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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

POEMA DOS DONS – Jorge Luiz Borges


Graças quero dar...
Pelo esquecimento, que anula e modifica o passado!

Graças quero dar... Ao divino labirinto de efeitos e causas pela diversidade das criaturas que formam este singular universo! Pela razão, que não deixará de sonhar com um plano para o labirinto!

Graças quero dar... Pelo amor, que nos deixa ver os outros como os vê a divindade! Pelo firme diamante e água solta! Pela álgebra, palácio de precisos e preciosos cristais! Pelo fulgor do fogo, que nenhum ser humano pode olhar sem assombro antigo! Pelo mogno, o cedro, o sândalo! Pelo pão e o sal!

Graças quero dar... Pelo mistério da rosa que prodigaliza cor e não a vê! Pela arte da amizade! Pelas palavras que foram ditas no crepúsculo de uma cruz a outra cruz! Pelos rios secretos e imemoriais que convergem em mim! Pelo mar, que é um deserto resplandecente e uma cifra de coisas que não sabemos!

Graças quero dar... Pelo ouro que reluz nos versos! Pelo inverno épico! Pelos prismas de cristal e o peso de bronze! Pelo geométrico e bizarro xadrez! Pelo odor medicinal do eucalipto!

Graças quero dar... Pela linguagem, que pode simular a sabedoria! Pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado! Pelo hábito, que nos repete e nos confirma como um espelho! Pela manhã, que nos proporciona a ilusão de um começo! Pela noite, sua treva e sua astronomia! Pelo valor e a felicidade dos outros! Pela pátria, sentida nos jasmins ou numa velha espada!

Graças quero dar... Pelo fato de que o poema é inesgotável e se confunde com a soma das criaturas e jamais chegará ao último verso e varia segundo os homens! Pelos minutos que precedem o sono! Pelo sono e pela morte, esses dois tesouros ocultos! Pela música, misteriosa forma do tempo! Pelos íntimos e inúmeros dons que não enumero!


"Gotas de Crystal" ppscrystal@yahoo.com..br

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