O Dia do Direito
Lembro, com muito gosto, dos encontros promovidos por meu
pai, em nossa casa, sempre no último sábado de cada mês. Minha mãe se
encarregava dos petiscos e do almoço, este que não tinha horário para ser
servido, mas normalmente era uma espécie de almoço-ajantarado.
Ela cuidava de tudo
pessoalmente e com muito contentamento.
Eram poucos, mas talentosos amigos.
Todos os poetas, jornalistas e intelectuais. A casa era simples, mas a todos
acolhia com afeto. Costumavam sentar-se à mesa que durante a semana servia de
palco para as memoráveis partidas de jogo de botão, obviamente depois de feitas
as tarefas escolares.
Quando os eles
chegavam eu ficava sempre por perto. Achava bonito o que eles falavam e como
colocavam as palavras de forma tão transcendental que eu me transportava para
aquele mundo que só os poetas habitam e conhecem.
Foi assim que ouvi pela primeira vez o meu pai recitar um poeta Castro Alves. Ainda guardo na lembrança a expressão dele ao interpretar o “poeta dos escravos”, nos seguintes versos:
Foi assim que ouvi pela primeira vez o meu pai recitar um poeta Castro Alves. Ainda guardo na lembrança a expressão dele ao interpretar o “poeta dos escravos”, nos seguintes versos:
”Boa noite Maria, eu vou-me embora/ A lua nas janelas bate
em cheio/ Boa noite Maria, é tarde é tarde/ Não me apertes assim contra teu
seio. Boa Noite e tu dizes – Boa noite/ Mas não digas assim por entre beijos/
mas não mo digas descobrindo o peito/ Mar de amor onde vagam os meus desejos!
Recitavam-se Fagundes Varela, Bilac, Cecília Meireles,
Catulo da Paixão Cearense e tantos outros. Mas, não era só de poetas que
falavam. Em verdade, discutia-se de tudo um pouco.
Certa feita, falavam
sobre direito. A discussão girava em torno do “Dia do Magistrado”.
A ardência e o entusiasmo do debate deixaram-me curioso.
Ouvindo atentamente a explanação de um dos presentes, dizia ele que em 25 de
março de 1824 foi promulgada a Carta Política do Império. Em 09 de janeiro de
1825, foi publicado o decreto assinado por Estavam Ribeiro de Rezende, depois
Marquês de Valença, criando um curso jurídico na Corte. Em 12 de março de 1826,
o Deputado Lúcio Soares Teixeira de Gouveia, apresentou projeto criando duas
Faculdades de Direito. Na sessão de 05.07.1826, dito projeto foi substituído
por um de autoria do Deputado Januário da Cunha Barbosa, assinado também pelo
Deputado José Cardoso Pereira de Melo, que se transformou na lei de 11 de
agosto de 1827 que criou dois cursos jurídicos no Brasil, um em São Paulo e
outro em Olinda, este, posteriormente, transferido para Recife.
Desses dois centros de cultura saíram homens de maior
projeção em nosso País – magistrados, advogados, professores, estadistas,
diplomatas e escritores, a exemplo de Teixeira de Freitas, Pimenta Bueno, Rui
Barbosa, Clóvis Beviláqua e muitos outros. Assim, aproveitando a data,
prosseguia ele, em 11 de agosto de 1892, instalava-se aqui na Bahia a Corte de
Justiça. Daí porque afirmar-se que 11 de agosto encerra o dia dos magistrados é
incorrer em equívoco. Dia dos magistrados, não. Dia do direito.
Para homenageá-lo devem reunir- se não somente os magistrados, mas todos os juristas. Ao lado dos que aplicam o direito, encontram-se os que o defendem e ensinam. Os magistrados são uma parcela dos juristas. A festa é dos magistrados, como o é dos advogados, do Ministério Público e dos Professores de Direito. É o dia em que todos devem render graças a Deus por imperar no Brasil o direito, essa força imanente, insuperável, inexaurível e inesgotável que impõe a paz, a ordem e a harmonia nas sociedades regularmente organizadas, garantindo as manifestações de todas as atividades individuais.
