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segunda-feira, 20 de maio de 2019

A VIAGEM A CURITIBA – Francisco Benício dos Santos


       
    Estamos em março de 1918. Parto em companhia de José Cardoso, Aprígio Melo, Virgílio Amorim e vários conterrâneos e embarcamos no Íris, do Loyd Brasileiro, que fazia a linha Ilhéus-Rio.

             O navio superlotado, fomos sem acomodações, e enjoei tanto que interrompi a viagem em Vitória, prosseguindo, por terra, pela “Leopoldina”, para o Rio.

            De Vitória, depois de visitar o que a cidade tinha de interessante e importante, fui a Vila Velha, onde, numa serra altíssima, edificaram um mosteiro. Lá, após difícil ascensão, deixei, num livro de impressões para os visitantes, as minhas. Belo local para ser instalado um aparelho de telegrafia sem fio (a esse tempo não existiam ainda os rádios), a bem e em benefício da indústria e do comércio, e das comunicações entre os homens e as cidades. Só assim é que se ora e que se rende graças a Deus.

            Fazia profecia inconsciente do que havia de ser no futuro o rádio.

            De volta, de Vitória viajei para Cachoeiro do Itapemirim e dali para Campos, no estado do Rio de Janeiro e por último, a Niterói, de onde, em barcas da “Cantareira”, atravessei a Guanabara para o Rio, hospedando-me  no Rio Pálace Hotel, e, depois de curta demora, viajei para Belo Horizonte, passando três dias  em Juiz de Fora e, de passagem, por Palmira.

            Belo Horizonte apesar de bem traçada e de ruas e praças amplas e belamente arborizadas, era de pequena população e pequeno comércio. Era seu governador o Arthur Bernardes.

            De Belo Horizonte voltei à Barra do Piraí e daí a São Paulo, passando por Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Jacareí.

           Hospedei-me no Hotel Oeste, donde foram convidar-me para um jantar, os representantes dos senhores Vieira Cunha e Companhia. As casas paulistas me cumularam de atenções.

            Depois dos inevitáveis passeios pela capital, a visitar o que havia de mais interessante, viajo para Campinas pela estrada de ferro paulista e volto de automóvel, e daí a Santos, pela estrada inglesa, cujo porto movimentado apreciei.

            Nessa cidade hospedei-me no Hotel Bandeirantes, na praia de José Menino. Ali assisti ao primeiro voo de aeroplano. O aparelho fazia o percurso Santos-São Paulo, em viagem esportiva e de recreio.

            Em Santos é altamente festejada a entrada da Itália na guerra, ao lado dos aliados – após a traição dos alemães – e só se falava desse acontecimento, mais parecia uma cidade-colônia da Itália do que uma cidade brasileira.

            No hall do hotel havia extensa ordem de cadeiras de barbeiros, onde esses escanhoavam as caras da freguesia, inclusive a minha. Em dado momento, um dos que se barbeavam levanta-se e diz:

            - Hoje é o nosso grande dia, vamos festejá-lo, viva a Itália!...

            Surpreendido pela correção do vernáculo, sem entonação peculiar aos italianos, perguntei-lhe:

            - O senhor fala bem o português, é italiano?

            - Nasci aqui, porém sou italiano.

            E ainda hoje o Brasil suporta tais, e quem sabe quando essa gente se valoriza? Deus!

            Deus que proteja e ampara o nosso país, e dia há de chegar em que o estrangeiro que aqui vive, à sua sombra, tenha prazer em dizer-se brasileiro.

            Todos os países do mundo têm ou tiveram a sua época de liderança, a nossa chegará também. Deus assim determinou e assim sucederá, quando então os ingratos serão confundidos.

            De Santos volto para São Paulo, desistindo do resto do passeio, não podendo ir a Curitiba devido ao frio reinante, dois graus abaixo de zero. Era insuportável. Em São Paulo eu já não vivia, andava enluvado, de sobretudo e roupas de lã, para proteger-me do frio.


(MEMÓRIAS DE CHICO BENÍCIO)
Francisco Benício dos Santos

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