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quinta-feira, 2 de março de 2017

LUZIA – Marília Benício dos Santos (Parte I)

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Luzia


      Luzia raramente abria a porta. Vivia sempre trancada. Os vizinhos, quando queriam falar-lhe ou levar comida, batiam ou chamavam-na pelo nome. Muitas vezes ela respondia com agressividade.

      - Luzia, abra a porta! Sou eu, Josefa. Venho trazer o almoço. Luzia, porém, parecia não ouvir as pancadas que, insistentemente, sua vizinha dava em sua porta, chamando-a.
       
      Os moradores daquele andar, curiosos, chegaram até Josefa para saber do que se tratava.

      - Será que Luzia saiu? Já faz tempo que bato. Não é possível que esteja aí dentro.

      - Vamos chamar D. Sebastiana. Talvez ela informe alguma coisa.

      D. Sebastiana veio solícita e informou que Luzia não havia saído.

      - Ela raramente sai. Vou arrombar a porta. Talvez ela tenha tido um ataque. Por isso não pode atender.

      Com muita habilidade, D. Sebastiana arrombou a porta. Que surpresa desagradável. Num canto do quarto, junto à cama,  estava o corpo da pobre Luzia. Sem vida. Com rigidez Cadavérica, parecia rir para as pessoas que apavoradas a fitavam.

      Coitadinha! Diziam os vizinhos. – Morreu sozinha. Como se nós todos não morrêssemos sozinhos. A morte vem sempre de surpresa. É uma realidade que temos de enfrentar. Pode até ser que estejamos cercados de muita gente. Mas na hora H, é apenas cada um de per si que vai encará-la. Quando? Não sabemos. Somente o Criador sabe.

      - Chame a polícia. Ninguém toque no corpo, disse D. Sebastiana.

      Imediatamente o local se encheu de gente. A polícia não demorou. Perto havia um posto policial. O corpo foi para o necrotério.

      - A família precisa ser avisada. Disse um dos policiais. Mas ninguém sabia informar nada sobre a família de Luzia. Sabia-se que ela era de  Alagoas e que morava aqui há 30 anos. Conheceram também o seu companheiro José e podiam testemunhar o quanto eram felizes.

        Quando Luzia conheceu José estava sofrendo muito. Tinha passado por uma grande decepção com Armando, o seu namorado, que conhecera assim que chegara ao Rio. Pensava que era correspondida no grande amor que dedicava ao Armando. Mas, infelizmente, não era esta a realidade. Juras de amor e beijos apaixonados faziam a jovem recém-chegada muito feliz. Uma noite, o seu querido ofereceu-lhe uma aliança. Luzia vibrou de alegria. Sentiu-se a moça mais feliz do mundo. Armando aproveitando-se deste clima de euforia, depois de troca de beijos apaixonados, propôs-lhe:

      - Vamos passar a noite juntos?

      - Não. Só depois de casados. Depois de abençoados.

      - Que é isso, querida? Você não confia em mim?

      A coitada da Luzia foi  na onda. Dormiram juntos. Aos poucos foi desaparecendo até que deu no pé. Luzia caiu num desespero enorme. Chorava muito. Sua patroa, tentando ajudá-la, insistia para que ele desabafasse.

      - Conte para mim. Sei que está sofrendo. Seu namorado não tem aparecido. O que houve? Vocês terminaram? Luzia, depois de muito choro, desabafou. Contou tudo para Vilma. Esta com muita pena procurou apoiá-la.

      - D. Vilma, agora não posso mais casar de véu e grinalda.

      - Não pense nisto. Guarde segredo. Peça a Deus que não esteja grávida.

      - Estou tão triste! Se pudesse desaparecia. Imagine se minha mãe sabe de uma desgraça desta.

      - Agora precisa ser mais cuidadosa. Outro namorado que tiver, não conte para ele.

      - Vou casar enganando ele?

      - Não. Tudo tem o seu tempo certo. Não precisa ter pressa.

      - Não quero mais saber de homem. Acho que Deus me castigou pelo que fiz com o pobre do Antonio.

      Depois do ocorrido, Vilma passou a tratar Luzia com muito carinho. Saía com os filhos para passear de carro e Luzia os acompanhava. Sérgio, o marido de Vilma, com muita pena, dava-lhe muito apoio. Presenteava-a com frequência. Por sua vez, Luzia procurava corresponder ao carinho que lhe era dispensado, desdobrando-se em seu serviço. Cuidava das crianças. Lavava e passava toda a roupa da casa. Aquela família não possuía máquina de lavar. Assim com o seu trabalho e o tratamento que lhe era dispensado, sua dor tornou-se mais amena.

      Uma noite, Luzia foi surpreendida com a presença de Sérgio em seu quarto. Admirada, sentou-se rápido na cama e perguntou-lhe:

      - Dr. Sérgio, aqui!? Está precisando de alguma coisa?

      - Sim, Luzia. Preciso de seu amor.

      Ao dizer isto, foi se aproximando dela, que muito assustada foi-se levantando e gritando: - pelo amor de Deus, não de aproxime de mim.

      - Não grite para não acordar Vilma e as crianças.

      Ela o empurrou e começou a gritar alucinadamente. Ele apavorado saiu do quarto. Encontrou-se com Vilma que tinha acordado e vinha ver o que tinha acontecido. Ele, descaradamente, disse: - Luzia teve um pesadelo. Eu também vim ver o que se passava.

       Vilma foi até o quarto da empregada, encontrou-a chorando muito. Estava trêmula.

      - Que pesadelo foi este, minha filha?

      - Sonhei que minha mãe tinha morrido.

      - Vá dormir. Vou dar-lhe um calmante.

       Deu o calmante e foi dormir ao lado do marido, que, em baixo do cobertor, fingia dormir. No quarto dos fundos, a pobre Luzia continuava chorando sem conseguir dormir. Pensava como resolver mais este problema. A solução não podia ser outra. Partiu para outro emprego. Foi trabalhar no Leblon. Vilma nunca entendeu a atitude da sua empregada. Principalmente, porque ela chorava muito ao despedir-se.

        O tempo passou. Luzia sofrendo muito pensava em voltar para casa. Mas não sabia como ia ser recebida pelos pais. Nunca mais tinha tido notícias da companheira Alice, com quem viera para o Rio. Muito bonita cheia de admiradores, não namorava. Tinha muito poucas amigas. O faxineiro do prédio vinha insistindo para namorá-la . Depois de algum tempo cedeu e iniciaram o namoro. Luzia começou a ter dias melhores. Passeavam muito. Ele era de Pernambuco. Parecia querer algo sério. Um dia, propôs-lhe casamento. Ela, então, sentiu-se na obrigação de confessar o seu pecado.

  
(aguarde a segunda parte...)


(O CORAÇÃO NÃO ENVELHECE)

Marília Benício dos Santos

* * *

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