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domingo, 22 de maio de 2022

PRENÚNCIO NUVENTE - Carlos Nejar


Prenúncio nuvente

Carlos Nejar


- Estou aqui pela palavra, disse. Não pelo silêncio.
- Como?
- Sim, no silêncio é que pude contemplar o inseto invisível que ataca o mundo.
- E o motivo?
- Vou queimar na nuvem o inseto!
- Insisti: - Letícia, e a vacina?
- Quando chegarem todas as doses para o povo, não haverá mais o vírus! E além disso, o vírus acaba o vírus.
Não entendi. Todos usamos máscaras, ficamos reclusos, evitando o aglomeramento...
- São sábias medidas da ciência!, retrucou Letícia.
Mas minha ciência é outra. Há um fogo em mim que inventa o tempo.
- Um novo tempo?
- Sim. E a luz não é do tempo, é da palavra. Eu sou palavra quando sonho.
- Ninguém sonha sozinho: a palavra sonha junto.
E a Nuvem Letícia sorriu. Estava saudoso de sua presença. Ou do assombro de vê-la branca, e os dentes e olhos puros, brilhando.
E ficamos sabendo que o tal de vírus foi queimado e extinto.
- Muitos morreram e nós choramos os mortos.
Mas é preciso viver. E, se a palavra vive, nós vivemos.
- Todos juntos na palavra!, exclamou Letícia. E o que se crê, já começa a existir.
E vi que a Nuvem me abraçou. Com a palavra que derramava luz.

Tribuna Online, 23/05/2021

https://www.academia.org.br/artigos/prenuncio-nuvente


Carlos Nejar - Quinto ocupante da cadeira nº 4 da ABL, eleito em 24 de novembro de 1988, na sucessão de Vianna Moog, foi recebido em 9 de maio de 1989 pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (264)



6º Domingo da Páscoa | 22/05/2022


 Anúncio do Evangelho (Jo 14,23-29)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João.

— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. Quem não me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou.

Isso é o que vos disse enquanto estava convosco. Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito.

Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.

Ouvistes o que eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu.

Disse-vos isso, agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.


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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Roger Araújo:


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A nobreza de ser morada da Trindade

 


 “Se alguém me ama, guardará minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele nossa morada” (Jo 14,23)

Neste último domingo de Páscoa a liturgia, mais uma vez, nos faz ter acesso a um trecho do discurso de despedida de Jesus, no evangelho de S. João. Na realidade, trata-se de um “discurso pascal”, onde o evangelista recolhe os dons principais revelados pelo Ressuscitado: vida, amor, paz, fé, Espírito Santo.

A narração deste domingo dá destaque a uma nova presença do Cristo Ressuscitado entre os seus seguidores e seguidoras: junto com o Pai e o Espírito, Ele faz do interior de cada um(a) sua “morada”. 

Sabemos que o ser humano é  interioridade; é sua essência, é a dimensão mais nobre e sagrada de todos. E essa interioridade é habitada por uma Presença, sempre inspiradora e iluminadora como o Sol.“O Sol res-plendente está sempre dentro da alma e nada pode arrebatar sua magnificência” (S. Teresa D’Ávila).

Presença que fala dentro de nós; presença que é Fonte de paz; presença que, através do seu Espírito, nos inspira, nos sustenta e desperta as melhores energias e forças mobilizadoras de nossa vida.

Os mestres espirituais chamam a esta interioridade também de “Imago Dei” (imagem de Deus), ou a própria presença divina em nós.

Só descobrindo o que há de Deus em nós, poderemos cair na conta da nossa verdadeira identidade. Ele é nosso verdadeiro ser, nosso ser profundo, nossa essência. Somos templos de Deus, presença constante do Espírito de Deus conosco. Somos seres habitados; não estamos sozinhos.

É próprio do ser humano mergulhar e experimentar sua profundidade. Auscultando a si mesmo, percebe que brotam de seu “eu profundo” apelos de compaixão, de amorização e de identificação com os outros e com o grande Outro (Deus). Dá-se conta de uma Presença que sempre o acompanha, de um Centro ao redor do qual se organiza a vida interior e a partir do qual se elaboram os grandes sonhos e as significações últimas da vida. 

Normalmente quando falamos de Deus nós o imaginamos bem distante e quase inacessível. Vemos longe Aquele que está tão perto, Aquele que trazemos dentro de nós mesmos. Vemos longe Aquele que vive e nos dá vida cada dia. Basta um simples olhar por dentro para nos encontrar com Ele.

Às vezes, sentimos como se tivéssemos medo de nosso próprio mistério; temos medo de sentir que nós somos o céu de Deus; temos medo de pensar que somos a “casa” onde vive e habita Deus.

Muitas vezes não nos damos conta dessa Presença, mas ela não nos invade, não nos anula, não se impõe... Simplesmente se faz habitante, presença, inspiração...

No entanto, esta é a nobreza de nosso ser: todos somos “morada” divina, porque nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em nós; embora a imensa maioria das pessoas não tem consciência disso ainda, não podemos deixar de manifestar o que somos. Deus sempre habita no mais profundo de cada um de nós; podemos ou não entrar em sintonia com essa presença para nos deixar conduzir por ela.

