Maria Machado. O tema escolhido foi Osman Lins, 40 anos depois, mais atual.

Serão fornecidos certificados de frequência.

Hugo de Almeida adiantou que, em sua palestra, abordará desde os primeiros passos de Osman Lins como autor de Avalovara e Lisbela e o prisioneiro, no interior de Pernambuco, até a consagração como grande escritor brasileiro, traduzido em vários países.

 Osman Lins viveu apenas 54 anos, mas deixou rica e vasta obra, de gêneros diversos – conto, romance, teatro, ensaio. Tratarei, sobretudo, da atualidade da ficção osmaniana, de sua fortuna crítica, a partir da estreia com O visitante, em 1955, romance premiado pela ABL, até A rainha dos cárceres da Grécia, publicado em 1976, dois anos antes da morte do autor. E, claro, refletir sobre a questão do Ciclo de Conferências “Cadeira 41”: Osman Lins na Academia?”

O CONFERENCISTA

O escritor e jornalista Hugo Almeida é doutor em Literatura Brasileira pela USP, com tese sobre o romance A rainhados cárceres da Grécia, de Osman Lins. Publicou mais de dez livros de ficção. Também organizou e prefaciou o volume de ensaios Osman Lins: o sopro na argila, lançado em 2004, em homenagem aos 80 anos de nascimento do romancista pernambucano. Em 2014, organizou, com Rosângela Felício dos Santos, Quero falar de sonhos, volume de artigos críticos de Osman Lins anteriores a Avalovara. Em 2016, publicou a coletânea de contos Nove, novena: variações, pelos 50 anos das narrativas osmanianas.

24/08/2018



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INSÔNIA – Ariston Caldas

Insônia 

Mil aviões fizeram um “raid” sobre Londres, matando pessoas, destruindo pontes, ruas e praças. Seria verdade esse absurdo ou um exagero das agências  de notícias? Certo é que os nazistas abafavam o mundo. Na Europa dominavam uma série de países e entravam pelas estepes russas; esmagavam a França, e a Itália, sua aliada à força, gemia o peso da ocupação.

            Naqueles tempos nebulosos as pessoas passaram a aprender mais História e Geografia; nomes complicados andavam de boca em boca. Era o quitandeiro, o dono da padaria, o barbeiro da esquina, o povo na rua. Até os matutos vendendo coisas na feira, aos sábados. “é a guerra”, diziam. Sabia-se quem era o mandatário desse ou daquele país, o rei de uma nação obscura, o primeiro-ministro de uma potência ou general-de-campo que distinguia-se numa frente de batalha; o nome de uma ilha nos confins do mundo. 

            O alfaiate Possidônio, de cavanhaque e um colete ruivo espetado de alfinetes, pronunciava os nomes estrangeiros conforme permitia seu português: Rosevelte, Itler, Degaule, Marque Artur, Istalim. Quando qlguém o corrigia, ele falava, ufano: “Sou brasileiro, alfabetizado, e só falo meu idioma, certo é como digo:” À noitinha havia um noticiário pelo rádio, e a gente da vizinhança amoitava-se  em frente à casa de seu Ismael para ouvir as novidades da guerra; formavam-se opiniões, discutia-se. Dona Isolda, mulher de Ismael, de xale preto em volta do pescoço, ouvia tudo sentada numa cadeira de vime e, durante o informativo, benzia-se nem sei quantas vezes, o rosto triste; depois saía para o passeio onde ficava conversando com dona Zulmira que residia ao lado; “este mundo virou terra de cão”, dizia dona Zulmira retirando-se macia, arrastando uns chinelos de pano; aí dona Isolda entrava, apanhava um missal e sumia pelo quarto de dormir.

            Tempos de terror, mas teria um fim para a situação. Preparava-se a Segunda Frente pela Normandia e na União Soviética sucedia-se uma série de reveses às forças do Eixo. Iniciava-se  o fim do pesadelo.

            No telhado do meu quarto uma lagartixa anda para um lado, para outro; esqueço da guerra, da morte, de outros absurdos. Agarrada ao telhado, a qualquer instante a papuda poderá cair sobre o meu rosto; sinto náusea, arrepios a barriga branca, as costas rajadas; deve ser fria, as unhas arranhadas. Lembro de Tereza, quando ela via uma lagartixa, agarrava-se a mim, assustada, gritando. Onde andará Teresa? Tinha os seios pontudos, gostava de uma flor no cabelo.

            Essa história de contar carneirinho para espantar insônia não passa de uma lenda engraçada; contei mil e dois. Meus olhos estão secos, impaciência dos pés ao juízo, a boca amargando; meu pensamento voa inseguro por terras onde nunca andei, com pessoas perambulando à toa por caminhos desconhecidos, por superfícies de rios longínquos – Nilo, Mississipi, Volga, Tâmisa, Sena; atrelado a mãos afagantes, rondando, rondando para voltar depois ao quarto turvo opressivo com uma lagartixa andando pelo teto e ameaçando cair sobre meu rosto. Por instantes a guerra volta ao meu juízo, Londres arrasada, mil aviões roncando pelo céu, fogos cruzantes, estampidos gemendo, morte, desespero; um rádio transmitindo as notícias, dona Isolda benzendo-se na cadeira de vime, de chalé caindo sobre os ombros; o alfaiate  Possidônio dentro de um colete ruivo cheio de alfinetes; “Itler, Rosevelte, Degaule.” Tereza com medo de lagartixa, com um jasmim pregado no cabelo.

            Ouço agora, muito longe, a melodia de uma flauta, suave e sutil. São duas da madrugada, o universo é uma insônia avassaladora.


(LINHAS INTERCALADAS – 2ª Edição 2004)
Ariston Caldas

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