A mais Excelente das Virtudes – Parte I
13 de março de 2021
Plinio Maria Solimeo
Uma expressão muito em voga antigamente, quando se via
alguém maltratar outra pessoa ou mesmo um animal, era: “Que falta de caridade!”.
Na maioria das vezes, ao fazer esse comentário, muito pouca
gente pensava na virtude da Caridade (com maiúscula), isto é numa das três
Virtudes Teologais, assim chamadas porque têm como origem, motivo e objeto
imediato o próprio Deus. As outras duas são a Fé e a Esperança. Essas virtudes
são os três elementos essenciais da vida cristã e, por isso, São Paulo exorta
os Tessalonicenses: “Tomemos por couraça a fé e a caridade, e por capacete
a esperança da salvação” (Ts 5, 8).
A mais excelente das virtudes
A caridade é assim definida: “A virtude teologal pela
qual nós amamos a Deus sobre todas as coisas e o nosso próximo como a nós
mesmos por amor de Deus”.
Ela é o “um mandamento novo” que Jesus apresentou
aos Apóstolos: “Eis meu mandamento: Amai-vos uns aos outros, como eu vos
tenho amado” (Jo 15, 12). “Como o Pai me amou, eu assim vos tenho
amado. Permanecei em meu amor” (Jo 15, 9).
Amando-se uns aos outros, Seus discípulos imitam o amor que
recebem de Jesus.
Com o fogo que lhe é próprio, o Apóstolo dos Gentios fala aos Coríntios sobre a excelência da virtude da Caridade: “Se eu falar as línguas de homens e de anjos, mas não tiver caridade, sou como bronze que soa ou címbalo que retine. E se possuir o dom de profecia, e conhecer todos os mistérios e toda a ciência, e alcançar tanta fé que chegue a transportar montanhas, mas não tiver caridade, nada sou. E se repartir toda minha fortuna, e entregar meu corpo ao fogo, mas não tiver caridade, isso nada me aproveita […]. Agora permanecem estas três coisas: fé, esperança e caridade. Porém, a mais excelente delas é a caridade” (1Cr 13, 1-4, 13).
Ele descreve ainda, de modo admirável, as características da
caridade: “A caridade é paciente, a caridade é benigna; ela não é
invejosa, a caridade não é jactanciosa, não se ensoberbece, não é descortês,
não é interesseira, não se irrita, não guarda rancor; não se alegra com a
injustiça, mas compraz-se na verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera,
tudo tolera” (1Cr 13, 4-7).
Do mesmo modo, São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, em sua
primeira Epístola, fala de um dos frutos da caridade: “Antes de tudo,
mantende entre vós uma ardente caridade, porque a caridade cobre a multidão dos
pecados” (1 Pe 4,8).
Caridade e amor sensível a Deus
A caridade, como virtude teologal, nos preceitua a amar a
Deus acima de todas as coisas porque Ele é Deus, e a amar a nós mesmos e ao
próximo por amor de Deus: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu
coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças” (Dt 6, 5).
É evidente que amar não significa amá-Lo com um máximo de
intensidade, pois isso não é algo que esteja no nosso controle, pois depende da
graça. Menos ainda significa a necessidade de sentir um amor a Deus mais
sensível que o amor às criaturas. Pois estas, por mais imperfeitas que sejam,
são visíveis a nós, e por isso apelam mais à nossa sensibilidade do que Deus,
que é invisível: “Quem não ama o seu irmão a quem vê, não pode amar a
Deus, a quem não vê”. (1 Jo 4, 20).
Segundo alguns exegetas, a expressão acima (“de todo o teu
coração” etc.), foi escolhida pelo escritor sacro para elevar a caridade
acima do baixo materialismo dos saduceus e do ritualismo formal dos fariseus da
época.
Perde-se a caridade pelo pecado
Ao mesmo tempo, “amar a Deus acima de tudo” implica
santidade de vida. É verdade que o homem é frágil, inconstante, ferido,
obscurecido pelas paixões. Ele peca, e todos os seus pecados são falta de amor
a Deus, mesmo quando ele não passa a odiar, em rebelião direta contra Ele com
ódio de inimizade. Mas o pecado mortal nos faz perder a caridade e assim, a
graça santificante.
Isto não ocorre com as outras duas virtudes teologais, a fé
e a esperança, que podem subsistir mesmo depois de pecarmos e levar-nos ao
arrependimento e à confissão. Este sacramento, recebido com as devidas
disposições, nos permite readquirir a preciosa virtude da caridade.
Caridade e amor natural ao próximo
A própria razão nos diz que devemos amar nossos próximos,
visto que são filhos de Deus, nossos irmãos, membros da mesma família humana,
que têm a mesma natureza, dignidade, destino e necessidades que nós.
Mas esse amor natural ao próximo não é caridade, pois,
conforme São Tomás, “caridade é amor; mas nem todo amor é caridade”.
A virtude da caridade é sempre sobrenatural, pois sempre tem
a Deus como fim.
Por exemplo, quando uma pessoa assiste a um necessitado por
causa das palavras de Cristo “o que fizerdes a um destes pequeninos, a mim
o fazeis” (Mt 10,42; 25,40), está praticando um ato sobrenatural de
caridade. Mas se o mesmo ato foi praticado por mera pena do pobre, e não pelo
amor de Deus, o ato será de amor natural.
[Amanhã publicaremos a parte II deste artigo]
https://www.abim.inf.br/a-mais-excelente-das-virtudes-parte-i/
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A mais excelente das virtudes–PARTE II
14 de março de 2021
O Bom Samaritano. Xilogravura segundo desenho do pintor
alemão Julius Schnorr von Carolsfeld (1794 – 1872).