Deus anda abraçado conosco e sua graça banha suavemente todas as dobras do nosso ser e agir. Agostinho cunhará a expressão de que Deus é “intimior intimo meo”, mais íntimo que nossa própria intimidade. Esta presença é fonte de vida espiritual, uma vida que pulsa dentro de nós e flui com diferentes “moções” que nos fazem sentir perto d’Aquele que já está perto.

Em nosso coração há sempre um movimento profundo que é manifestação da ação de Deus no mais íntimo de cada um.

Quem toma consciência de sua identidade profunda, descobre-se habitado e amado pelo Mistério e não pode fazer outra coisa senão amar e experimentar a comunhão com tudo e com todos. Na linguagem do quarto evangelho, Deus é o “centro” último do nosso interior, o que constitui nossa identidade mais profunda. A expressão do pensador Pascal - “o ser humano supera infinitamente o ser humano” -, resume bem esta vivência da Trindade que nos habita, nos move e nos faz transbordar em nossa mesma intimidade.

É o céu que vem tocar a terra, é Deus que se aloja no coração humano, é o Reino que se entrelaça na configuração de nossa convivência, é a fé que se revela como atitude de confiança inabalável.

Em Deus sempre vivemos. Em Deus nos movemos. Em Deus somos. A Ele nunca vamos. D’Ele nunca saímos. N’Ele sempre nos encontramos. Ele está nos gerando a cada momento (“o ser humano é criado para...).  Precisamos vivenciar a Fonte donde tudo jorra  e onde tudo deságua; precisamos caminhar à luz do Sol primordial, regressar ao seu seio luminoso.

Eis a meta derradeira do ser humano: a auto-transcendência

Ao fazer morada em nós, Deus acende nosso desejo no desejo d’Ele, ativa a nossa vontade na Vontade d’Ele, faz pulsar o nosso coração no ritmo do Coração d’Ele. Ele entra com sua Liberdade nas raizes da nossa liberdade e alarga os espaços internos para que a Vida divina atravesse todas as dimensões de nosso ser, tornando nossa vida mais oblativa, aberta e comprometida. Segundo José  Saramago “a vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver”. 

Podemos ter acesso ao mais profundo de nós mesmos porque em nós está a dimensão de eternidade, a dimensão “divina” que nos situa acima do vai-e-vém das coisas, para além da superficialidade e da aparência.

Enraizados nessa Presença divina que nos habita, podemos transitar pela história com mais sentido e inspiração. Nós nos movemos, pois, entre transcendência e história, entre contingência e eternidade. É no “substrato humano” que o mistério da Trindade marca presença e age. É na “natureza humana” que Deus constrói a Sua Tenda e, na Sua ternura, abraça a pessoa no seu todo; abrange todas as áreas da vida.

Deus se serve das mediações humanas para revelar-se e falar ao coração. Ele quer assumir o humano na sua totalidade. Ele deseja ser o responsável pela “terra sagrada” da vida humana. Da parte de cada pessoa, Ele pede, apenas, para deixá-Lo trabalhar, limpar, semear, fazer crescer e colher os frutos. A pessoa é solicitada para que deixe espaço aberto e livre ao plano da ação de Deus.

É nas entranhas mais profundas do ser que Deus “toca” com a Sua bondade, ternura e misericórdia. Esta experiência gera compromisso de viver a bondade, a ternura e a misericórdia na missão.

Assim é a Trindade amorosa revelada por Jesus, que se deixa “transparecer” no interior e na vida de cada um de nós. Se nos sentimos “morada de Deus”, se verdadeiramente Deus está em nós, devemos necessaria-mente  manifestá-lo em nossa vida. Deus é amor e o melhor de nós é nosso ser amoroso; por isso, também nós devemos ser “diáfanos”, ou seja, deixar transparecer, em nossa vida e em nossa ação, o Deus íntimo, fundamento de nosso ser e identificado com cada ser humano.  Quem é “diáfano” também “vê” o Deus que se deixa transparecer no outro.

Somos presença do amor de Deus no mundo. Os outros descobrirão essa Presença em nossa vida quando manifestemos, através de nossas atitiudes, o que de Deus há em nós: bondade, compaixão, disponibilidade, atitude de serviço aos outros; quando, de verdade, sejamos um ser para o outro, a partir de nosso ser amoroso. Isso significa viver já como seres ressuscitados, uma nova humanidade; isso significa nascer de novo, nascer para a Vida divina, eterna, definitiva. E isto, aqui e agora, sem deixar para mais tarde. 

Texto bíblico:  Jo. 14,23-29

Na oração: Na oração, mergulhamos em Deus e libertamos em nós profundidades que desconhecemos.

Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela de-verá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Descobriremos recursos e dons ainda inexplorados, que nascerão para a vida sob a ação da Graça de Deus. Ele é a verdadeira fonte do nosso ser, mais próxima de nós do que nós de nós mesmos.


Pe. Adroaldo Palaoro sj

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2574-a-nobreza-de-ser-morada-da-trindade

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