- Estou aqui pela palavra, disse. Não pelo silêncio.
- Como?
- Sim, no silêncio é que pude contemplar o inseto invisível que ataca o mundo.
- E o motivo?
- Vou queimar na nuvem o inseto!
- Insisti: - Letícia, e a vacina?
- Quando chegarem todas as doses para o povo, não haverá mais o vírus! E além
disso, o vírus acaba o vírus.
Não entendi. Todos usamos máscaras, ficamos reclusos, evitando o
aglomeramento...
- São sábias medidas da ciência!, retrucou Letícia.
Mas minha ciência é outra. Há um fogo em mim que inventa o tempo.
- Um novo tempo?
- Sim. E a luz não é do tempo, é da palavra. Eu sou palavra quando sonho.
- Ninguém sonha sozinho: a palavra sonha junto.
E a Nuvem Letícia sorriu. Estava saudoso de sua presença. Ou do assombro de
vê-la branca, e os dentes e olhos puros, brilhando.
E ficamos sabendo que o tal de vírus foi queimado e extinto.
- Muitos morreram e nós choramos os mortos.
Mas é preciso viver. E, se a palavra vive, nós vivemos.
- Todos juntos na palavra!, exclamou Letícia. E o que se crê, já começa a
existir.
E vi que a Nuvem me abraçou. Com a palavra que derramava luz.
Carlos Nejar - Quinto ocupante da cadeira nº 4 da ABL,
eleito em 24 de novembro de 1988, na sucessão de Vianna Moog, foi recebido em 9
de maio de 1989 pelo Acadêmico Eduardo Portella.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus
Cristo + segundo João.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Se
alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e
faremos nele a nossa morada. Quem não me ama, não guarda a minha
palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou.
Isso é o que vos disse enquanto estava
convosco. Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu
nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito.
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o
mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.
Ouvistes o que eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se
me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que
eu.
Disse-vos isso, agora, antes que aconteça, para que, quando
acontecer, vós acrediteis.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Roger
Araújo:
“Se alguém me ama, guardará minha palavra, e o
meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele nossa morada” (Jo
14,23)
Neste último domingo de Páscoa a liturgia, mais uma vez, nos
faz ter acesso a um trecho do discurso de despedida de Jesus, no evangelho de
S. João. Na realidade, trata-se de um “discurso pascal”, onde o evangelista
recolhe os dons principais revelados pelo Ressuscitado: vida, amor, paz, fé,
Espírito Santo.
A narração deste domingo dá destaque a uma nova presença do
Cristo Ressuscitado entre os seus seguidores e seguidoras: junto com o Pai e o Espírito,
Ele faz do interior de cada um(a) sua “morada”.
Sabemos que o ser humano é interioridade; é
sua essência, é a dimensão mais nobre e sagrada de todos. E essa interioridade
é habitada por uma Presença, sempre inspiradora e iluminadora como
o Sol.“O Sol res-plendente está sempre
dentro da alma e nada pode arrebatar sua magnificência” (S. Teresa
D’Ávila).
Presença que fala dentro de nós; presença que é Fonte de
paz; presença que, através do seu Espírito, nos inspira, nos sustenta e
desperta as melhores energias e forças mobilizadoras de nossa vida.
Os mestres espirituais chamam a esta interioridade também
de “Imago Dei” (imagem de Deus), ou a própria presença
divina em nós.
Só descobrindo o que há de Deus em nós, poderemos cair na
conta da nossa verdadeira identidade. Ele é nosso verdadeiro
ser, nosso ser profundo, nossa essência. Somos templos de Deus, presença
constante do Espírito de Deus conosco. Somos seres habitados; não estamos
sozinhos.
É próprio do ser humano mergulhar e experimentar sua profundidade. Auscultando
a si mesmo, percebe que brotam de seu “eu profundo” apelos
de compaixão, de amorização e de identificação com os outros e com o grande
Outro (Deus). Dá-se conta de uma Presença que sempre o acompanha, de um Centro
ao redor do qual se organiza a vida interior e a partir do qual se elaboram os
grandes sonhos e as significações últimas da vida.
Normalmente quando falamos de Deus nós o
imaginamos bem distante e quase inacessível. Vemos longe Aquele que está tão
perto, Aquele que trazemos dentro de nós mesmos. Vemos longe Aquele que vive e
nos dá vida cada dia. Basta um simples olhar por dentro para nos encontrar com
Ele.
Às vezes, sentimos como se tivéssemos medo de nosso próprio
mistério; temos medo de sentir que nós somos o céu de Deus; temos medo de
pensar que somos a “casa” onde vive e habita Deus.
Muitas vezes não nos damos conta dessa Presença, mas ela não
nos invade, não nos anula, não se impõe... Simplesmente se faz habitante,
presença, inspiração...
No entanto, esta é a nobreza de nosso ser: todos somos “morada”divina, porque nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em
nós; embora a imensa maioria das pessoas não tem consciência disso ainda, não
podemos deixar de manifestar o que somos. Deus sempre habita no mais profundo
de cada um de nós; podemos ou não entrar em sintonia com essa presença para nos
deixar conduzir por ela.
