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sexta-feira, 9 de agosto de 2019

10 DE AGOSTO: DIA DE JORGE AMADO – a poeta e a fundação

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(Paris, 1992 – a poeta e a fundação)


            Da Bahia Rosane me envia o livro de poemas de Myriam Fraga, Os Deuses Lares, ilustrações de Calasans Neto. A dupla é imbatível, Calá nasceu para ilustrar a poesia de MYriam, os poemas e as monotipias são da mesma matéria, visceral.

            Leitor cativo de Myriam Fraga, tomo do livro e constado que seu canto atingiu a madureza, a densidade dramática, a sabedoria da palavra precisa e mágica. Que poeta, meu Deus! Que Deus a abençoe, o Deus da Fundação, o compadre Exu. Fuso e roca / roca e roca/ /tinjo e lavo /lavo com água e /mornos sais /o corpo /as feridos /na fímbria /no remoto  - vou parar senão transcrevo o livro todo, verso a verso.

           Nós o lemos juntos, Zélia e eu, não sei de prazer maior que o de ler poesia com a namorada, em conluio. Invadido de remorsos, acuso Zélia: a culpa é tua, foste tu a inventar a Fundação onde Myriam se encerra dia e noite no trabalho, na luta, na estafa, no planejamento, na realização, na busca mesquinha e heroica de dinheiro para poder levar avante a cultura , no afã de criar condições para a literatura e a arte na Bahia, para o estudo do romance brasileiro, pauta de afazeres pejada de problemas.

            Myriam teria escrito e publicado nesses anos pelo menos três  livros de poemas, sem falar no lazer abandonado, a casa de praia em Mar Grande, os fins de semana na fazenda, já não lhe sobra tempo para nada, vive amarrada às cadeias de mil dificuldades, carrega nas costas essa tal de Fundação, a tua Fundação. Zélia não se abala, diz estar certa que Myriam o faz com prazer, além de poeta é combatente, as dificuldades não a assustam, ao contrário, a seduzem. Quanto a poesia, que eu não me incomode, a poesia brota e resplandece, vive dentro de Myriam e nada a impedirá.

            Quando digo que Zélia é a responsável pela existência da fundação cultural estabelecida no Pelourinho, nascida da doação do de meu acervo literário leva meu nome, digo a verdade. Não fosse Zélia o acervo estaria a essa hora em universidade norte-americana.  

            Começara por me desfazer de minha biblioteca, nunca foi grande, mas eu já não tinha, fosse na Bahia, fosse no Rio, onde botar tantos livros. Passei a doá-los a bibliotecas públicas, muitos volumes foram para Lençóis Paulista onde funciona a Biblioteca Orígenes Lessa. A partir de certo momento, atendendo sugestão feita por Carlos Cunha, venho doando os livros a Biblioteca da Academia de Letras da Bahia. Guardo apenas uns poucos tomos, de minha preferência absoluta, mestres que me marcaram, amigos a quem quero, uns quantos álbuns, poucas centenas de volumes, bastam e sobram. Também o acervo se acumulava, onde guardar tanta papelada?

            Pesava eu propostas recebidas de universidades americanas, da Pensilvânia e de Boston, desejavam receber o acervo em doação, propunham-me zelar por ele, colocá-lo à disposição dos interessados em pesquisá-lo, criando para tanto, verbas e espaços. Eu testemunhara durante minha estada na Penn State University*, como tais universidades trabalham com eficiência e dedicação. Eu estava quase a decidir-me, Zélia se opôs com determinação a minha ideia de oferecer à organização estrangeira documentos, correspondência, livros, fotos, diplomas, a massa dos guardados: esse acervo só sairá do Brasil, da Bahia, se passarem por cima de meu cadáver, tem de ficar aqui, é o seu lugar. No decorrer de quase meio século de coabitação aprendi que não adianta discutir com Zélia, perco sempre, até agora não ganhei uma.

