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quinta-feira, 27 de agosto de 2020

A HONRA DOS BROSSABOURG – Georges Courteline

A Honra dos Brossabourg


           A Baronesa – Esposo meu! Chegou o momento de confessar-vos alguma coisa terrível. Nossa honra, a honra dos Brossabourg, até hoje imaculada...

            O Barão – Que dizeis, senhora? A honra dos Brossabourg?...

            A Baronesa (com dolorosa solenidade) – Senhor de Brossabourg! Vossa honra está para sempre manchada! 

            O Barão – (com entonação terrível) – Vosso cúmplice! O nome do vosso cúmplice, senhora! Necessito afogá-lo em seu próprio sangue! Seu nome prontamente!

            A Baronesa – Ignoro-o!... (Assombro do Barão). É uma história terrivelmente trágica. Ouvi-me e julgai-me. Estais lembrado de que no mês de novembro vieram passar uns dias no castelo vários amigos vossos. Eram eles, o visconde Lamonte, o cavalheiro de Mepier, o senhor de Poilú-Budin, o general barão de La Roussardière...

             O Barão – O doutor Bourdegrave e Oscar Poutrepet. E então?

            A Baronesa – Dois dias depois da chegada de vossos hóspedes achava-me eu nos meus aposentos, mudando de roupa interior. Havia atingido o momento psicológico em que a extremidade inferior da camisa, subindo ao nível da nuca, fica enganchada nos grampos do penteado. Lutava eu para desvencilhar a cabeça desse envoltório, quando ouço, com terror, abrir-se a porta atrás de mim e exclamar, numa voz masculina! – “Raios do céu! Como isto é lindo!...  No mesmo instante, senti uns dedos audaciosos me roçarem a pele, no lado inferior das espáduas... (pudicamente) Corramos um véu sobre o que houve. Quando enfim, pude arrancar a cabeça de entre as pregas da maldita camisa e passear em torno um olhar de nobre indignação, o indiscreto havia desaparecido, deixando uma nódoa indelével no brasão dos Brossaborgs!

            O Barão (soltando uma gargalhada) – Mas como? Não reconheceste a voz?

            A Baronesa – Pela baixeza da expressão, supus reconhecer Poutrepet, e, no mesmo instante, me dispus a apurar a verdade, arrancando ao falso gentil-homem a confissão de sua felonia. Para isso, convidei-o para uma entrevista à meia noite. À hora fixada, abri-lhe a porta do meu aposento, repartindo com ele o meu leito...

            O Barão – Hein?!

           A Baronesa - Sim, esposo meu. Ocultei sob o travesseiro punhal envenenado resolvida a levar a cabo minha vingança ao ter a prova do seu miserável procedimento. Quando o vi prestes a exalar a alma na embriaguez do beijo supremo, disse-lhe com pérfido sorriso, passando-lhe os braços pelo pescoço, numa expressão de fingida ternura: “Confessa tudo, meu amor! Não é verdade que foste tu que entraste ontem no meu aposento no momento em que eu mudava de camisa?” E enquanto dizia isso acariciava o cabo do punhal. Mas ele respondeu: “Como? Não entendo!”, com tal acento de sinceridade, que minhas suspeitas se dissiparam.

            O Barão (enxugando o suor que lhe banha a fronte) – Uff!...

            A Baronesa – Minhas dúvidas recaíram, então, sobre o senhor de Poilú-Budin, cujos olhares libidinosos haviam mais de uma vez chamado a minha atenção. Desejosa de vingar a honra dos Brossabourg, usei do mesmo procedimento anterior, convencendo-me igualmente da sua inocência.

            O Barão (cujos olhos saltam das órbitas) – E, com certeza, suspeitaste também do barão de La Rous-sardière.

            A Baronesa – Exatamente. Por desgraça, minha terceira tentativa resultou igualmente infrutífera, tocando, então, o turno do cavalheiro de Mepier...

            O Barão – E logo ao doutor Boudegrave...

            A Baronesa – Depois ao visconde Lamote, e mais tarde ao nosso cocheiro. Agora, vou fazer e experiência com o porteiro.

            O Barão (fora de si) – É verdade, senhora, que sois mais estúpida que todos os porcos do mundo, juntos. Que meu rosto se cubra de cicatrizes, se pensei, jamais que pudessem advir tais consequências da minha inocente brincadeira daquele dia.

            A Baronesa – Ah!... Mas... Então, foste vós?

            O Barão – Sim, senhora! Fui eu...

            A Baronesa – Louvado seja Deus! Alegra-me saber isso! Pois, à dúvida de que o culpado fora o porteiro, se misturava o indizível terror de que pudesse ter sido aquele imundo criado preto, que trouxeste de Marrocos!...

            

(CONTOS DE ALCOVA)

Compilado por Ives Idílio   

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GEORGES COURTELINE

 

         GEORGES VICTOR MARCEL MOINAUX, que se tornou mundialmente conhecido no mundo literário sob o pseudônimo de Georges Courteline, nasceu em Tours, por volta de 1858 e morreu em Paris em 1929.

          Dotado de fino poder de observação e de uma crítica penetrante, foi inúmeras vezes comparado por essas qualidades ao próprio Molière...

          “A Honra dos Brossabourg”, é um modelo de, sutileza e sobretudo, de poder de síntese. Em meia dezena de palavras, Courteline nos dá uma visão completa e magnífica, embora irreverente, da época em que se passa essa cena inimitável... 

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