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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

O JULGAMENTO - Merval Pereira


A
o ler que Cristiano Zanin, o advogado do ex-presidente Lula, está cobrando do Supremo Tribunal Federal (STF) uma decisão “o mais breve possível” sobre o habeas-corpus que pede a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nos julgamentos que condenaram Lula, sendo notório que a Segunda Turma está desfalcada do ministro Celso de Mello por questões de saúde, fiquei com a sensação de que o advogado está querendo aproveitar-se da circunstância para conseguir a anulação das condenações.

É sabido que dois ministros da Segunda Turma, Edson Fachin e Carmem Lucia, já votaram a favor de Moro, restando agora apenas mais dois votos, os de Gilmar Mendes e Lewandowski, que já deram indicações do que pensam ao anular um julgamento de anos atrás no processo do Banestado, considerando Moro parcial.

O frequente empate na Segunda Turma tem favorecido os réus, como manda a jurisprudência, e Zanin está disposto a aproveitar essa brecha para, enfim, conseguir anular as condenações de Lula, o que o tornaria novamente ficha-limpa, permitindo que se candidate à presidência em 2022.    

Lembrei-me, então, de uma palestra que o escritor Deonísio da Silva fez num ciclo sobre Guimarães Rosa da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2018, sob o título “O julgamento de Zé Bebelo e a Lava-Jato”, sobre o romance “Grande Sertão, Veredas”. Deonísio Silva compara Lula a Zé Bebelo e Moro a Joca Ramiro:  

“Zé Bebelo está quase derrotado, comanda nove homens e quando seu bando conta com apenas três, Riobaldo, para salvar a vida do ex-chefe e ex-aluno, grita “Joca Ramiro quer este homem vivo”.

Sem saída, Zé Bebelo descarrega a arma no chão antes de ser preso e, quando os inimigos tiram-lhe o punhal, ele diz: “Ou me matam logo, aqui, ou então eu exijo julgamento correto legal”.

Diante de Joca Ramiro imponente, montado em cavalo branco, Zé Bebelo a pé, rasgado e sujo, requer: “Dê respeito, sou seu igual”. Ouve de Joca Ramiro: “se acalme, o senhor está preso”.

É quando toda a jagunçada vai para a Fazenda Sempre-Verde. Zé Bebelo, de mãos amarradas, é conduzido em cima de um cavalo preto, na rabeira da tropa. Relata Deonísio Silva:

“Réu em inusitado julgamento no pátio da Fazenda Sempre-Verde, o jagunço letrado Zé Bebelo, salvo por Riobaldo, seu ex-professor, conduz o próprio julgamento. No insólito tribunal, os juízes são outros cangaceiros, liderados pelo grande chefe Joca Ramiro, todos sob o olhar misterioso de um jagunço que é jagunça: Reinaldo/ Diadorim.

A Lava a Jato pode inspirar outra leitura deste curioso episódio de Grande Sertão: Veredas, em que o sertão é assim definido: “Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!” E mais: “onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.”

“O Brasil também já foi assim. E agora chegamos à encruzilhada onde tribunais superiores estão decidindo se continuará assim ou se mudará. Fazendo as vezes de um Sérgio Moro do sertão, o jagunço Joca Ramiro, conhecido por sua lealdade e senso de justiça por todos os cangaceiros, tem diante de si um réu audacioso, solerte e a seu modo leal e sagaz.

“Zé Bebelo é um réu que dirige o julgamento, fixa limites de suas penas e traça as condições para cumpri-la: receber montaria, escolta, água e comida na viagem para Goiás, onde promete fixar-se, deixando de combater os ex-companheiros de luta, como vinha fazendo até ali. Mas se consegue obrar todos estes feitos é porque Joca Ramiro é um juiz ainda mais sagaz do que o réu.” E sobrevém o desfecho: Zé Bebelo é libertado sob condições que o próprio réu impõe.”

