Uma afirmação do presidente eleito Jair Bolsonaro no
discurso na cerimonia de diplomação chama a atenção pelo que revela da
estratégia que o novo governo pretende usar na negociação com o Congresso. “O
poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias
permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes”.
Por trás das palavras a favor da soberania popular e da
disposição de ser o presidente de todos, Bolsonaro manda um recado claro de que
pretende usar as redes sociais para governar, assim como fez sua campanha
eleitoral com baixo custo e ligação direta com os eleitores.
A cerimônia de diplomação, alias, foi cheia de recados
indiretos. Como quando a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
ministra Rosa Weber, discorreu sobre a necessidade de proteção às minorias, que
o candidato Bolsonaro disse que deveriam se submeter às maiorias.
O presidente eleito Bolsonaro, pelo contrário, deixou
explícito que governará para todos, mas insinuou que continuará a ter uma
relação direta com os cidadãos, o que pode levar à tentativa de adotar a
democracia direta, com referendos e plebiscitos, se as negociações com o
Congresso não forem no caminho que considera o melhor.
O sociólogo Manuel Castells, considerado um dos maiores
especialistas nos efeitos das novas mídias na sociedade, avalia, em seu mais
recente livro “Ruptura”, que existe uma crise profunda da relação entre
governantes e governados, demonstrada pelo descontentamento generalizado com as
instituições políticas.
A falta de representatividade dos partidos políticos, e não
apenas no Brasil, anunciaria o colapso gradual da democracia liberal, que seria
substituída pelo que chama de "democracia real", a que surge a partir
dos movimentos nascidos nas redes sociais.
Muito tempo antes das consequências desse desprestigio das classes politicas desaguarem na eleição de Trump nos Estados Unidos, no movimento pelo Brexit na Inglaterra e na eleição de Bolsonaro no Brasil, Manuel Castells já previa em entrevistas e em livros que a descrença na democracia representativa poderia levar a que os cidadãos mandassem todos os políticos embora, mas ele acreditava que o sistema bloqueava as saídas.
Muito tempo antes das consequências desse desprestigio das classes politicas desaguarem na eleição de Trump nos Estados Unidos, no movimento pelo Brexit na Inglaterra e na eleição de Bolsonaro no Brasil, Manuel Castells já previa em entrevistas e em livros que a descrença na democracia representativa poderia levar a que os cidadãos mandassem todos os políticos embora, mas ele acreditava que o sistema bloqueava as saídas.
Em parte tinha razão, pois, pelo menos no Brasil, alguns
representantes da chamada “velha política” sobreviveram às eleições, como o
senador Renan Calheiros, que insiste em ser novamente presidente do Senado. Se
for derrotado nessa pretensão pelos novos senadores eleitos, e pela nova
configuração política que chegou ao Congresso junto com a vitória de Bolsonaro,
confirmará que os efeitos dessa ruptura são mais amplos.
Sua admiração pelos novos meios de comunicação, no entanto,
não faz dele um defensor radical da sua eficácia autônoma. Em livros anteriores
ele advertiu que “não basta um manifesto no Facebook para mobilizar milhares de
pessoas”. A mobilização dependeria do nível de descontentamento popular e da
capacidade de mobilização de imagens e palavras.
“A internet é uma condição necessária, mas não
suficiente para que existam movimentos sociais”. Mas a frase do presidente eleito
sobre os cidadãos não precisarem mais de intermediação, referindo-se claramente
aos partidos políticos, mas também aos meios tradicionais de comunicação, se
baseia em Castells, que considera que agora o cidadão tem “os meios
tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do
sistema de comunicação de massa”.
Essa ação através das mídias sociais tenta preencher o que
Castells define de “vazio de representação”, criado pela banalização da
atividade político-partidária, que caiu no descrédito da nova geração de
usuários da internet. Manoel Castells sempre achou que um político ligado aos
partidos convencionais dificilmente conseguiria superar essa rejeição, e a
vitória de Bolsonaro parece confirmar essa teoria, embora o radar de Castells
estivesse enviezado à esquerda, fazendo com que, a certa altura do processo,
identificasse a presidente da Rede, Marina Silva, como quem teria condições
para isso.
O Globo, 12/12/2018
Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31da ABL,
eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de
fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico
Eduardo Portella.
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