Traída pela memória
Em recente seminário na Universidade de Harvard, em
Massachusetts, nos Estados Unidos, a ex-presidente Dilma voltou a ser traída
pela memória ao declarar que foi “vítima de dois golpes: a prisão e a tortura
durante a ditadura, e o impeachment”. A comparação é um despropósito retórico
que não condiz com os fatos. No primeiro episódio, nos anos 70, ela sentiu na
carne o que é de fato um golpe sem aspas. Sofreu tanta violência na prisão, e
com tanta bravura, que seus torturadores a apelidaram de “Joana d’Arc da
subversão”. No segundo, através de instrumento constitucional, ela foi
condenada no Senado (61 votos a favor e 20 contra) por crimes de
responsabilidade fiscal.
Apesar da perda do mandato, ela continuou com o direito de
disputar eleições, votar, ocupar postos na administração pública e a ter
regalias como viagens ao exterior levando quatro assessores, além de palanques
para denunciar o “golpe” e até falar mal da Justiça e do juiz Sérgio Moro, como
fez agora. Tudo sem risco de represália (me lembrei de Jango em Paris, em 1961,
temendo voltar para, como vice, assumir a Presidência no lugar de Jânio, que
havia renunciado. Como era correspondente, fui seu improvisado intérprete para
a imprensa francesa, com a perigosa possibilidade de mudar o destino do país:
qualquer palavra mal traduzida poderia servir de pretexto para os militares
anteciparem o que fizeram três anos depois, com muitos tanques e fuzis).
Em Harvard, Dilma criticou o “uso político” da Lava-Jato e
mandou um recado velado ao juiz de Curitiba, que falaria em seguida. “Me
preocupa muito que mudem as regras do jogo democrático”, afirmou, para
confessar o que realmente teme: “Me preocupa que prendam o Lula”. Com a cabeça
cheia de teorias persecutórias, ela vê nisso não uma hipótese que cabe à
Justiça aceitar ou não, soberanamente, mas uma espécie de conspiração urdida
especialmente para evitar o que ela já considera “uma possibilidade concreta”:
a eleição do líder petista em 2018.
Em tempo. Antes que a onda paranoica me acuse de golpista,
lembro mais uma vez que fui contra o impeachment de Dilma, não por ser um
“golpe”, mas por temor ao que poderia vir depois.
Leitores estão reclamando da ausência de Alice neste espaço.
É que ela anda às voltas com o livro que, acha, a levará à ABL. Ainda mais que
Vilaça lhe garantiu seu voto. Ele é o grande acadêmico a quem ela se refere
assim: “Um amigo de meu avô e meu admirador”. Não sei como cabe tanta pretensão
numa linda cabecinha de 7 anos.
O Globo, 12/04/2017
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Zuenir Ventura
- Sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 da ABL, eleito no dia 30 de outubro de
2014, na sucessão do Acadêmico Ariano Suassuna, e recebido no dia 6 de março de
2015, pela Acadêmica Cleonice Berardinelli.
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