Julgar o habeas-corpus de Lula sem a Segunda Turma completa, como pretende o advogado Cristiano Zanin, seria uma afronta. O mais provável é que o ministro Gilmar Mendes espere a volta dos trabalhos presenciais, no próximo ano, quando o STF já terá o novo componente da Corte.  A composição final das Turmas pode sofrer alterações, pois o novo ministro, que deveria assumir o lugar de Celso de Mello, pode ser deslocado para a Primeira Turma para não ter que enfrentar um julgamento tão difícil.

O atual presidente do STF, ministro Dias Toffoli, deve ir para a Primeira Turma no lugar de Luis Fux, que assume a presidência em setembro. Haverá uma disputa interna para saber quem será o quinto membro da Segunda Turma.

O Globo, 30/08/2020

 

https://www.academia.org.br/artigos/o-julgamento


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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

SEM ESQUECER - Merval Pereira


A operação Mapa da Mina, nome cuja explicação ainda está para ser dada, e representa a própria essência da nova fase da Lava Jato, é um recado para quem acha que já está livre das investigações. Há dois anos e dez meses a Operação Aletheia, que levou o ex-presidente Lula a depor coercitivamente à Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, foi iniciada, mas só agora chega a seu fim.

Foram documentos apreendidos naquela ocasião que levaram a essa operação de ontem, e o nome dela é o título da apresentação financeira interna do grupo que foi investigado pela Aletheia. Ainda não se sabe o que significa, mas que o nome é sugestivo, isso é.

Entre os investigados estão os filhos de Lula, Fabio Luis, que o ex-presidente dizia ser “o Ronaldinho dos negócios”, Marcos Claudio, Sandro Luis e Luis Claudio. A “coincidência” de que estavam envolvidos em negócios milionários com Jonas Suassuna e a família Bittar, proprietários no papel do sítio de Atibaia, reforça a suspeita de que o ex-presidente era, na verdade, o proprietário oculto do sítio, que seria um pagamento pelos favores feitos a seus negócios.

Os dois entraram em negócios que tinham o apoio financeiro da empresa de telefonia celular Oi, tudo indica, segundo o Ministerio Público e a Polícia Federal, como recompensa a favores do governo. Há de tudo nesse processo, até a evidência de que o aparelhamento das estatais e das agências reguladoras propiciou a nomeação de diretores da Anatel para favorecer os interesses da Oi, inclusive na fusão com a Brasil Telecom que necessitou de uma mudança legal para ser concretizada.

Outra coincidência é que a juíza Gabriela Hardt, que ficou algum tempo como interina de Sergio Moro em Curitiba, recusou ontem a prisão preventiva de Lulinha, pedida pela Policia Federal. A juíza, que condenou Lula no caso do sitio de Atibaia, é constantemente citada pelos petistas como perseguidora de Lula.

No caso em que Lula foi condenado pela juíza, o interessante é que a acusação contra Lula é de ter se aproveitado de obras de infraestrutura das construtoras OAS e Odebrecht no sítio que usava como sendo seu. Não houve acusação formal de que o sítio fosse de Lula, porque ainda não havia provas suficientes.

Desta vez, a acusação é justamente essa, unindo os pontos do caso, que parecia à maioria mais evidente do que o do triplex. Agora, parece que a investigação encontrou o mapa da mina, que leva a milhões de reais recebidos de diversas maneiras pelos parentes do presidente.

Houve até um email pedindo ao pessoal da empresa de Jonas Suassuna para limpar das mensagens todas as referencias ao governo. Ele ganhou também muitos negócios para sua empresa de produtos digitais, como a Nuvem de Livros, financiada por dinheiro governamental e que não apresentou resultados que justificassem esse aporte, segundo a acusação.

Várias outras empresas envolvidas há muito na Lava Jato aparecem também nessa investigação, confirmando que, conceitualmente, o trabalho de Curitiba ainda tem muito a revelar. Os bancos de dados das diversas operações levam a novas investigações, como já acontecera outras vezes.

