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quarta-feira, 12 de abril de 2017

O DIA DO DIREITO - Antônio Carlos Hygino


O Dia do Direito


Lembro, com muito gosto, dos encontros promovidos por meu pai, em nossa casa, sempre no último sábado de cada mês. Minha mãe se encarregava dos petiscos e do almoço, este que não tinha horário para ser servido, mas normalmente era uma espécie de almoço-ajantarado.
Ela cuidava de tudo pessoalmente e com muito contentamento. 

Eram poucos, mas talentosos amigos. Todos os poetas, jornalistas e intelectuais. A casa era simples, mas a todos acolhia com afeto. Costumavam sentar-se à mesa que durante a semana servia de palco para as memoráveis partidas de jogo de botão, obviamente depois de feitas as tarefas escolares.

Quando os eles chegavam eu ficava sempre por perto. Achava bonito o que eles falavam e como colocavam as palavras de forma tão transcendental que eu me transportava para aquele mundo que só os poetas habitam e conhecem.

Foi assim que ouvi pela primeira vez o meu pai recitar um poeta Castro Alves. Ainda guardo na lembrança a expressão dele ao interpretar o “poeta dos escravos”, nos seguintes versos:

”Boa noite Maria, eu vou-me embora/ A lua nas janelas bate em cheio/ Boa noite Maria, é tarde é tarde/ Não me apertes assim contra teu seio. Boa Noite e tu dizes – Boa noite/ Mas não digas assim por entre beijos/ mas não mo digas descobrindo o peito/ Mar de amor onde vagam os meus desejos!

Recitavam-se Fagundes Varela, Bilac, Cecília Meireles, Catulo da Paixão Cearense e tantos outros. Mas, não era só de poetas que falavam. Em verdade, discutia-se de tudo um pouco.

Certa feita, falavam sobre direito. A discussão girava em torno do “Dia do Magistrado”.

A ardência e o entusiasmo do debate deixaram-me curioso. Ouvindo atentamente a explanação de um dos presentes, dizia ele que em 25 de março de 1824 foi promulgada a Carta Política do Império. Em 09 de janeiro de 1825, foi publicado o decreto assinado por Estavam Ribeiro de Rezende, depois Marquês de Valença, criando um curso jurídico na Corte. Em 12 de março de 1826, o Deputado Lúcio Soares Teixeira de Gouveia, apresentou projeto criando duas Faculdades de Direito. Na sessão de 05.07.1826, dito projeto foi substituído por um de autoria do Deputado Januário da Cunha Barbosa, assinado também pelo Deputado José Cardoso Pereira de Melo, que se transformou na lei de 11 de agosto de 1827 que criou dois cursos jurídicos no Brasil, um em São Paulo e outro em Olinda, este, posteriormente, transferido para Recife.

Desses dois centros de cultura saíram homens de maior projeção em nosso País – magistrados, advogados, professores, estadistas, diplomatas e escritores, a exemplo de Teixeira de Freitas, Pimenta Bueno, Rui Barbosa, Clóvis Beviláqua e muitos outros. Assim, aproveitando a data, prosseguia ele, em 11 de agosto de 1892, instalava-se aqui na Bahia a Corte de Justiça. Daí porque afirmar-se que 11 de agosto encerra o dia dos magistrados é incorrer em equívoco. Dia dos magistrados, não. Dia do direito.

Para homenageá-lo devem reunir- se não somente os magistrados, mas todos os juristas. Ao lado dos que aplicam o direito, encontram-se os que o defendem e ensinam. Os magistrados são uma parcela dos juristas. A festa é dos magistrados, como o é dos advogados, do Ministério Público e dos Professores de Direito. É o dia em que todos devem render graças a Deus por imperar no Brasil o direito, essa força imanente, insuperável, inexaurível e inesgotável que impõe a paz, a ordem e a harmonia nas sociedades regularmente organizadas, garantindo as manifestações de todas as atividades individuais.

Todos concordaram e aplaudiram. Outro pediu a palavra e referindo- se a um advogado, narrou um fato que passou mais ou menos assim:

Av. Sete, em Salvador, havia um colégio. Ao longo da avenida, muitos quiosques. Havia um, próximo ao estabelecimento de ensino, cujo dono, um homem de setenta anos, não suportava ser chamado pelo apelido. Quati-coco era sua alcunha.

Os estudantes sabiam disso e se divertiam ao vê-lo irritado quando assim chamado. Rotineiramente o faziam. Certa feita, decidido, disse: o primeiro que assim me chamar, eu o mato. O sino anunciou o fim das aulas. Ele, o homem, no quiosque, preparou a garrucha e ficou na espreita, no aguardo. Saem os estudantes. Passa um grupo correndo em frente ao quiosque, em algazarra. Um deles, em tom zombador, chama-o pelo apelido.

Desvairado, às cegas, atirou. A bala atingiu letalmente uma criança. A vítima, de sete anos de idade, era filha de uma das famílias mais tradicionais e ricas de Salvador. Preso em flagrante, nenhum profissional queria defendê-lo, pois o crime causou enorme comoção social. Como ninguém pode ser condenado sem defesa, nomeado pelo Juiz foi um jovem que assumiu o patrocínio da causa.

Todas as provas eram a ele desfavoráveis. Como pode a experiência matar a inocência? Levado a júri, a condenação era certa. A Promotoria e o assistente de acusação pediram a pena máxima. A condenação era certa. Dada a palavra, da tribuna, o causídico saudou o Juiz, nestes termos:

Excelentíssimo Senhor Dr. Juiz de Direito, Presidente deste honrado Tribunal... E faz uma breve pausa; Repetiu a saudação e a pausa e o fez pela terceira vez, porém em nenhuma delas nada falou. O Juiz Presidente, irritado, levantou-se e disse: “Se V.Exa. não tem o que dizer, cala-se”.

Ele, o causídico, então, respondeu: Senhores jurados, observem, o Sr. Juiz de Direito, presidente deste Tribunal, homem jovem, culto e letrado, irritou-se por chamá-lo de Excelência, imaginem o que é para um idoso, para um homem que não teve oportunidades na vida, não estudou, não ser tratado pelo nome, mas por um apelido que o humilha, que fere a sua alma…

E por aí foi... Resultado, absolvição.

Esse defensor chamava-se Cosme de Farias, concluiu. Falaram sobre o talento de Cosme de Farias e de outros juristas. Por volta das 15h, o almoço foi servido. Embevecido com os ensinamentos daquela tarde, deixava despertar em mim o desejo de trilhar o caminho da justiça.


Antônio Carlos de Souza Hygino

Juiz de Direito titular da 5ª Vara Cível da Comarca de Itabuna – Bahia.

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