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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O VOO DA ÁGUIA


A águia é a ave que possui a maior longevidade da espécie. Chega a viver 70 anos. 

Mas para chegar a essa idade, aos 40 anos ela tem que tomar uma séria e difícil decisão.

Aos 40 anos ela está com as unhas compridas e flexíveis, não conseguindo mais agarrar suas presas, seu alimento.

O bico alongado e pontiagudo se curva.

Apontando contra o peito estão as asas, envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas e voar fica cada vez mais difícil!

A águia então só tem duas alternativas: Morrer... Ou enfrentar um doloroso processo de renovação que irá durar 150 dias. 

Esse processo consiste em voar para o alto de uma montanha e se recolher em um ninho próximo a um paredão onde ela não necessite voar.

Após encontrar esse lugar, a águia começa a bater o bico no paredão até conseguir arrancá-lo. Após arrancá-lo, espera nascer um novo bico com o qual  irá, depois, arrancar suas  unhas.
Quando as novas unhas começam a nascer, ela  passa a arrancar as velhas penas. 

E só após cinco meses sai para o famoso voo de renovação e para viver então mais 30 anos.

Amorosamente! 
Lucia

"Gotas de Crystal" gotasdecrystal@gmail.com

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EDITORA DA ITÁLIA PUBLICA LIVRO INFANTIL DE CYRO DE MATTOS


          Depois de lançar  no ano passado a antologia “Poesie Brailiana della Bahia” (Poesia Brasileira da Bahia), a Editora Aracne, de Roma, publica agora o livro de poesia infantil “Il Bambino Camelô” (O Menino Camelô), do acadêmico e escritor Cyro de Mattos, com ilustrações de Zeflavio Teixeira e tradução de Antonella Rita Roscilli, na Coleção Ragnatele.

          Este livro destinado à garotada amante de versos de pé requebrado, bem bailados e esticados,  para brincar com bichos, de circo e com flores,  teve mais de doze edições quando foi publicado no Brasil e em 1992  conquistou o Grande Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes.

         Considerado o melhor livro infantil do ano, a  ensaísta e professora doutora da USP, Nelly Novaes Coelho, relatora do Prêmio APCA – 1992, destacou as qualidades da obra:  “Li e reli com vagar 'O Menino Camelô'. Uma delícia! Ternura,  graça, ludismo e ritmo ágil que arrasta o leitor (pequeno ou grande)”.

          Poeta, contista, romancista, cronista, organizador de antologia e autor de livros para meninos e jovens, Cyro de Mattos possui mais de 60 livros publicados no Brasil, Portugal, Itália, França, Espanha e Alemanha. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Membro efetivo do Pen Clube do Brasil,  Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Doutor Honoris  Causa pela Universidade Estadual de Santa cruz (Bahia).


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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O PODER DO EXEMPLO - Ana Maria Machado


O poder do exemplo


Com frequência, a crítica reunia sob um rótulo geral os autores de livros infantojuvenis que estrearam nos anos 1970, ganhando notoriedade, prêmios e milhões de leitores. Éramos chamados de “filhos de Lobato”. Alguns anos depois, o escritor Ricardo Azevedo propôs uma correção, para “irmãos de Lobato”. O que importava nessa distinção não era a origem ou data de nascimento, e sim uma experiência poderosa que caracterizava o grupo: a de termos vivido nossos anos de formação num Brasil que se industrializava e urbanizava rapidamente mas ainda tinha muito fortes raízes rurais — um pé na roça. Conhecíamos milharal e galinheiro, leite bebido no curral e casa de farinha, cheiro de capim-gordura e rangido de porteira.

Podíamos morar em cidade e ir à escola, mas nas férias ou em visita aos parentes do interior, brincávamos no quintal com os primos e outras crianças que moravam lá. Nesse encontro, aprendíamos e nos ensinávamos mutuamente. Desde subir em árvores ou andar a cavalo a brincar de bandido e mocinho como nos filmes. Nas refeições, por exemplo, a criançada urbana via a habilidade com que tantos dos companheiros eram exímios na arte da “fazer capitão”: jogar farinha em cima do feijão com arroz, misturar tudo com a mão dentro do prato fundo, formar uns bolinhos e levar direto à boca, sem garfo ou colher. Por outro lado, eles se admiravam de ver a garotada da cidade usando talheres e se exercitavam em manejar com naturalidade aqueles utensílios. Nesses modelos recíprocos, nos aproximávamos tanto quanto nas brincadeiras, e nos irmanávamos, apesar das diferenças copiadas dos nossos pais.

O ser humano aprende de diversas maneiras. Talvez nenhuma seja tão poderosa quanto o exemplo, a imitação do que vemos funcionar a nosso redor. Sobretudo, quando vem de pessoas que admiramos, por quem temos afeto, com quem queremos nos parecer. O que popularmente se passou a chamar de “ídolos”, pessoas que exercem um papel modelar e influenciam muita gente. Sempre digo isso, a respeito de campanhas de estímulo à leitura. Nada é tão eficiente para promover o gosto pelos livros em uma criança quanto ter por perto adultos lendo e comentando suas leituras.

