21 de abril de 2017
Roberto de Mattei (*)
O mundo está cheio de escândalos, e Jesus diz: “Ai
do mundo por causa dos escândalos” (Mt 18, 7). O escândalo, de acordo com
a moral católica, é o comportamento daqueles que causam o pecado ou a ruína
espiritual de seu próximo (Catecismo da Igreja Católica n° 2284).
Não basta abster-se de fazer aquilo que em si mesmo é
pecado, mas é preciso evitar aquilo que, não sendo pecado, põe os outros em
perigo de pecar; e o Dicionário de teologia moral dos cardeais
Roberti e Palazzini ensina que isso é especialmente obrigatório para aqueles
que têm uma posição elevada no mundo ou na Igreja (Editrice Studium, Roma 1968,
p.1479).
As formas mais graves de escândalo são hoje a publicidade, a
moda, a apologia que a mídia faz da imoralidade e da perversão, as leis que
aprovam a violação dos mandamentos divinos, como aquelas que introduziram o
aborto e as uniões civis homossexuais.
A Igreja sempre considerou escândalo também o recasamento
civil dos divorciados. João Paulo II, na Familiaris consortio, indica o
escândalo que dão os divorciados recasados como uma das razões pelas quais eles
não podem receber a Sagrada Comunhão. De fato, “se se admitissem estas
pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da
doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio” (nº. 84).
O cânon 915 do Código de Direito Canônico afirma: “Não
sejam admitidos à sagrada comunhão os excomungados e os interditos, depois da
aplicação ou declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em
pecado grave manifesto.”
Uma declaração do Pontifício Conselho para os Textos
Legislativos reafirmou a proibição contida nesse cânone contra aqueles que
pretendem que tal regra não se aplica ao caso dos divorciados recasados. A
declaração afirma: “No caso concreto da admissão dos fiéis divorciados
novamente casados à Sagrada Comunhão, o escândalo, concebido qual ação que move
os outros para o mal, diz respeito simultaneamente ao sacramento da Eucaristia
e à indissolubilidade do matrimônio. Tal escândalo subsiste mesmo se,
lamentavelmente, um tal comportamento já não despertar alguma admiração: pelo
contrário, é precisamente diante da deformação das consciências, que se torna
mais necessária por parte dos Pastores, uma ação tão paciente quanto firme, em
tutela da santidade dos sacramentos, em defesa da moralidade cristã e pela reta
formação dos fiéis” (Pontifício Conselho para os Textos legislativos, Declaração
sobre a admissibilidade à Sagrada Comunhão dos divorciados recasados,
24/06/2000, em Communicationes, 32 [2000], pp. 159-162).
Após a promulgação da Exortação pós-sinodal Amoris
laetitia, aquilo que sempre representou um escândalo para o Magistério da
Igreja passou a ser considerado um comportamento aceitável, que merece ser
acompanhado com compreensão e misericórdia. Monsenhor Pietro Maria Fragnelli,
bispo de Trapani e presidente da Comissão para a família, os jovens e a vida,
da Conferência Episcopal Italiana, disse em uma entrevista de 10 de Abril à
agência SIR (dos bispos), dedicada ao documento do Papa Francisco, que “a
recepção da exortação apostólica na diocese está crescendo, no sentido de se
procurar entrar cada vez mais no espírito profundo da Amoris laetitia, que
pede de nós uma nova mentalidade face ao amor em geral, vinculado à família e à
vida de família”.
Para transformar a mentalidade do mundo católico, a
Conferência Episcopal Italiana está empenhada numa assídua obra de promoção de
conferências, seminários, cursos para noivos ou para casais em crise, mas,
sobretudo, como escreve a agência dos bispos, a fim de promover “uma
mudança de estilo para sintonizar a pastoral familiar ao modelo de Bergoglio”. De
acordo com Mons. Fragnelli, “pode-se dizer claramente que começou uma
mudança de mentalidade, tanto do episcopado, quanto das nossas dioceses, como
algo que tem de ser feito, vivido e procurado em conjunto. Pode-se dizer:
trabalho em andamento”.