            O escritor José Sarney, na época Presidente da República, em cerimônia no Palácio do Planalto** instituiu a Fundação. Ao agradecer eu disse esperar que a casa não se transformasse num 
museu, fosse realmente centro de cultura para o estudo da literatura baiana e do romance brasileiro, trabalhasse em conjunto com os outros organismos culturais. Acrescentei que sendo na Casa apenas personagem, não me envolveria em sua administração nem no planejamento das tarefas. Por fim, referindo-me à doação por James Amado de escultura de Tati Moreno, coloquei a fundação sob a proteção, os cuidados de Exu, entregue ao seu desvelo.

           Sob a grande placa das três raças que se misturaram, os índios, os negros e os brancos, arte de Carybé, erguido diante da Casa, Exu preside o destino da Fundação, ali foi plantando o fundamento na noite de inauguração. Dos diversos axés e ilês vieram as mães e as filhas-de-santo para o canto e a dança em seu louvor. Antes o Presidente da República, acompanhado pelo Ministro da Cultura, Celso Furtado, pelo Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, pelo Governador do Estado, João Durval Carneiro, declara a Fundação inaugurada. Dom Timóteo aspergiu a água benta da Igreja Católica, o babalorixá Luiz da Muriçoca soltou a pomba branca do culto do candomblé, Casa do sincretismo e da miscigenação. No palco armado no largo desfilam à noite os músicos e intérpretes que, de uma ou de outra maneira, estão ligados a meu trabalho de escritor, foram comandados por Nilde Spencer, minha amiga, grande dama do teatro da Bahia. Mais de vinte mil pessoas lotavam o Pelourinho na noite da inauguração***. Ao lado de Waldir Pires, governador eleito, e de José Aparecido de Oliveira, governador de Brasília, assisti de uma janela ao começo da festa, não tive condições de ficar até o fim, o coração tem seus limites.

            Aqui nestas lembranças desejo apenas agradecer a todos e a cada um dos que concorreram para a existência e a atuação da Casa, são muitos. José Sarney que a instituiu, Antônio Carlos Magalhães, Celso Furtado, Waldir Pires, João Durval Carneiro, ministros e governadores, Lafayete Pondé Filho, presidente do Banco da Bahia, Renato Martins, da Odebrecht, Mario Gordilho, Germano Tabacov, reitor da UFBA****, que preside seu destino desde a instalação, os que compõem os Conselhos, os que nela trabalham: Rosane Rubim, Zilá Azevedo, Maria de Lurdes, cito apenas as que começaram com a Casa, ao poeta Claudios Portugal que inventou e dirige a revista Exu, órgão da Fundação. Quando me anunciou o projeto temi pelo futuro do organismo, a revista iria devorar-lhe o patrimônio, ser arauto da subliteratura, nunca cometi engano tamanho, a revista é uma beleza e não custa um centavo aos cofres magérrimos que Myriam administra.

            Diretor-executivo, Myriam Fraga moureja buscando solução para os problemas, não se queixa, não se abate por mais difícil pareça e seja a manutenção da Casa, a execução dos projetos. Myriam dirige a Fundação em poesia, em fuso e roca, no embruxedo, na fantasia, dona e comparsa, no esconjuro e na esperança, um ato de amor que ela repete a cada dia, a poeta Myriam Fraga.

            Agradeço também a Zélia: só passando sobre meu cadáver! Não fosse ela, a Casa não teria nascido, a papelada estaria nos States.


*em 1971
**Brasília, 1986
***maio de 1987
****Universidade Federal da Bahia


(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)

Jorge Amado

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(Rio, 1947 – semelhança)

            Médicos e doentes se atropelavam para ver passar Maria, a della Costa, esplendor de beleza: atravessa os corredores da maternidade, vem de visita a Zélia que na véspera dera à luz um menino, João Jorge.
            Enfermeiras vão buscar o infante no berçário e o trazem para o banho na presença da mãe feliz. Desnudam-no das fraldas, mergulham-no na água tépida. A atriz examina o corpo do recém-nascido, aponta:
            - Olha a piquinha dele... Igualzinha à do pai.

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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.



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