Por isso, a gravidade do desacato à lei aumenta quando praticada por quem é alvo da admiração coletiva. O ídolo, assim, vira um modelo pernicioso. Um mau exemplo. Não foi outra a razão para o repúdio ao erro de marketing que ficou conhecido como “a lei de Gerson” e que até hoje persegue a imagem do ex-jogador que aconselhava “levar vantagem em tudo”.

Esse efeito é que distingue o castigo a um reles espertalhão da condenação de uma esperteza nada reles, quando praticada por um político admirado, uma celebridade esportiva ou artística, um juiz respeitado, um empresário de sucesso. Se os delitos e erros das estrelas pretendem contar com a imunidade pelo fato de não serem praticados por “um homem comum”, e assim garantir a impunidade dos malfeitores, não dá para esquecer que esse processo é ainda mais grave que o próprio delito, pois corrói de forma nefasta o tecido social. Culpado tem de pagar pelo que fez, na forma da lei e garantido o direito de defesa. Caso contrário, vira o “liberou geral” que constatamos nestes tempos de violência desenfreada e roubalheira sem limites.

Se dá para escapar sem pagar, todos se acham no direito de fazer o que bem entendem: assaltar, agredir, saquear, caluniar, atacar paciente dentro de ambulância, revender material hospitalar descartável após usado, sair dando tiro a torto e a direito, apropriar-se de verba de escolas, roubar carga, receptar produtos roubados, comprar de quem não dá nota fiscal… Todos entendem que devem ser exceção à lei — dos carros oficiais que desrespeitam o código de trânsito aos magistrados que driblam limites legais de tetos de vencimentos, passando por fiscais que cobram propina. Se nada acontece com os bacanas, nada deterá os outros. E todos viram bandidos , como a tevê tem mostrado, em cenas impressionantes de arrastões, assaltos e espancamentos. Um pesadelo espantoso. Só que real.

Ó, pátria amada, por onde andarás?/ Teus filhos já não aguentam mais…” O refrão da Beija-Flor é um pedido de socorro. Denuncia a corrupção das ratazanas, a violência armada que manda na cidade, a conivência das autoridades com a bandidagem. Enfim, o abandono que todos vivemos, fora da lei.
Lei é para ser respeitada, condenação é para ser cumprida. A procuradora-geral Raquel Dodge frisou que só assim se afasta a sensação de impunidade e se restabelece a confiança nas instituições. E a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, sublinhou que o descumprimento da lei é mau exemplo que contamina e compromete.

Já ensinavam nossos avós: o exemplo vem de cima. E quando esse é um mau exemplo, instalam-se a falta de limites, o descontrole geral e a falência do Estado que se refletem diariamente na violência urbana e na sensação de que estamos nas mãos de bandidos em todos os níveis. Intocáveis até quando?

Ana Maria Machado é escritora.
O Globo, 17/02/2018

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Ana Maria Machado - Sexta ocupante da Cadeira nº 1 da ABL, eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de Evandro Lins e Silva e recebida em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio Padilha. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 2012 e 2013.

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GANDHI - SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER VER NO MUNDO


Turnê nacional da peça  estará em Salvador e apresenta a sabedoria, dignidade e honestidade de Gandhi no Teatro Módulo

Intercalando cenas de humor, lirismo e dramaticidade chega a Salvador o espetáculo Gandhi - seja a mudança que você quer ver no mundo. Com texto e direção de Mateus Faconti e com Sergio Lelys, Patrícia Naves e Luis Doffá no elenco, a peça está em cartaz nos dias 02, 03 e 04 de março (sexta-feira á domingo), a partir das 20 horas, no Teatro Módulo.

A montagem cria um painel rico e marcante no qual a sabedoria, dignidade e honestidade de Gandhi, (vivido por Sergio Lelys) tão necessárias no momento em que vivemos é apresentada.

A peça que é apresentada como uma história de amor atingindo um caráter, inclusive histórico cultural, pela primeira vez é contada sob o ponto de vista de uma mulher: Kasturbai Gandhi esposa e companheira de Mahatma Gandhi, (vivida pela atriz Patrícia Naves) que conduz o espetáculo de forma surpreendente e não à toa, provoca o espectador sobre a importância de cultivar um sentimento de tolerância, amor e não violência para enfrentar as transformações da sociedade.

Um espetáculo para ser apreciado por toda a família e por todas as plateias, que gostam de ir ao teatro, se emocionar e se alegrar ao mesmo tempo. O público poderá conhecer um pouco mais da trajetória desse guerreiro da paz, que defendendo a dignidade e sempre lutando pela não violência, tornou-se o porta voz da consciência de toda a humanidade.

A cenografia é de Lúcio Meca e Mateus Faconti, iluminação Daniela Gaia, figurinos Sergio Lelys, trilha sonora original Ricardo Dutra, coreografia, Luís Doffa, produção executiva Nilda de Araujo, realização Núcleo Tenda da Fortuna e produção local Carambola Produções.