Para homenageá-lo devem reunir- se não somente os magistrados, mas todos os juristas. Ao lado dos que aplicam o direito, encontram-se os que o defendem e ensinam. Os magistrados são uma parcela dos juristas. A festa é dos magistrados, como o é dos advogados, do Ministério Público e dos Professores de Direito. É o dia em que todos devem render graças a Deus por imperar no Brasil o direito, essa força imanente, insuperável, inexaurível e inesgotável que impõe a paz, a ordem e a harmonia nas sociedades regularmente organizadas, garantindo as manifestações de todas as atividades individuais.
Todos concordaram e aplaudiram. Outro pediu a palavra e
referindo- se a um advogado, narrou um fato que passou mais ou menos assim:
Av. Sete, em Salvador, havia um colégio. Ao longo da
avenida, muitos quiosques. Havia um, próximo ao estabelecimento de ensino, cujo
dono, um homem de setenta anos, não suportava ser chamado pelo apelido.
Quati-coco era sua alcunha.
Os estudantes sabiam disso e se divertiam ao vê-lo irritado
quando assim chamado. Rotineiramente o faziam. Certa feita, decidido, disse: o
primeiro que assim me chamar, eu o mato. O sino anunciou o fim das aulas. Ele,
o homem, no quiosque, preparou a garrucha e ficou na espreita, no aguardo. Saem
os estudantes. Passa um grupo correndo em frente ao quiosque, em algazarra. Um
deles, em tom zombador, chama-o pelo apelido.
Desvairado, às cegas, atirou. A bala atingiu letalmente uma
criança. A vítima, de sete anos de idade, era filha de uma das famílias mais
tradicionais e ricas de Salvador. Preso em flagrante, nenhum profissional
queria defendê-lo, pois o crime causou enorme comoção social. Como ninguém pode
ser condenado sem defesa, nomeado pelo Juiz foi um jovem que assumiu o
patrocínio da causa.
Todas as provas eram a ele desfavoráveis. Como pode a experiência matar a inocência? Levado a júri, a condenação era certa. A Promotoria e o assistente de acusação pediram a pena máxima. A condenação era certa. Dada a palavra, da tribuna, o causídico saudou o Juiz, nestes termos:
Todas as provas eram a ele desfavoráveis. Como pode a experiência matar a inocência? Levado a júri, a condenação era certa. A Promotoria e o assistente de acusação pediram a pena máxima. A condenação era certa. Dada a palavra, da tribuna, o causídico saudou o Juiz, nestes termos:
Excelentíssimo Senhor Dr. Juiz de Direito, Presidente deste
honrado Tribunal... E faz uma breve pausa; Repetiu a saudação e a pausa e o fez
pela terceira vez, porém em nenhuma delas nada falou. O Juiz Presidente,
irritado, levantou-se e disse: “Se V.Exa. não tem o que dizer, cala-se”.
Ele, o causídico, então, respondeu: Senhores jurados,
observem, o Sr. Juiz de Direito, presidente deste Tribunal, homem jovem, culto
e letrado, irritou-se por chamá-lo de Excelência, imaginem o que é para um
idoso, para um homem que não teve oportunidades na vida, não estudou, não ser
tratado pelo nome, mas por um apelido que o humilha, que fere a sua alma…
E por aí foi... Resultado, absolvição.
Esse defensor chamava-se Cosme de Farias, concluiu. Falaram
sobre o talento de Cosme de Farias e de outros juristas. Por volta das 15h, o
almoço foi servido. Embevecido com os ensinamentos daquela tarde, deixava
despertar em mim o desejo de trilhar o caminho da justiça.
Antônio Carlos de Souza Hygino
Juiz de Direito titular da 5ª Vara Cível da Comarca de
Itabuna – Bahia.
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