Plinio Maria Solimeo
A obrigação de praticar atos de caridade em relação ao
próximo é preceituada pela Revelação. Há vários textos da Sagrada Escritura que
no-lo obriga, como as palavras do próprio Cristo: “Amarás o teu próximo
como a ti mesmo” e “faça aos outros o que quer que lhe façam”.
Da caridade deflui a misericórdia, que nos inclina a ter
compaixão das misérias de nosso próximo, considerando-as em certa medida como
nossas. Isso de tal modo que, o que lhe causa tristeza, do mesmo modo nos
entristece. A misericórdia é assim a virtude por excelência entre todas aquelas
que se referem ao nosso próximo. O próprio Deus manifesta misericórdia em um
grau extremo tendo compaixão de nós.
Caridade e misericórdia
Daí a necessidade que temos de praticar as obras de
misericórdia, que são as que visam o bem espiritual ou corporal do nosso
próximo. Elas se dividem em espirituais e corporais.
A maior parte das pessoas se empenham em praticar as obras
de misericórdia corporais, levadas por mero sentimentalismo ou por uma
pena genuína, mas puramente humana, que sente pelos necessitados. Entretanto,
descuidam das obras espirituais, das quais muitas vezes o próximo está
mais necessitado delas do que das primeiras.
O Catecismo de São Pio X nos indica quais são elas:
Obras de misericórdia espirituais
dar bom conselho;
ensinar os ignorantes;
corrigir os que erram;
consolar os aflitos;
perdoar as injúrias;
sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo
rogar a Deus por vivos e defuntos.
As sete obras de misericórdia corporais são as que
cuidam das necessidades físicas de nosso próximo:
dar de comer a quem tem fome;
dar de beber a quem tem sede;
vestir os nus;
dar pousada aos peregrinos;
assistir aos enfermos;
visitar os presos;
enterrar os mortos.
O óbolo da viúva e o Bom Samaritano
A esmola feita pelo amor de Deus é uma obra tão boa e tão meritória, que atrai o olhar de Deus, como visto na cena do óbolo da viúva [quadro ao lado] em São Lucas, (21, 1 a 4): “Os demais deitaram, para as oferendas de Deus, daquilo que lhes sobrava, ao passo que esta, da sua indigência, deitou tudo o que tinha para seu sustento”.
Entretanto, o mais belo exemplo de obra de misericórdia
corporal é dado pelo próprio Divino Mestre na parábola do Bom Samaritano [quadro
no topo], o quadro mais belo e mais perfeito do amor ao próximo.
Sobre ela diz o ilustre arcebispo de São Paulo D. Duarte
Leopoldo e Silva em sua sempre atual Concordância dos Santos Evangelhos:
“O samaritano vê um homem prostrado em terra, mortalmente
ferido. Para ter o amor do próximo, para praticar esta virtude, é preciso
primeiro ver, e não desviar os olhos da miséria que se nos apresenta. Não
basta: é preciso ainda saber ver, deter-se um instante no caminho, considerar e
compreender os males alheios, e não fazer como o sacerdote e o levita, que
viram e passaram. Depois, é preciso ter dó, mover-se à compaixão, aproximar-se,
pelo coração, daqueles que sofrem, não limitar-se a uma compaixão estéril, mas
imitar o Samaritano, dar como ele, em favor do próximo, tempo, dinheiro,
trabalho, a sua própria pessoa, em uma palavra, dedicar-se”.
Inveja: pecado grave contra a caridade
Sendo que a caridade consiste em amar a Deus sobre todas as
coisas, o pecado que é diametralmente oposto a ela é o ódio a Deus. Esse ódio,
quando chega ao seu auge, leva a pessoa a adorar o próprio Satanás. É o maior
pecado que um homem pode cometer. O ódio evidentemente tem graus, que vão se
manifestando num ódio sucessivo à Igreja, à Religião, e até aos bons. Quando é
dirigido a estes, é um grande pecado que resulta de uma profunda desordem
interna.
Mas, na ordem prática, o pior pecado contra o próximo é a
inveja, que também é diretamente oposta à caridade cristã. Diz a respeito o
grande moralista espanhol, Pe. Antonio Royo Marin O.P.:
“A inveja é oposta à alegria espiritual (que pode existir ao
mesmo tempo com a tristeza, porque não gozamos ainda da perfeita posse de Deus,
como teremos na visão beatífica) é ocasionada pelo bem do nosso próximo. É um
horrível pecado que entristece a alma por causa do bem visto em outrem, não
porque esse bem particular nos ameaça, mas porque é visto como algo que diminui
nossa própria glória e excelência. De si, é um pecado mortal contra a caridade,
que nos ordena regozijar-nos com o bem de nosso próximo […]. Da inveja, como um
vício capital, procedem o ódio, a murmuração, difamação, prazer nas
adversidades do próximo, e tristeza por sua prosperidade”.
Resumindo, diz o Pe. Royo Marin:
“Devemos amar primeiro Deus, que é a fonte de toda
felicidade; depois, nossa própria alma, que participa diretamente da infinita
felicidade; em terceiro lugar, nosso próximo, tanto homens quanto anjos, que
são companheiros de nossa felicidade; e por último, nossos corpos, sobre os
quais redunda a glória da alma, e mesmo coisas irracionais tanto quanto elas
possam estar relacionadas com o amor e a glória de Deus. A caridade é a virtude
‘par excellence’ que abraça o Céu e a Terra”.
https://www.abim.inf.br/a-mais-excelente-das-virtudes-parte-i-2/
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