Serviço
Gandhi - seja a mudança que você quer ver no mundo estreia em Salvador
Dias 02, 03 e 04 de março – (sex a dom)
Horário: 20h
Onde: Teatro Módulo
End.: Av. Prof. Magalhães Neto, 1177 - Pituba
Valor: 70,00(inteira) e 35,00(meia)
Classificação Livre 
Vendas: compreingressos.com e bilheteria do teatro


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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

ESTAÇÃO TERMINAL– Marília Benício dos Santos


Todos os passageiros devem desembarcar           

            Vinha voltando da cidade no metrô e observava os passageiros. Na minha frente vinha um senhor bem vestido e lendo o Jornal do Brasil. Ele parecia muito tenso. As sobrancelhas cerradas, a testa franzida. O que o preocupava? “O Pacote Econômico”, era a reportagem que ele estava lendo. Teria sido ele o autor do pacote? Não, o seu autor deve estar bem satisfeito, pelo menos deve acreditar no que fez, na melhor das hipóteses.

           Junto a ele estava um senhor do povo lendo “O Dia”. Estava atento, preso no que lia , sem estar tenso como o seu vizinho. Tinha o seguinte título, a manchete que ele lia: “Marido pegou a mulher com o amante”. Parecia que estava lendo um romance policial, devorava o jornal com os olhos.

            Eu comparava os dois e por mais incrível que pareça, o segundo parecia mais feliz.

            Quando ambos terminaram de ler, notei que o executivo continuava tenso enquanto o operário começou a assobiar. Entrou, então, um homem que trazia uma criança no colo. Sentou-se ao meu lado. A criança dormia e aparentava ter três anos. Ele olhava para ela, acariciava-lhe a cabeça e beijava-a. Parecia  sofrer muito.

            Quis iniciar um diálogo e timidamente perguntei-lhe a idade da filha.

            - Três aninhos e já não tem mãe. 

            - Imagino como você deve estar sofrendo. Tem muito tempo que a mãezinha dela morreu?

            - Não, a desgraçada me deixou por outro homem e deixou a filha também.

            Disse alguma  palavras de apoio e procurei fugir daquela realidade. Passei a observar outros passageiros. 

            Em pé – já não havia lugar para sentar – estava um casal de namorados. Finalmente algo positivo. Como vinham felizes. Não de envergonhavam de trocarem beijos aos olhos do público. Um olhava para o outro sem importarem-se  com o que podiam estar pensando os outros. Abraçavam-se, riam, admiravam-se. Um se refletia no outro. Que beleza! Para eles o mais importante era aquele momento. Cada beijo parecia o último. Em cada abraço, um queria aquecer o outro, pois estava muito frio. O inverno tinha começado. Lembrei-me, então, de uma música de Roberto Carlos: “eu quero é que você me aqueça neste inverno e que tudo mais vá pro inferno”. Era exatamente isto que aqueles jovens estavam fazendo.

            Pacote econômico, inflação, desemprego, assalto, que fossem para o inferno. No momento, só importava eles. Estavam juntos curtiam o seu amor.

            - Estação terminal, todos os passageiros devem desembarcar.

            “Que susto! Já cheguei?” Continuei minha viagem rumo ao Leblon, os outros passageiros também. Cada um tomou o seu rumo.

            No ônibus, ainda ouvia a voz do homenzinho do metrô: estação terminal... Estação terminal coisa nenhuma, cinco minutos após ele voltaria levando outros passageiros.

            A estação terminal virá, sim. Cada um terá a sua. Aí, não encontrarei mais aqueles passageiros carregados de sofrimento, de tensão, nem mesmo de esperança. Encontrarei somente passageiros  como aquele jovem casal, carregados de amor. Um amor diferente, total, profundo. É o amor de Deus.

            O amor que une um homem a uma mulher é maravilhoso, mas torna-se pequeno diante do amor de Deus.

            Devemos tentar experimentar esta amor aqui na terra, pois só assim podemos participar  dele na “estação terminal”.

(CARROSSEL)
Marília Benício dos Santos


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SOBRE A TAL VELHICE - Hilda Helena Mancini


Sobre a tal velhice


Fui ver o filme Frances “E se morássemos todos juntos” , e confesso que saí do cinema com uma sensação não muito confortável a respeito da velhice, palavra esta  que hoje é substituída por: Melhor idade, terceira idade, e outras classificações, que no fundo são tão pejorativas quanto a tão conhecida Velhice.

Ao contrário dos jovem e adultos que ganham sua liberdade conforme vão avançando no tempo, o idoso, ao invés, perde a dele por conta das limitações inerentes a essa etapa da vida, e também por conta da visão ocidental de que só é bom quem produz, faz dinheiro, e não quem detém experiência e sabedoria.

O filme aborda formas alternativas de se viver nesse período da vida, com uma leve pitada de humor, pois afinal até na morte podemos ter motivos para sorrir.

O que mais me deixou assustada, foi a vulnerabilidade que os idosos ficam, independente da raça, gênero, ou condição sócio cultural e o mais avassalador, independente também da vontade de viver, das necessidades sexuais, da vaidade e do humor. Nada disso é levado em conta quando o assunto é envelhecer.

