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segunda-feira, 25 de maio de 2020

A ROSA COM AGRURAS E ARISTON CALDAS – Cyro de Mattos


A Rosa com Agruras e Ariston Caldas  
Cyro de Mattos

         
             Nome completo, Ariston Ribeiro Caldas, nascido em 15 de dezembro de   1926, na fazenda Boa Sorte, no município de Alagoinhas. Aos oito anos veio com a família para Uruçuca, antiga Água Preta, terra do contista Jorge Medauar e do poeta Florisvaldo Mattos. Tempos depois mudou para Itabuna, onde passou grande parte de sua vida e teve suas melhores emoções.

            Ariston Caldas foi cronista, poeta e contista. Jornalista com passagem na imprensa de Salvador. Confessava que desejava escrever romances, mas não tinha fôlego para empreender a aventura de representar a vida em níveis mais amplos. Publicou A hora sem astros, Olhos d’água, Mar distante, Balada que vai e vem, A rosa daquela esquina e Dissipação. Sua  Obra Reunida (2014) tem o selo da editora Mondrongo, Em 2014, depois de um recolhimento de trinta e quatro anos, voltou a publicar literatura, dessa vez com Linhas intercaladas, volume de cinquenta contos, da  editora Via Litterarum,  com prefácio do compositor Fernando Caldas, sobrinho do poeta.
    
             Suas histórias alcançam interesse pelo que têm de gente comum vivendo no interior e do   cenário que não mais se encontra nos tempos atuais de globalização, da tecnologia e da imagem visual. Em nosso entendimento, o poeta está acima do contista, que não usou bem a estilização do discurso na arte de contar história, oscilando entre vícios e virtudes. Sua poética instintiva, de inquietação e sentimento do que imagina e vê, não recorre aos elementos formais com exagerada preocupação da técnica, nem é influenciada pelas vanguardas. Também não se esforça para ressaltar a sonoridade e o embelezamento do verso, dando a perceber o desinteresse pela mensagem lírica do conteúdo.   Não tende para a estética parnasiana, que muito pouco acrescentou à poesia em termos de mensagem como vínculo de gravidade de nossa condição humana, limitando-se mais à perfeição formal como o primeiro plano do poema.
 
                Certa vez confessou que ser poeta é abraçar a vida no plano integral dos sentimentos, que emergem da viagem perigosa do existir. Sabê-la, com os momentos fortes, como o amor, o ódio, a dor, a mágoa, o tédio, as desilusões, a saudade, a esperança, a tristeza e a fé, é o prisma pelo qual o poeta universal se direciona no seu discurso.  Acreditava que o poeta é portador de todas as sensações do mundo. Frisava: “Todos os enfermos repousam em sua alma, sente todas as ingratidões, ama ao extremo e sofre como ninguém jamais sofreu. Tem esperança imorredoura, o que não é simplesmente uma esperança, mas o pressentimento do significado absoluto da vida universal.”

           Nessa poesia desvinculada de estéticas definidas, que configuram a conduta de gerações, usou o verso livre e o tradicional com as unidades rítmicas apoiadas na métrica e na rima. Utilizou os dois padrões mencionados, conforme o momento para conversar com a vida na sua passagem fugaz, se esconder no caminho que não tem volta, no sentimento forte do amor, no trágico que não se desvenda e  é dissolvido   na indiferença.

          Escreveu neste sentido o poema “Convicção”, até hoje perfeito, criação feliz que aborda o instante extremo definido como enigma, que, inexplicável, apresenta-se com as vestes da vida e da morte.  Vejam o poema abaixo transcrito. 
         
  Convicção

A vida é assim mesmo, meu amigo:
A gente nasce e morre num instante,
Esta é a recompensa, este é o castigo,
Que nos espera pouco ou mais distante.

Nem nos vale o beijo quente da amante
Nem a bênção mesquinha do mendigo;
Até o santo amor, agonizante,
Terá seu fim no fundo do jazigo.

Nós somos tudo,  meu amigo, enquanto
Nos olhos vivos nos ocorre o pranto
Ou nos lábios um sorriso de alento.

Apenas o consolo que nos resta
É de  sabermos que depois da festa,
Mergulhamos de vez no esquecimento.

           Poeta de compulsões anímicas, que se nutria com o eu de confissões, conversas com o velho rio, a amada que ficou “no poema recriado pela colegial de olhos miúdos, numa tarde de sete de setembro”, mistura a agonia  com  estrelas e oceanos. Teve no estro como companhia a rosa com agruras, o sentido da vida  dirigido à intimidade   “com um sabor  amargo de partida”.

           Homem simples, voz mansa, o coração fraterno.  Quando rapaz, gostava de jogar futebol, atuando como goleiro em partidas aguerridas no saudoso Campo da Desportiva.
           
          Faleceu em 20 de fevereiro de 2007, em Salvador.

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Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).  Possui prêmios importantes. Publicado no exterior.

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