O carrossel
Marília Benício dos Santos
O sol
continuava dormindo. O domingo estava nublado.
Em vez de
praia fomos à Quinta da Boa Vista. Ao sairmos, Júlia Maria exclamou:
- Um
carrossel, minha tia!
Chegamos em
frente ao carrossel e ficamos a observá-lo.
- Venha,
vovó, disse Lucas, tentando subir. Resolvi aceitar o seu convite. Ele, muito
entusiasmado, montava no cavalinho e eu o segurava, e ao abraçá-lo, abraçava
também o cavalo.
Quanta diferença
desse carrossel para o carrossel da minha infância!
Enquanto o carrossel
girava, eu refletia: “O carrossel se identifica com a vida; ambos sempre estão a
girar, passam pelos mesmos lugares”.
Todos os
anos há Natal, Páscoa; as estações vêm todos os anos. A primavera com suas
flores dando uma colaboração imensa para ornamentar a vida. O verão, portador
de alegria com o sol muito intenso, traz mais alegria para viver. Tem também o
outono, quando as flores caem e dão lugar aos frutos, e, finalmente, o inverno,
quando há um amadurecimento intenso e assim permite que surjam as flores na
primavera e os frutos no outono.
E o
carrossel da vida vai girando, girando... Só que neste carrossel não podemos
voltar atrás. Embora haja primavera, a primavera de minha infância jamais
voltará. O carrossel brinquedo, sim, o homenzinho que o dirige pode dar
meia-volta. Na minha fantasia, porém, eu tento voltar atrás. É isso que eu faço
agora. Abraçada com Lucas e o cavalinho, volto à minha infância.
Como era
bonito aquele carrossel! Cada menina exibia o seu vestido novo cheio de rendas,
babados e fitas. Cada uma usava um laço de fita nos cabelos que dava um brilho
lindo, confundindo com o colorido do carrossel.
O carrossel
girava, girava... Era lindo vê-lo assim levando tantas crianças, fazendo-as
felizes.
O carrossel
da Quinta da Boa Vista levava também muitas crianças diferentes, bem nenês, por
isso exigia a presença de alguém para protege-las.
Ao meu lado
estava um senhor que segurava uma criança. – Será que ele também estava
lembrando da infância? A criança que ele protegia era menina ou menina? Não
conseguia identificar. Logo, porém, o fiz, pois havia uma argola na sua orelha.
No carrossel
da minha infância os meninos eram também muito bem-vestidos. A camisa podia ser
colorida, mas a calça era geralmente branca ou azul marinho, algumas mais
sofisticadas, de veludo.
O carrossel
era armado sempre no Natal, daí a razão para as crianças estarem bem arrumadas.
Esperavam a Missa do Galo, o ponto alto da festa.
Para completar
a alegria, o carrossel era acompanhado de uma linda música.
Depois de
algum tempo passei a fazer parte daquela multidão que apenas observava o
carrossel. “Menina grande não andava no carrossel”. Hoje, abraçando Lucas e o
cavalinho, dava risadas e refletia.
Há sempre
aqueles que participam e aqueles que observam. Quantas vezes nos anulamos e
ficamos à margem, apenas vendo o carrossel girar, girar...
Não importa
a idade; enquanto estamos vivos, vamos participar de tudo que temos direito. Do
colorido que o carrossel da vida nos oferece, da música, do amor, da alegria,
da festa. Devemos sempre lutar por um lugar neste carrossel, e ao encontrá-lo, segurá-lo
com muita garra. Nunca ficar à margem a observar o carrossel girar.
O carrossel
da vida passa rápido e não para. O carrossel de brinquedo para de quando em
quando, e novas crianças vão participando de suas alegrias. O carrossel da vida
não para; quando isso acontece, realmente acabou, apagou, emudeceu.
Para nós que
acreditamos em outra vida, vamos pegar outro carrossel, no qual há sempre um lugar
para aquele que tem esperança. Esse carrossel passa pelos mesmos lugares do
carrossel da minha infância; há, porém, uma grande diferença: embora passando
pelos mesmos caminhos, estes são sempre renovados, as belezas são modificadas a
cada instante e esse imenso carrossel vai girando, girando, circulando o amor
ao som de uma música celeste.
MARÍLIA BENÍCIO DOS SANTOS
Itabuna (BA)
*10/10/1920 +24/05/2014
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