Acusações que aparentemente foram descartadas voltam à tona com o prosseguimento das investigações. Foi também uma demonstração de que o Procurador-Geral da República Augusto Aras fez bem em voltar atrás na ideia de reduzir o aparato mobilizado para a Operação Lava Jato.

Ainda há muito a fazer, como garantem os procuradores de Curitiba. A montagem do quebra-cabeças, como classificou o procurador Pozzobon, requer muita persistência, e por isso também os processos não devem ser distribuídos por diversos estados, como volta e meia tentam os advogados de defesa.

A tese de que é preciso centralizar as investigações para ter melhores resultados vai se confirmando à medida que as investigações prosseguem. Novos desdobramentos, como os de ontem, mostram à sociedade que a busca dos culpados nas diversas fases da operação Lava Jato não cessa. 

O Globo, 11/12/2019


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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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sexta-feira, 25 de outubro de 2019

MUDANÇA DE VENTOS - Merval Pereira


Embora o que não esteja nos autos do processo não exista tecnicamente, advogados, juízes e promotores são influenciados pelo que veem, pelo que leem, pelo que conversam com amigos ou mesmo na família.

A faísca que desencadeou um processo de reversão de expectativas no mundo jurídico e político contra a Operação Lava Jato foi provocada pelas conversas roubadas do celular do procurador-chefe da Lava Jato Deltan Dallagnol publicadas pelo site The Intercept Brasil.

As mensagens entre Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro não revelam nenhuma ilegalidade, mas a proximidade entre partes do processo, que comum no cotidiano da Justiça, dá margem aos que já tinham a tendência de criticar os procuradores de Curitiba, por razões de poder ou política, pretexto para darem a suas críticas ares de verdade.

Vimos na semana passada três ministros do Supremo em contato fora da agenda com o presidente Bolsonaro, às vésperas do julgamento mais importante do ano, sobre o fim da prisão em segunda instância. Dois deles, ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, tomaram decisões recentes que beneficiaram diretamente o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente, reduzindo a possibilidade de investigações criminais financeiras.

Como já ressaltei aqui na coluna, há anos, desde o julgamento do mensalão, advogados de defesa dos acusados de corrupção tentam manobras jurídicas para beneficiar seus clientes. O então ex-ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos, foi o coordenador das manobras que pretendiam levar para a primeira instância da Justiça os réus do mensalão que não tinham foro privilegiado. O relator Joaquim Barbosa defendeu a tese de que os crimes eram conectados, e foi vitorioso, driblando uma tradição da Justiça brasileira de desmembrar os processos.

Nos julgamentos do petrolão, diversas táticas foram tentadas pelos advogados de defesa, mas nos primeiros anos, com o apoio popular da Lava-Jato no auge, não houve ambiente para que teses diversas fossem aceitas. Só recentemente, a partir das revelações do Intercept, o vento mudou, passaram a ser aceitas teses que abrandaram a situação dos réus.

As diversas instâncias que existem de recursos, mesmo em países de arraigada tradição garantista dos direitos individuais, não impedem o cumprimento da pena, às vezes até mesmo na primeira instância.

O jurista e cientista político Christian Edward Cyrill Lynch, editor da revista “Inteligência”, lembra que o se discute agora é se a Constituição, quando fala que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”, está ou não querendo dizer “ninguém cumprirá pena de prisão decretada na sentença de primeira instância até o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

A provável mudança de maioria do plenário do Supremo, a favor da prisão apenas ao final do processo, tem a ver com esse novo ambiente político que está sendo revertido por um esquema profissional que envolve grandes escritórios de advocacia, políticos poderosos, empresários já atingidos pela Lava Jato ou que temem vir a ser, num trabalho de desmonte do novo espírito de aplicação do Direito que veio sendo aprofundado desde o julgamento do mensalão até agora no petrolão.

Os últimos cinco anos foram intensos na implantação de uma nova visão da aplicação da Justiça que pretende dar consequência prática aos processos envolvendo criminosos do colarinho branco, que voltarão a ser protegidos se prevalecer o estado de coisas anterior ao mensalão.