Deus anda abraçado conosco e sua graça banha
suavemente todas as dobras do nosso ser e agir. Agostinho cunhará a expressão
de que Deus é “intimior intimo meo”, mais íntimo que nossa
própria intimidade. Esta presença é fonte de vida espiritual, uma vida que
pulsa dentro de nós e flui com diferentes “moções” que
nos fazem sentir perto d’Aquele que já está perto.
Em nosso coração há sempre um movimento profundo que
é manifestação da ação de Deus no mais íntimo de cada um.
Quem toma consciência de sua identidade profunda, descobre-se
habitado e amado pelo Mistério e não pode fazer outra coisa senão amar e
experimentar a comunhão com tudo e com todos. Na linguagem do quarto evangelho,
Deus é o “centro” último do nosso interior, o que constitui nossa
identidade mais profunda. A expressão do pensador Pascal - “o ser humano
supera infinitamente o ser humano” -, resume bem esta vivência da Trindade
que nos habita, nos move e nos faz transbordar em nossa mesma intimidade.
É o céu que vem tocar a terra, é Deus que se aloja no
coração humano, é o Reino que se entrelaça na configuração de nossa
convivência, é a fé que se revela como atitude de confiança inabalável.
Em Deus sempre vivemos. Em Deus nos movemos. Em Deus somos.
A Ele nunca vamos. D’Ele nunca saímos. N’Ele sempre nos encontramos. Ele está
nos gerando a cada momento (“o ser humano é criado para...).
Precisamos vivenciar a Fonte donde tudo jorra e onde tudo deságua; precisamos
caminhar à luz do Sol primordial, regressar ao seu seio luminoso.
Eis a meta derradeira do ser humano: a auto-transcendência.
Ao fazer morada em nós, Deus acende nosso desejo no desejo
d’Ele, ativa a nossa vontade na Vontade d’Ele, faz pulsar o nosso coração no
ritmo do Coração d’Ele. Ele entra com sua Liberdade nas raizes da nossa
liberdade e alarga os espaços internos para que a Vida divina atravesse todas
as dimensões de nosso ser, tornando nossa vida mais oblativa, aberta e
comprometida. Segundo José Saramago “a vida é breve, mas cabe nela
muito mais do que somos capazes de viver”.
Podemos ter acesso ao mais profundo de nós mesmos porque em
nós está a dimensão de eternidade, a dimensão “divina” que nos situa acima do
vai-e-vém das coisas, para além da superficialidade e da aparência.
Enraizados nessa Presença divina que nos habita, podemos
transitar pela história com mais sentido e inspiração. Nós nos movemos, pois,
entre transcendência e história, entre contingência e eternidade. É
no “substrato humano” que o mistério da Trindade marca
presença e age. É na “natureza humana” que Deus
constrói a Sua Tenda e, na Sua ternura, abraça a pessoa no seu todo; abrange
todas as áreas da vida.
Deus se serve das mediações humanas para revelar-se e falar ao
coração. Ele quer assumir o humano na sua totalidade. Ele deseja ser o
responsável pela “terra sagrada” da vida humana. Da parte de
cada pessoa, Ele pede, apenas, para deixá-Lo trabalhar, limpar, semear, fazer
crescer e colher os frutos. A pessoa é solicitada para que deixe espaço aberto
e livre ao plano da ação de Deus.
É nas entranhas mais profundas do ser que
Deus “toca” com a Sua bondade, ternura e misericórdia. Esta
experiência gera compromisso de viver a bondade, a ternura e a misericórdia na
missão.
Assim é a Trindade amorosa revelada por Jesus, que se deixa“transparecer” no
interior e na vida de cada um de nós. Se nos sentimos “morada de Deus”, se
verdadeiramente Deus está em nós, devemos necessaria-mente manifestá-lo
em nossa vida. Deus é amor e o melhor de nós é nosso ser amoroso; por isso,
também nós devemos ser “diáfanos”, ou seja, deixar
transparecer, em nossa vida e em nossa ação, o Deus íntimo, fundamento de nosso
ser e identificado com cada ser humano. Quem é “diáfano” também “vê” o
Deus que se deixa transparecer no outro.
Somos presença do amor de Deus no mundo. Os outros
descobrirão essa Presença em nossa vida quando manifestemos, através de nossas
atitiudes, o que de Deus há em nós: bondade, compaixão, disponibilidade,
atitude de serviço aos outros; quando, de verdade, sejamos um ser para o outro,
a partir de nosso ser amoroso. Isso significa viver já como seres
ressuscitados, uma nova humanidade; isso significa nascer de novo, nascer para
a Vida divina, eterna, definitiva. E isto, aqui e agora, sem deixar para mais
tarde.
Texto bíblico: Jo. 14,23-29
Na oração: Na oração, mergulhamos em
Deus e libertamos em nós profundidades que desconhecemos.
Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela
de-verá fazer emergir à nossa consciência as profundidades
desconhecidas do nosso ser. Descobriremos recursos e dons ainda
inexplorados, que nascerão para a vida sob a ação da Graça de Deus. Ele é a
verdadeira fonte do nosso ser, mais próxima de nós do que nós de nós
mesmos.