Ouvi dizer que nossa vida começa e termina numa fralda. Iniciamos a vida aprendendo a tirá-las e acabamos aprendendo a colocá-las. Apavorante constatação! Fica então a pergunta: O que se faz nesse intervalo?

Será que nos preparamos para  tornamos idosos?
Preparamo-nos pra sermos bons estudantes, excelentes profissionais... E para sermos velhos, nos preparamos?

Viemos de uma cultura que as pessoas quando atingem uma “certa idade” não são capazes de gerirem suas próprias vontades, ficando a mercê dos filhos, noras, genros e netos. Esses idosos teriam ainda muito para passar para a sociedade, mas são mantidos como marionetes, manipulados de acordo com a vontade, medos e necessidades dos familiares,  tornando-se chatos, resmungões e apáticos.

Esse ciclo não se fecha ai.

A família toma conta de seus passos impedindo que o idoso tenha emoções, aventuras e prazeres.

Quem em qualquer idade é feliz vivendo sem na mesmice?

Qual a graça de uma vida, cujo dia começa e termina exatamente igual a todos os demais  365  do ano?

Ai a família depois de aparar todas as alusões e ilusão do idoso, reclama que o mesmo vive como vítima, tendo todo o amor dos entes queridos e só reclamando da vida, mas o que pode restar para eles se não a Autopiedade?

Cansei de ver comentários do tipo: “Seu vô é muito fofo!”, “Que engraçadinha essa senhorinha!”, “Olha como essa vovozinha é toda vaidosa!” , “Morri de ri com o avô  de fulano, ele tem 90 anos e fala de transar kkkk”...

Meu Deus! Quer dizer que o idoso que se arruma, que quer ficar bonito, que gosta de sexo, rock, da “revista Playboy”, que fala sobre política e filosofa , é fofo? Só isso? fofo?

Não seria apenas uma pessoa, igual a qualquer outra querendo continuar a viver e curtir aquilo que cultivou durante anos?

Já acreditei por muito tempo que somos fruto do que plantamos durante a vida, mas sinceramente, depois de ver esse filme, acho que estou totalmente equivocada. Passamos a vida construindo nossa casa, colocamos nela mobílias que são a “nossa cara” e adornamos com porta retratos que contam a nossa história, colocamos nela os eletrônicos de nossa geração (vídeo cassete, máquina de datilografar, vitrola e discos de vinil...), acompanhamos a vida de nossos vizinhos e o crescimento dos seus filhos, construímos amizades verdadeiras que sempre estarão presentes nas datas comemorativas, inclusive nos velórios que passarão ser um evento mais frequentado do que qualquer outro como casamento, formatura, bodas de prata etc...

Para chegar alguém que ensinamos a andar, falar e, com superior maestria, dizer que por sermos velhos já não podemos morar no nosso lar, curtir nossos livros, discos, receber a visita dos amigos e que o destino mais correto seria numa casa cheia de outros idosos, que nunca se viram, numa cama nunca antes experimentada, com meia dúzia de porta retratos que mal cabem na mesinha a que teremos  direito, e com a televisão no modelo, no programa, na altura que assim os outros permitirem.

Quando o idoso é doente, impossibilitado de opinar ou realizar as atividades da vida diária, acho justo e louvável esses cuidados da família, mas o idoso, saudável, capaz e ativo, somente com as limitações próprias da idade, se torna uma grande maldade ser tratado como “UM FOFO”

Velhos não são crianças, não são anjos, não são os adultos que foram... São pessoas em busca de serem felizes como em qualquer idade.

Ainda não me considero uma idosa, mas sei que estou a cada dia caminhando para isso, e que fiquem todos sabendo: Se cercearem meu direito de ser livre e feliz vou esquecer a boa educação que “plantei” durante toda a vida e assumir a postura de uma FOFA, e então com a voz sábia que só a idade pode proporcionar, responderei ao convite para sair de meu ninho, da minha historia , do meu mundo, com poucas palavras:

VÁ A MERDA...

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Hilda Helena Mancini Sandrini - Possui graduação em odontologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1980). Atualmente é cirurgiã dentista com consultório particular atendendo PNE também em centro cirúrgico e domiciliar. Coordenadora do programa de odontologia para PNE da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Espírito Santo . Professora da graduação do curso de odontologia da Associação Educacional de Vitoria, nas disciplinas de Odontologia para PNE, odontogeriatria,Clinicas infantis, odontologia coletiva, introdução a clinica . Professora do curso de especialização em odontopediatria em PNE Autora da Apostila do Treinamento Odontológico Teórico /Pratico para atendimento a pacientes com necessidades especiais, arquivada na Biblioteca da APAE-Vitória.

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domingo, 25 de fevereiro de 2018

PORQUÊ? - Hilário Silva


Enquanto o ônibus deslizava de Nova Iorque para Miami, Adolph Hunt, proprietário de extensos pomares na Flórida, dizia para o companheiro de poltrona.

