Céu Noturno
Marco Lucchesi
Espanto e
maravilha, irrompe a fresca madrugada nos domínios da insônia.
A descoberta da
escala me pareceu assombrosa. Não sofro de insensibilidade numérica. A estrela
Ícaro, na constelação do Leão, dista nove bilhões de anos-luz da Terra! A fome
da distância produz vertigem e delírio. Impossível morrer por falta de ar.
Poincaré: a
astronomia é útil porque nos eleva acima de nós, útil porque é bela. Faz ver
quanto o homem é pequeno no corpo e no espírito, pois essa imensidão
resplandece onde seu corpo não passa de um ponto obscuro, e pode abarcar a sua
inteligência e dela fruir a silenciosa harmonia.
O céu noturno clama
o sentimento do infinito. Ou de operar em vastas, sublimes escalas. E de
obrigar-se para o mais, não para o menos. Apelo de angústia ou de paz. A luz
das nebulosas, estrelas e quasares. Leio Paul Coudrec: “os poetas não terão
mais, sozinhos, o privilégio de celebrar a luz: toda a ciência tornou-se um
hino à luz”.
Também assim, para
Farias Brito, mas por motivos outros, ao declarar que dentro da luz agimos e
estamos.
As não pequenas
dificuldades do campo unificado. O primeiro livro que me abordou foi o de Abdus
Salam. A mecânica celeste e os sóis incontáveis.
Betelgeuse e
Bellatrix. Les belles dames sans merci. Amo as nebulosas de Órion e Cabeça de
Cavalo. Assim na Cruz o Saco de Carvão. Mais belas entre Escorpião e Sagitário,
as nebulosas da Lagoa, a Trífida e a Messier 55.
Comprei alguns
livros de radioastronomia. Mas inutilmente. Olhar de poesia, artesanal. Vou
mais longe com a matemática. Reclamo sempre o corpo razoavelmente tangível.
Minhas estrelas:
Antares e Aldebarã. E a Mira Coeli – em vez de Mira Coeti para dizer como Jorge
de Lima.
Passaram-se muitos
anos. Meu telescópio ainda vive. É preciso colimar as lentes. Eu também vivo.
Quando o mundo é mais hostil, não falta céu.
Humanitas, 01/04/2021
Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da
cadeira nº 15, eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos
de Ávila, foi recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha.
Foi eleito Presidente da ABL para o exercício de 2018.
* * *