Total de visualizações de página

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

HISTÓRIA DE ITABUNA:História de Ferradas

História de Ferradas


          João Pereira virou-se para Carlos Sousa e lembrou-lhe a promessa de contar a história de Ferradas.

          - Isto aqui, iniciou Carlos Sousa, que era homem meio letrado e escrevia alguns artigos no violento jornal do farmacêutico Tourinho, é uma terra que tem uma história bonita; nasceu do ideal cristão de um missionário chamado frei Ludovico de Liorne. Antes, porém,  da vinda do missionário passou uma estrada em direção ao sertão. Quem a mandou abrir foi um senhor de engenho de Ilhéus.
Chamava-se Felisberto Caldeira Brant, futuro Marquês de Barbacena. Resolveu fazer a estrada para abastecer a cidade de Ilhéus de carne de boi, dos rebanhos que existiam lá pelas bandas do sertão de Minas.

          A estrada saiu de Ilhéus com o rumo ao arraial de Conquista; custou naquele tempo um dinheirão, dois mil cruzados. Em 1812, ainda estava no rio Salgado. O trabalho da estrada foi realizado por um português brutamontes, de nome Felisberto Gomes Caldeira, parente do senhor de engenho. Esse português, naquele tempo tenente-coronel, dono da terra, metido com negras e mulatas escravas, pintou e bordou com os pobres índios. Fez tanta malvadez, bateu tanto, espancou tanto, que até as feras das matas se amedrontaram dele.

          Anos mais adiante, nas guerras da Independência, meteu-se a gente e foi trucidado pelo célebre batalhão dos periquitos, recebendo, assim, na própria carne, as dores que os aborígines sofreram com as suas perversidades.

          A notícia, porém, das atrocidades praticadas contra os selvagens chegou ao conhecimento das autoridades e dos missionários.

          Imediatamente tomaram providências e trataram de corrigir os excessos. Baltasar Lisboa, comendador, dono da sesmaria de Ferradas movimentou-se e aproveitou a oportunidade para localizar, nos seus domínios, a antiga aldeia dos Gueréns, do Almada. Em seguida, chegou frei Ludovico de Liorne, que pôs termo à intranquilidade reinante, provocada pelo empreiteiro da estrada, e ergueu logo a cruz de Cristo, como símbolo da civilização.

          Esse frade, continuou a contar Carlos Sousa, segundo as crônicas, era cheio de bondade e devoção. Seu olhar, brando como a luz da tarde, infundia respeito enorme. Não só os civilizados, também os índios tinham por ele consideração semelhante, a que um bom filho dispensa ao pai.

          Viveu em Ferradas mais de trinta anos, civilizando os índios camacãs, pataxós, gueréns, e estendeu a sua ação ao Boqueirão, ao Colônia, até ao rio Pardo.

          Homem santo, esse frade,  toda a sua vida dedicou-a ao bem da humanidade. Na sua terra, na Itália, foi capelão do exército de Napoleão Bonaparte.

          Nunca teve medo da maldade humana, porque tinha fé e acreditava em Deus. Servia aos homens pelo amor de Deus.
Contavam dele que, na mais terrível batalha, quando os soldados caíam mortalmente feridos ele os assistia com as suas orações, até o último suspiro. E nunca uma bala feriu o seu corpo, mais de santo que mesmo de homem pecador.

          Foi esse homem quem fundou Ferradas, quem lançou, aqui, a semente do trabalho e da civilização que se espalhou pelo município.

          Ferradas teve dias grandiosos. Hospedou gente muito boa. Acolheu cientistas. Estiveram visitando-a o Príncipe Maximiliano, Spix e Martius.

          Nessa ocasião os cientistas bávaros condecoraram o arraial com o título de Vila de São Pedro de Alcântara, em honra ao primeiro Imperador do Brasil.

          Mas tudo passou. Frei Ludovico, velho e enfermo, foi morrer no seu convento, em Salvador.

          As colônias se acabaram e as plantações de cacau começaram a aparecer e a despertar a ambição nos homens brancos. Enquanto os índios recuavam para as matas, levas e levas de desbravadores se apoderavam das terras boas para o cacau, vindos de Ilhéus e do norte.

          E assim Ferradas mudou logo. Saiu do poder dos índios e dos padres e entrou na posse dos civilizados do cacau. Num instante, as suas casinhas de barro, os seus barracões de índios, a sua igreja tosca se transformaram. Casas melhores foram aparecendo, fazendas foram plantando, umas  depois das outras. E a nova povoação, de homens de nova fibra, com outra mentalidade se espalhava pela mata, com a mentalidade do cacau, que é a da riqueza, que absorve o homem, que fanatiza o homem, despertando nele a ambição, que é a mola do progresso.

          A riqueza, companheiro, é assim, boa, mas audaciosa, fascinante, mas atrevida. Por ela os homens brigam, fazem a guerra, ofendem a Deus.

          No tempo de frei Ludovico era diferente. Havia a pobreza, que é mansa como os cordeiros. Os fazedores de riqueza, são diferentes, respeitam a cruz, mas não largam a espingarda, amam até o próximo, quando ele não perturba os seus interesses.



(TERRAS DE ITABUNA – Cap. III)
Carlos Pereira Filho

* * *

Nenhum comentário:

Postar um comentário