– Imagine você, Fred, que andam veiculando por aí supostos recados do Espírito de meu pai, falando em virtude e regeneração… Aperfeiçoamento é negócio de tempo. Hoje em dia, qualquer menino sabe o que vem a ser evolução… Ora, se ninguém pode trair a obra gradativa do progresso, para que essa máquina aparatosa de Espíritos e médiuns, fenômenos e mensagens que o Espiritismo pretende acionar, no mundo, em nome de Deus e de imaginários Mensageiros Divinos? Pode você dizer-me o que Deus tem lá com isso? Ou, ainda, que têm conosco os chamados Amigos Espirituais?

O interlocutor, encorajado pela atenção de outros ouvintes, gargalhava irônico e chancelava:

– Eu também creio assim… Estamos com Deus ou com a evolução…

Mediunidade é balela. Nem Deus e nem Espíritos interferirão com as leis da vida…

A conversa alongou-se, nesse tom, quando Adolph, chegado ao ponto de destino, veio a saber por um amigo que a sua maior estância havia sido varrida por violento furacão…

De pronto, valeu-se do automóvel e tocou para o sítio indicado e oh desolação! Centenas de árvores frutíferas, notadamente as laranjeiras de classe, jaziam mutiladas ou retorcidas, exigindo cuidados imediatos.

Terrivelmente surpreendido, ele, que acima de tudo amava o enorme pomar, convocou os filhos ausentes e os empregados de sua organização a trabalho reparador e, durante quatro dias compridos, nos quais ele próprio não descansou, a enorme chácara recebeu socorro e restauração.

Na quinta noite, após o desastre, quando pôde enfim entregar-se ao repouso, sonhou com o pai, a dizer-lhe com benevolente sorriso:

– Meu filho, se você, meus netos e os nossos cooperadores de serviço, imperfeitos como ainda são, se empenharam, com tanto carinho, pela salvação de um laranjal, porque negar a Deus, nosso Pai de Infinito Amor e aos Bons Espíritos, nossos Irmãos Maiores, o direito de se interessarem pela melhoria da Humanidade?

Adolph Hunt, retomou o corpo físico e prosseguiu escutando a voz paterna a se lhe entranhar na acústica da alma:

– Porquê? Porquê, meu filho?


Waldo Vieira (médium)
Hilário Silva (espírito)
Livro: Entre Irmãos de Outras Terras


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PALAVRA DA SALVAÇÃO (67)


2º Domingo da Quaresma – 25/02/2018

Anúncio do Evangelho (Mc 9,2-10)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Marcos.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles. Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar. Apareceram-lhe Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus.
Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”.
Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo. Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles. Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos.
Eles observaram essa ordem, mas comentavam entre si o que queria dizer “ressuscitar dos mortos”.

 — Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Frei Alvaci Mendes da Luz, OFM:
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O que é a Transfiguração do Senhor

 “Hoje, no Tabor, transformou Cristo a escura natureza de Adão: revestindo-a de seu esplendor, divinizou-a ” 

Dentre as teofanias narradas nas sagradas escrituras, a Transfiguração é a que traduz profundamente a teologia da divinização do homem. No Tabor Cristo transforma a natureza humana, escurecida em Adão, revestindo-a com o seu esplendor. De forma concreta se percebe que Cristo não se despe de sua divindade, mas, reveste a humanidade de sua glória.

Segundo a tradição o evento da transfiguração ocorreu 40 dias antes da crucificção, ela é a ponte que introduz no calvário e por fim na ressurreição, situada antes do anuncio da paixão e da morte, prepara-os para a compreensão deste mistério. Quase que na mesma dinâmica a Igreja celebra a festa 40 dias antes da Exaltação da Santa Cruz, ou seja a seis de agosto. Desde o seculo V a Igreja faz memoria daquele dia em que o Pai dá testemunho do Filho diante de Pedro, João e Tiago.

De forma quase idêntica a transfiguração é narrada pelos evangelhos sinóticos, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão (Cf Mt 17,1). São João Crisóstomo afirma que estes foram escolhidos pois “Pedro amava a Jesus mais do que os outros, João porque era amado por Jesus mais do que os outros, e Tiago porque se unira na resposta do irmão: ‘Sim, podemos beber do teu cálice’ (cf. Mt 20,22).”

Há na transfiguração uma nova manifestação trinitária, após a ocorrida no batismo a voz do Pai dá testemunho, o Espírito ilumina e o Filho recebe e manifesta a palavra e a luz. Para mergulharmos no sentido profundíssimo desta festa recorreremos a iconografia cristã, que traz para nós o Ícone da transfiguração do Senhor, também chamado de Ícone da Luz, pois é exatamente disso que fala.

A cena mostra Cristo que sobe com os três apóstolos ao monte Tabor e lá se transfigura diante deles. “Seu rosto resplandeceu como o sol, suas vestes tornaram-se brancas como a luz, tão brancas que nenhuma lavadeira do mundo poderia alvejá-las.” (cf.Mt.17,2.Mc.9,3). Aparecem então Moisés e Elias, que conversavam com Jesus. Os apóstolos caem com a face em terra diante de tamanha glória.

Pedro ousa elevar o olhar e diz: “Rabbi, é bom estarmos aqui; vamos erguer três tendas: uma para ti, uma para Moisés, outra para Elias”. Eis que apareceu uma nuvem que os encobriu e dela veio uma voz que dizia: “este é meu Filho bem-amado, ouvi-o!”. Logo após, não viram mais ninguém, a não ser Jesus, só, em sua simplicidade humana, com eles.

