Por Wal Reis
Poucas coisas são mais tristes do que ter que seguir adiante
deixando parte de você para trás. Mas quando a rua é de mão única, essa é a
rota possível.
Quando a vontade de mandar flores ao delegado passa (oi,
Zeca Baleiro). Quando buscar o sono é mais sedutor que saudar o novo dia.
Quando gera mais dúvida do que certeza. Quando apaga seu sorriso é porque não
vale mais a pena.
É duro encarar, mas alguns amores têm prazo de validade. O
amor pelo trabalho, o amor pelo seu chão e sim: o amor pelo outro. As pequenas
evidências de que acabou chegam devagar, mas intoxicam. E, na ânsia de
ressuscitar a fase boa, fechamos os olhos para os sinais quando, no fundo, sabemos
que nada mais pode ser feito pelo doente terminal.
Palavras e atitudes já não vão na mesma direção. A presença
física não garante a presença emocional e vice-versa. Sua aflição é apenas sua
aflição. A música que te emociona só emociona a você e o amor desafina.
Mas e os planos? Ainda ontem estávamos carimbando
passaportes para tantas viagens, selecionando o cardápio de um jantar
romântico, esperando a turnê de nosso cantor favorito chegar por aqui. Não foi
na semana passada que rimos juntos da mesma piada sem graça? Contamos segredos
bobos e outros nem tanto? Concordamos que a ausência jamais seria tolerada?
Combinamos o próximo Natal?
Sim e não eram mentiras: eram verdades provisórias. Um
cenário perfeito, mas cenário. Desmontável depois que a temporada acaba,
deixando o dolorido silencioso de um teatro vazio, com luzes apagadas e sem
movimentação no backstage.
Não deu tempo de fazer aquela massagem prometida depois de
um dia estressante. Também não te terei dormindo no meu colo enquanto enrolo os
dedos distraidamente no seu cabelo e leio um livro qualquer em uma tarde
preguiçosa de domingo. Não vamos ser testemunhas oculares dos sucessos e
fracassos um do outro.
Você não estará por perto para eu te contar sobre o último
capítulo do livro porque nossa história termina muito antes da contracapa
fechar. E talvez a gente chore ao lembrar de todas essas miudezas de nossa
breve vida em comum, mas apenas enquanto a tinta estiver fresca e o quadro
parecer inacabado. Depois, assim que concedermos a distância necessária para
apreciar as pinceladas que até então pareciam confusas e desordenadas,
finalmente a gente vai sorrir constatando que criamos uma valiosa obra-prima.
WAL REIS
Jornalista, geradora de conteúdos editoriais, especialista
em fazer 54 coisas ao mesmo tempo, incluindo escrever sobre o que realmente me
importa. Procuro retratar nos meus textos a contramão da história, o lado menos
óbvio e politicamente incorreto, aquele que mais se aproxima da realidade...
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