Também os políticos aprenderam a se defender, através de legislações como a lei de abuso de autoridade, e a retórica de que os promotores e Moro estão “criminalizando a política”. Trata-se, ao contrário, de denunciar e punir a utilização da política para praticar crimes.

É provável que haja um retrocesso, mas o resultado das pesquisas mostra que a opinião pública continua com sede de Justiça. O ministro Sérgio Moro continua o mais popular ministro do governo Bolsonaro e vence todos os adversários num hipotético segundo turno para a presidência da República.

1 - Ao enumerar as diversas instâncias recursais do Antigo Regime na coluna de sexta-feira, inclui o Supremo Tribunal de Justiça como uma quarta instância. Na verdade, o STJ foi criado em 1828 para substituir a Casa de Suplicação. A quarta instância era o desembargo do Paço.

2 – Saio por uns dias e volto a escrever no dia 5.

O Globo, 20/10/2019


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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

NULIDADE RELATIVA - Merval Pereira


Mesmo sem entrar no mérito da decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) vier a tomar, na conclusão do julgamento sobre qual o alcance da nova regra que exige que o réu delator fale antes dos demais réus nas alegações finais dos julgamentos, houve na sessão de ontem momentos que são definidores da posição de vários ministros, não sem frequência discordantes entre si, mas ontem com algumas concordâncias heterodoxas.

O ministro Marco Aurélio Mello tirou o presidente Dias Toffoli do sério ao classificar a decisão de “jeitinho brasileiro”, pois não existe nada que indique na legislação em vigor que réus são diferentes entre si.

Para Marco Aurélio, que se orgulha de estar quase sempre na contramão de seus pares, o STF está legislando sobre um tema que não lhe compete, que deveria ficar a cargo do Legislativo. Ele também foi contra que o plenário definisse uma orientação a ser seguida pelo sistema judiciário como um todo.

Disse que uma decisão generalista deixará de lado aspectos específicos de cada caso, impedindo milhares de réus que se considerem prejudicados em seus julgamentos de recorrer. Isso porque a decisão do plenário de anular a condenação de um ex-gerente da Petrobras por ter sido ouvido ao mesmo tempo que seus delatores, deve ser estendida apenas aos que reivindicaram, e não foram atendidos, desde a primeira instância, essa prerrogativa de ser ouvido depois do delator.

Marco Aurélio alegou, concordando com o ministro Alexandre de Moraes, que haverá um tratamento desigual para casos semelhantes. O ministro Ricardo Lewandowski lembrou que réus que não tiveram condições de pagar um bom advogado podem ter perdido a chance de exigir essa prerrogativa que agora o STF tornou obrigatória.

Lewandowski e Moraes consideram que a nulidade é absoluta, enquanto Marco Aurelio não vê nulidade alguma. A maioria parece considerar que ela é relativa, e o que se discute é como demarcar a validade da decisão nos julgamentos já realizados.

A exigência de provar o prejuízo causado pelo não cumprimento dessa determinação é o ponto mais polêmico, porém importante, da proposta de Toffoli

Marco Aurélio disse que a decisão seria favorável aos tubarões, e que dificultaria o combate à corrupção. Mexeu com dois de seus pares, o próprio Toffoli, que em sua fala respondeu indiretamente, lembrando que a decisão vai alcançar todos os réus, não apenas os da Lava Jato, e ajudará também os mais pobres, e o ministro Gilmar Mendes, seu velho desafeto, que lembrou que sempre esteve a favor do combate ao crime, mas sem a utilização de outros crimes. Citou decisões que tomou para dizer que “aqui ninguém pode me dar lição de moral”.