Vinícius C. Ribeiro
Missionário da Comunidade Católica Shalom

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sábado, 24 de fevereiro de 2018

ITABUNA CENTENÁRIA UM POEMA: MEU CACHOEIRA - Gabriel Nascif


Clique sobre a foto, para vê-la no tamanho original
Meu Cachoeira


MINHAIDA-VIDA
NASCIDA-CONTIDA
EXPELIDA-SURGIDA

que foi,
que veio,
que é,

fusão  temporal dos temporais
vindos não-vindos
das enchentes cantaroladas
do meu RIO CACHOEIRA...

Meu CACHOEIRA,
encantado rio-menino,
doce fio de vida
que é infernal sustentáculo
de beleza,
que é o sol de reminiscências,
que é o braço direito
das lavadeiras.


MINHAIDA-VIDA
NASCIDA-CONTIDA
EXPELIDA-SURGIDA
no sangue do CACHOEIRA
que é valente
que é suave-manso-revolto,
que é fogoso-pulante-dançante
como o bailado das águas
de PONTAL DOS ILHÉUS.

(O SOPRO DO CACHOEIRA)
Gabriel Nascif

.....

            “O SOPRO DO CACHOEIRA  -  de Gabriel Nascif. Não conheço Itabuna para sentir o sopro do Cachoeira como o faz Gabriel Nascif nos seus versos cheios de amor e de sinceridade. Esquecido dos “conflitos coronelísticos”, Gabriel apresenta-se, acima de tudo, um mensageiro de alta poesia lírica e dono de bom conhecimento do vernáculo. Em tudo há paixão por aquela terra que o jovem poeta considera “lâmpada do Sul do Estado que irradia um fogo como fogazal” para outras grandes cidades sulinas. Em seus versos há comunicação social.
            A palavra define a pessoa; é a própria pessoa. A palavra de Gabriel Nascif define-o. ela não está desvinculada da emoção, que é emergente em todos os seus versos, nem da tranquilidade que o poeta manifesta. Emoção e tranquilidade bem controladas.
            Enfim,   “O cantar dos ventos
                             funde-se na infância ida,
                             colorida,
                             haurindo na esfera
                             ao som das feras
            como pedras e entre pedras ali”.

                                          ***
                              “Somos um pedaço do ontem,
                               Somos parte do hoje,
                                Somos fruto do amanhã”.
            E nesses versos está todo o poeta Gabriel Nascif.

                                                                  AGENOR DE ALMEIDA

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A FORÇA DA MANSIDÃO - Yoskhaz


A força da mansidão


Todas as vezes em que eu via a clássica bicicleta de Loureiro, o elegante sapateiro amante dos livros e dos vinhos, encostada no poste em frente à sua oficina, eu me sentia um homem de sorte. Os horários inusitados e imprevisíveis de funcionamento da oficina já eram lendários na pequena e charmosa cidade que ficava no sopé da montanha que acolhe o mosteiro.

Eu terminara mais um ciclo de estudos na Ordem e o trem que me levaria até o aeroporto mais próximo apenas passaria no final do dia. A possibilidade de preencher esse tempo conversando com o Loureiro me enchia de alegria. Um mês antes, quando eu passei rumo ao mosteiro, o sapateiro enfrentava uma delicada questão. O filho do prefeito era um jovem empresário que abrira recentemente uma loja, franquia de uma famosa marca de sapatos. Na época, quando lhe perguntei se esse fato poderia abalar os seus negócios, Loureiro me disse com tranquilidade: “Penso que não somos concorrentes, embora ambos trabalhem com produtos de excelente qualidade. Os sapatos que ele vende são belíssimos, sempre atualizados de acordo com as últimas tendências da moda, produzidos por designers internacionais, conhecidos no mundo todo. Os meus são inteiramente artesanais; desenhados e moldados um a um, de acordo com o gosto e a necessidade do cliente. Atendemos a público com interesses distintos.” Fez uma pequena pausa antes de concluir: “No mais, a concorrência é sempre bem-vinda por desestabilizar a rotina dos dias. Quando isso acontece somos forçados, por sobrevivência, a buscar um novo ponto de equilíbrio. Então, avançamos.”

No entanto, nesse período em que eu ficara recolhido no mosteiro, os fatos mostraram que o filho do prefeito pensava bem diferente do meu amigo sapateiro. O jovem empresário disparara uma agressiva campanha difamatória contra o antigo artesão. Apoiado pela rádio local, de propriedade do seu pai, alegava as mais diversas disparidades, desde a métodos ultrapassados de confecção até supostos clientes que tiveram problemas ortopédicos por usar os sapatos feitos por Loureiro. Não satisfeito, sabendo que Loureiro tinha clientes de muitos anos, que vinham de outros lugares atrás dos seus sapatos, conseguiu que uma conhecida revista fizesse uma matéria sobre o assunto, pulverizando as mentiras a um alcance ainda maior.