Os “trabalhos em andamento” consistem na “deformação das
consciências” denunciada há poucos anos atrás pelo Pontifício Conselho para os
Textos Legislativos, ou seja, adotar uma mentalidade que nega, no plano da
práxis, a santidade dos sacramentos e a moralidade cristã.
Em 25 de fevereiro último, falando em um curso de formação
para os párocos, o Papa Bergoglio os convidou a se tornarem “próximos, com
o estilo próprio do Evangelho, no encontro e no acolhimento daqueles jovens que
preferem conviver sem se casar. Nos planos espiritual e moral, eles se
encontram entre os pobres e os pequeninos, dos quais a Igreja, nos passos do
seu Mestre e Senhor, quer ser uma mãe que não abandona, mas que se aproxima e
cuida deles”.
De acordo com a agência SIR, os casais conviventes — com ou
sem filhos — representam atualmente 80% daqueles que participaram, na Itália,
dos cursos de preparação para o casamento em 2016. Ninguém recorda a esses
conviventes que eles vivem em situação de pecado grave. A própria expressão
“casais irregulares” é proibida. Em 14 de janeiro, o “Osservatore Romano”
publicou as orientações pastorais dos dois bispos malteses, D. Charles Scicluna
(arcebispo de Malta, ex-promotor de justiça da Congregação para a Doutrina da
Fé), e D. Mario Grech (Gozo). “Através do processo de discernimento —
dizem eles — precisamos avaliar o grau de responsabilidade moral em
determinadas situações, dando a devida consideração aos condicionamentos e às
circunstâncias atenuantes”. Por causa desses “condicionamentos e
circunstâncias atenuantes, o Papa ensina que ‘já não é possível dizer que todos
os que estão numa situação chamada ‘irregular’ vivem em estado de pecado
mortal, privados da graça santificante”.
A consequência é que “se, como resultado do processo de
discernimento, empreendido com ‘humildade, reserva, amor à Igreja e a seu
ensinamento, na busca sincera da vontade de Deus e com o desejo de alcançar uma
resposta a ela mais perfeita’ (AL 300), uma pessoa separada ou divorciada que
vive uma nova relação consegue com clara e informada consciência, reconhecer e
crer que ela ou ele estão em paz con Deus, ela ou ele não podem ser impedidos
de participar dos sacramentos da Reconciliação ou Eucaristia”.
Um ano após a promulgação da Amoris laetitia, o “modelo
Bergoglio” que vem sendo imposto é o acesso dos divorciados recasados a todos
os sacramentos. A coabitação não constitui escândalo. Mas, para o Papa
Francisco, o escândalo — mais ainda, o principal escândalo do nosso tempo — é a
desigualdade econômica e social.
Em carta dirigida no Domingo de Páscoa ao bispo de
Assis-Nocera Umbra, D. Domenico Sorrentino, o Papa Bergoglio disse que os
pobres são “um testemunho da escandalosa realidade de um mundo marcado
pela desproporção entre o gigantesco número de pobres, amiúde privados do
estritamente necessário, e a minúscula parcela de endinheirados que detêm a
maior parte da riqueza e pretendem determinar os destinos da humanidade.
Infelizmente, a dois mil anos do anúncio do Evangelho e após oito séculos do
testemunho de Francisco, estamos diante de um fenômeno de ‘iniquidade global’ e
de ‘economia que mata’”.
O antagonismo moral entre o bem e o mal é substituído pela
oposição sociológica entre riqueza e pobreza. A desigualdade social passa a ser
um mal pior que o assassinato de milhões de nascituros e o oceano de impureza
que submerge o Ocidente. Como não compartilhar o que escreveu o cardeal Gerhard
L. Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, no livro-entrevista Esperança
da Família: “O maior escândalo que pode dar a Igreja não é o fato de que
dentro dela existam pecadores, mas que deixe de chamar pelo nome a diferença
entre o bem e o mal e passe a relativizá-la, que pare de explicar o que é o
pecado ou finja justificá-lo em nome de uma alegada maior proximidade e
misericórdia para com o pecador”.
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(*) Fonte: “Corrispondenza romana”, Roma, 19-4-2017. Matéria
traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.
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