Silva Galo
Macedo bebia
socialmente, fora das horas de trabalho. Às vezes, por estar eufórico ou
triste, que tudo são motivos para um trago, aplicava tempo e recursos nos seus
programas e projetos sociais. Não era de cortar verbas no orçamento do
Ministério das Alegres Libações e Tira-Gostos. Muito pelo contrário, estava
sempre a injetar uma verba.
Durante o dia,
um modelo de seriedade. Chegava cedo para o trabalho em Simon Rosenblitz,
móveis. Empregado ativo, movimentava-se como esgrimista entre os móveis que
atulhavam a loja. O tempo custava a passar, claro. O tempo era uma ampulheta
que vertia devagar, muito devagar, os grãos dos minutos e a poeira dos
segundos.
Adormentada ao
sol, com o sol tirando reflexos dos paralelepípedos, Ilhéus pestanejava. Na
loja, disfarçando o mais que podia a ansiedade, Macedo aguardava o meio-dia, o
crepúsculo. Saía quando a esteira de aço da porta era corrida e fechavam
embaixo o cadeado. Respirava, então, como um condenado que escapa da Ilha do
Diabo ou do presídio de Alcatraz...
Ninguém segurava
Macedo. Não havia FMI capaz de lhe ditar regras. O bar era um templo onde ele
molhava a palavra, em conversas espirituosas, antes da ceia, do namoro e do
beijo roubado, não exatamente nesta ordem. A noite de Ilhéus era para Macedo
apenas uma criança e o vasto universo, com as suas expectativas de aventura,
vinha ancorar ali, com todas as suas luzes, esquinas e piratarias.
Um dia o velho
Rosenblitz chamou-o ao escritório e passou-lhe um maço de papéis.
— São contas
antigas, seu Macedo.
— Sim senhor.
— Contas de
prestamistas atrasados. A presteza com que compram não se repete na data do
vencimento. Macedo aplaudiu a máxima do patrão.
— Ponha-se em
campo, vá cobrá-los. Esses aí moram no Pontal. Depois o senhor passa para os
bairros de cá.
— Sim senhor.
Macedo tomou um
besouro e navegou para a República Livre do Pontal, escoltado pelos célebres
botos saltadores do Condado de Ilhéus. Saltou defronte ao Tamarindeiro,
destacou a conta de endereço mais próximo e bateu à porta do Sr. Silva Pinto.
Foi atendido pelo delegado de Ilhéus, em mangas de camisa.
— Sr. Silva
Pinto?
— Não. Eu sou
Silva Galo.
Macedo coçou o
queixo, examinou a conta e concluiu:
— É dívida
velha. Pelo tempo, Silva Pinto já se tornou Silva Galo...
E estendeu a
fatura. Tinha tomado dois cálices de conhaque, antes de entrar no besouro, e
estava calibrado.
— Olhe aqui,
rapaz, você está falando com o Delegado de Polícia Silva Galo. O Silva Pinto é
outro.
— Vá contar essa
ao delegado... Espiche logo o dinheiro, seu Silva Pinto. Rosenblitz detesta
malandros e maus pagadores.
Silva Galo,
rubro, empertigado, olhos faiscando, agarrou-o pelo colarinho.
— Eu sou o
delegado Silva Galo!
— E eu sou o
bispo diocesano. Calma, Silva Pinto. Vamos tomar um rabo-de-galo na esquina?
Rabo-de-galo,
tradução literal de cocktail. O delegado Silva Galo apertou mais a mão no
pescoço de Macedo e entrou a sacudi-lo, aos berros. Ignoro o resultado desta encrenca na República Livre do Pontal.
Hélio Pólvora, escritor e jornalista.
* * *
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