Naquele dia, a oficina nunca me pareceu tão pequena. Desde cedo, quatro amigos de longa data do sapateiro, residentes e comerciantes na charmosa cidadezinha, tinham transformado o atelier em quartel-general para decidirem as providências que tomariam. Pela minha larga experiência como publicitário, fui recebido pelos quatro amigos como um bom reforço de artilharia. O sereno artesão se limitava a encher as xícaras com café fresco e a ouvir as calorosas opiniões sobre o assunto. Coloquei-me à disposição e adiantei que poderiam contar comigo. Se fosse preciso, adiaria a minha viagem pelo tempo necessário.

Em poucos minutos eu estava completamente envolvido naquela batalha. Enquanto eu traçava uma estratégia de marketing, ouvia sobre a necessidade de contratar um advogado para levar o filho do prefeito diante de um tribunal. Falou-se até mesmo em conseguir alguém para apedrejar a loja do empresário na calada da noite. Os planos eram muitos e houve quem sustentasse que deveríamos usar todos eles. A apaixonada reunião do Alto Comando durou ininterruptamente até a hora do almoço, quando já tínhamos tudo esquematizado. Até que eu, incomodado com o silêncio de Loureiro, o perguntei se ele estava de acordo. Diante de todos os olhares, o sapateiro disse em um tom doce de voz: “Estou muito feliz que tudo isso tenha acontecido. É delicioso vivenciar toda essa demonstração de amizade, em manifestação tão nobre de amor. Contudo, eu não tomarei nenhuma atitude de confronto contra o rapaz. Seguirei firme no meu trabalho, com o propósito de continuar a oferecer um produto diferenciado pelo meu dom e a minha arte.”

Um dos amigos lembrou-se das difamações. Sustentou que não poderiam restar impunes. Havia inegáveis danos morais e materiais a serem ressarcidos por via judicial. Outro alegou que um jovem egoísta e mimado não podia seguir impune, espalhando o mal por onde passasse. Teve um amigo que levantou a tese de que a mentira que não é contestada vira verdade. Argumentou que a honra de Loureiro estava em jogo. Por fim, decretaram que era preciso reagir.

Loureiro repousou a caneca de café sobre o balcão de madeira e explicou com serenidade: “Sem dúvida que é preciso reagir todas as vezes em somos atacados; quando se lançam sobre nós as sombras alheias. No entanto, a maneira como será a minha reação faz toda a diferença; define quem eu sou, as forças que me acompanham e traça a minha rota no Caminho. Posso combater as sombras alheias usando as minhas próprias sombras. Então, a escuridão se avoluma, levando muito sofrimento para todos os envolvidos. No entanto, sempre tenho a opção de oferecer a outra face. A face que o agressor não conhece ou ainda não entendeu como se usa. A face da luz. Somente assim não me permito aprisionar pela escuridão e transmuto, em definitivo, o mal”.

Eu reconheci o valor do discurso, mas queria saber como seria na prática. O artesão arqueou os lábios em leve sorriso, como se já esperasse por aquela pergunta e foi pedagógico: “Quietude, silêncio, alegria e trabalho.” Pegou a caneca para mais um gole de café e prosseguiu: “Quietude não significa inércia. Pelo contrário, é um poderoso movimento de expansão, só que interno; necessário para que eu encontre as forças e as soluções que preciso neste momento. O silêncio não apenas complementa a quietude, é a resposta além das palavras. É a convicção daquele que se move pela verdade e traz em si a força da luz. Isto também é conhecido como fé. A alegria, por sua vez, é necessária como expressão pela oportunidade da lição que se apresenta, é a lucidez de perceber o lado bom contido em todas as coisas. Por fim, o trabalho como oportunidade de caminhar e oferecer ao mundo o que temos de melhor.”

Como se a vida tivesse o cuidado de nos testar, irrompe na oficina, naquele instante, uma senhorinha, conhecida de muito anos do sapateiro e dos seus amigos. Comentou que estava muito preocupada com as notícias que circulavam na cidade sobre o artesão. Disse ter certeza de que não passavam de boatos, porém, sem desperdiçar a contradição, indagou se, por acaso, tinham qualquer fundo de verdade. Todos os olhos se voltaram para Loureiro. Sem qualquer traço de que aquela situação tivesse força para abalar a sua paz, ele respondeu, com profunda paciência, se utilizando outra pergunta: “A senhora conhece alguém que tenha sofrido alguma lesão por usar os sapatos que faço?” A senhorinha balançou a cabeça em negativa, mas teimou em lembrar-se das notícias desabonadoras. Loureiro fez um gesto com mão, como quem diz que nada podia fazer quanto a isso. Ela insistiu para que o sapateiro procurasse as pessoas para dar a sua versão dos fatos. O artesão foi sucinto na argumentação: “Confecciono sapatos nesta cidade há quase meio século. Penso que eles falam por mim.” Para encerrar, disse: “Não tenho nem devo ter qualquer poder sobre o que pensam ou falam as pessoas. Cada um é responsável por si. A mim, cabe apenas me vigiar.”

