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quarta-feira, 12 de abril de 2017

SILVA GALO, Por Hélio Pólvora


Silva Galo


      Macedo bebia socialmente, fora das horas de trabalho. Às vezes, por estar eufórico ou triste, que tudo são motivos para um trago, aplicava tempo e recursos nos seus programas e projetos sociais. Não era de cortar verbas no orçamento do Ministério das Alegres Libações e Tira-Gostos. Muito pelo contrário, estava sempre a injetar uma verba.

      Durante o dia, um modelo de seriedade. Chegava cedo para o trabalho em Simon Rosenblitz, móveis. Empregado ativo, movimentava-se como esgrimista entre os móveis que atulhavam a loja. O tempo custava a passar, claro. O tempo era uma ampulheta que vertia devagar, muito devagar, os grãos dos minutos e a poeira dos segundos.

      Adormentada ao sol, com o sol tirando reflexos dos paralelepípedos, Ilhéus pestanejava. Na loja, disfarçando o mais que podia a ansiedade, Macedo aguardava o meio-dia, o crepúsculo. Saía quando a esteira de aço da porta era corrida e fechavam embaixo o cadeado. Respirava, então, como um condenado que escapa da Ilha do Diabo ou do presídio de Alcatraz...

      Ninguém segurava Macedo. Não havia FMI capaz de lhe ditar regras. O bar era um templo onde ele molhava a palavra, em conversas espirituosas, antes da ceia, do namoro e do beijo roubado, não exatamente nesta ordem. A noite de Ilhéus era para Macedo apenas uma criança e o vasto universo, com as suas expectativas de aventura, vinha ancorar ali, com todas as suas luzes, esquinas e piratarias.

      Um dia o velho Rosenblitz chamou-o ao escritório e passou-lhe um maço de papéis.

      — São contas antigas, seu Macedo.

      — Sim senhor.

      — Contas de prestamistas atrasados. A presteza com que compram não se repete na data do vencimento. Macedo aplaudiu a máxima do patrão.

      — Ponha-se em campo, vá cobrá-los. Esses aí moram no Pontal. Depois o senhor passa para os bairros de cá.

      — Sim senhor.

      Macedo tomou um besouro e navegou para a República Livre do Pontal, escoltado pelos célebres botos saltadores do Condado de Ilhéus. Saltou defronte ao Tamarindeiro, destacou a conta de endereço mais próximo e bateu à porta do Sr. Silva Pinto. Foi atendido pelo delegado de Ilhéus, em mangas de camisa.

      — Sr. Silva Pinto?

      — Não. Eu sou Silva Galo.

      Macedo coçou o queixo, examinou a conta e concluiu:

      — É dívida velha. Pelo tempo, Silva Pinto já se tornou Silva Galo...

      E estendeu a fatura. Tinha tomado dois cálices de conhaque, antes de entrar no besouro, e estava calibrado.

      — Olhe aqui, rapaz, você está falando com o Delegado de Polícia Silva Galo. O Silva Pinto é outro.

      — Vá contar essa ao delegado... Espiche logo o dinheiro, seu Silva Pinto. Rosenblitz detesta malandros e maus pagadores.

      Silva Galo, rubro, empertigado, olhos faiscando, agarrou-o pelo colarinho.

      — Eu sou o delegado Silva Galo!
      — E eu sou o bispo diocesano. Calma, Silva Pinto. Vamos tomar um rabo-de-galo na esquina?

      Rabo-de-galo, tradução literal de cocktail. O delegado Silva Galo apertou mais a mão no pescoço de Macedo e entrou a sacudi-lo, aos berros. Ignoro o resultado desta encrenca na República Livre do Pontal.


      Hélio Pólvora, escritor e jornalista.
                              


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