Um pouco sem jeito, talvez por não encontrar o que veio procurar, a senhorinha disse algumas palavras de apoio ao sapateiro, girou nos calcanhares e se foi. Depois de um breve momento de silêncio, um dos amigos quis saber se Loureiro seguiria com a sua rotina normalmente. O sapateiro explicou: “Em parte. Penso que nada acontece por acaso. Embora esteja satisfeito com os sapatos que faço, os contratempos servem para não nos permitir estagnar. Sempre podemos melhorar. A melhor resposta aos nossos antagonistas é a nossa própria evolução. De um jeito ou outro, as pessoas que se opõe a nós acabam se tornando, embora às avessas, importantes aliados para o nosso indispensável aprimoramento. Agradeço a cada um deles por me tornar uma pessoa melhor.”

O clima de tensão e sombras tinha arrefecido bastante. Começamos a conversar sobre como Loureiro poderia aperfeiçoar ainda mais os sapatos que fazia. Alguém lembrou que tinha ouvido falar sobre um novo solado que trazia uma espuma embutida no couro. Loureiro concordou em testá-lo. Falei que ele deveria também testar o couro vegetal, não apenas pela onda vegana que encantava o planeta, mas pela excelente qualidade com que era produzido. O sapateiro ficou bastante animado com essa possibilidade. Conversamos por mais algum tempo, ajudando ao nosso amigo a traçar novas estratégias de ataque. Agora com as ferramentas luz e não mais com os instrumentos das sombras. Até que a fome falou mais alto e lembramos que não tínhamos almoçado. Os amigos foram para as suas casas. Todos partiram com agradável sensação de leveza, na plena certeza de que, qualquer que fosse o desfecho, a batalha acabara de ser vencida.

Comentei sobre isso com Loureiro quando sentamos em um restaurante para almoçar. O bom sapateiro explicou: “A mansidão é uma virtude com um poder incomensurável, no entanto, ainda pouco conhecida. Nos enganamos por acreditar que a violência, em qualquer uma das suas manifestações possíveis, explicitas ou implícitas, físicas ou morais, através de uma ou de algumas das várias sombras existentes, são mecanismos eficientes de luta. Isto acontece porque não prestamos atenção na força serena de Jesus, no poder suave de Buda. É a não-cooperação de Mahatma Gandhi com a escuridão, é o sonho de que falava Luther King para vencer sem negociar com as trevas. Era o que cantava John Lennon em suas músicas. Todos eles se fizeram vitoriosos pela força da mansidão.”

Confessei que, ao contrário do que muitos imaginam, é preciso coragem para ser manso. Como nos mostra a História, a mansidão está destinada aos fortes. Contudo, não é fácil lembrar isso quando somos atacados ou acuados pela maldade. Loureiro balançou a cabeça em concordância e disse: “É justamente nos momentos mais difíceis da batalha que os melhores guerreiros se revelam. Estes não cedem às sombras, se mantêm firmes e inabaláveis nos fundamentos da luz”.

Piscou um olho como quem conta um segredo e concluiu: “Bem-aventurados os mansos; eles herdarão a terra.”

Yoskhaz


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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

AS MULHERES SÃO FANTÁSTICAS! – Carlos Drummond de Andrade


As mulheres são fantásticas!


A Mulher e o Homem estavam assistindo televisão, quando a mulher disse:

Estou cansada e já é tarde, vou me deitar".

Foi à cozinha fazer uns sanduíches para os filhos para o lanche do dia seguinte na escola, passou uma água nas taças, tirou carne do freezer para o almoço do dia seguinte, confirmou se as caixas dos cereais não estavam vazias, encheu o açucareiro, pôs tigelas e talheres na gaveta e preparou a cafeteira do café para estar pronta para ligar no dia seguinte.

Pôs ainda umas roupas na máquina de lavar, pregou um botão que estava caindo. Guardou umas peças do jogo que ficaram em cima da mesa, e pôs a agenda do telefone no lugar. Regou as plantas, despejou o lixo e pendurou uma toalha para secar. Bocejou, espreguiçou-se, e foi para o quarto. Parou ainda no escritório e escreveu uma nota para o professor do filho, pôs num envelope junto com o dinheiro para pagamento de uma visita de estudo, e apanhou um caderno que estava caído debaixo da cadeira. Assinou um cartão de aniversário para uma amiga, selou o envelope, e fez uma pequena lista para o supermercado. Colocou ambos perto da carteira.

Nessa altura o Homem disse lá da sala:

"Pensei que você tinha ido se deitar".

"Estou a caminho" respondeu ela. Pôs água na tigela do cão e chamou o gato para dentro de casa.
Certificou-se de que as portas estavam fechadas. Espreitou para o quarto de cada um dos filhos, apagou a luz do corredor, pendurou uma camisa, atirou umas meias  para o cesto da roupa suja, e conversou um bocadinho com o mais velho que ainda estava estudando. Já no quarto, acertou o despertador, preparou a roupa para o dia seguinte e arrumou os sapatos. Depois lavou o rosto, passou creme, escovou os dentes e acertou uma unha quebrada. A essa altura, o homem desligou a televisão e disse:

"Vou me deitar!" 

E foi... Sem mais nada!... 


Carlos Drummond de Andrade

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