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, acabou apoiado pela maioria do plenário na sua proposta de definir uma tese para ser seguida pelo Judiciário em todos os níveis. Em nome da segurança jurídica e do interesse social, viu sua tese ser apoiada pelo ministro Luis Roberto Barroso, que deu os argumentos técnicos para confrontar a tese de Lewandowski, que exigia um quorum de 8 votos para aprovar o que chamou de “modulação” proposta por Toffoli.

Desde a semana passada o ministro Gilmar Mendes repetia que o STF não faria uma modulação, que trata de inconstitucionalidades, mas definiria os termos da decisão. Tratava de evitar a armadilha do quorum qualificado, no que foi apoiado pela maioria.

O ministro Gilmar Mendes aproveitou a ocasião para tratar do assunto a que mais se dedica, falar mal dos procuradores de Curitiba e do ministro Sergio Moro, a quem acusou de transformar a prisão preventiva em “instrumento de tortura” para obter confissões dos presos: “Quem defende a tortura não pode fazer parte desta Corte”, asseverou, referindo-se à possibilidade de Moro vir a ser indicado por Bolsonaro para uma vaga no STF.

Tanto ele quanto o presidente Dias Toffoli usaram e abusaram de pausas dramáticas nas suas falas, Toffoli rebatendo as criticas de Marco Aurélio, sem citá-lo, mas olhando-o fixamente. Gilmar, para citar trechos do The Intercept que revelaram, segundo sua indignação, atitudes dos procuradores da Lava Jato contra ministros e o próprio Supremo Tribunal Federal.

Gilmar deu mais atenção às acusações reveladas pelas conversas roubadas dos celulares dos procuradores do que ao caso em si, que tratou como mais um desdobramento dos abusos de poder cometidos pela “República de Curitiba”. No auge de sua indignação, insinuou um “fetiche sexual” entre procuradores e juízes da Lava Jato.

O Globo, 03/10/2019


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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

CRIATIVIDADE DA SEGUNDONA - Merval Pereira


A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal exerceu o direito de errar por último, como Rui Barbosa definiu ser prerrogativa do STF. Mas o Supremo é composto por 11 ministros, onze ilhas, na definição de Sepulveda Pertence, “Os Onze” retratados com maestria pelo livro desse nome dos jornalistas Felipe Recondo e Luis Weber.

Portanto, os três votos que inovaram a interpretação da lei para anular o primeiro julgamento da Lava-Jato, usando uma criatividade que até o momento era atribuída apenas ao “direito de Curitiba”, na expressão jocosa do ministro Gilmar Mendes, não representam a opinião do pleno, e em algum momento o caso deverá ser enfrentado pelo conjunto do Supremo.

Ou então a própria Segunda Turma, diante da má repercussão da medida na opinião pública, pode explicitar no acórdão que os efeitos da decisão só se produzem nos processos posteriores, não tendo efeito retroativo para os casos em que a defesa não alegou cerceamento em recurso ainda na primeira instância.

Essa interpretação de que os réus delatores são parte da acusação, e por isso o réu delatado deve ter o direito de se defender por último, deve servir para basear pedidos de anulação de uma série de processos, pois nunca os juízes separaram delatores e delatados, sempre considerados réus igualmente.

A anulação com base nessa nova interpretação da Segunda Turma, porém, só seria possível em situações como a de Bendine, em que a defesa dos réus pediu que falassem depois dos delatores. Os que assim fizeram, antes da primeira condenação, tiveram seus recursos negados pelo juiz de primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ, e agora podem ser beneficiados.

Como salientei ontem, o advogado Cristiano Zanin não fez esse recurso no julgamento de primeira instância nos dois julgamentos em que Lula foi condenado, o do triplex, e o do sítio de Atibaia, mas tenta se aproveitar da nova interpretação no julgamento em curso do processo sobre o terreno do Instituto Lula dado pela Odebrecht.

A decisão do juiz Luiz Antonio Bonat ainda não foi divulgada mas, como de praxe, ele deu aos réus o mesmo prazo, fossem delatores ou não. Como o julgamento não terminou na primeira instância, basta que o juiz que substituiu Moro siga a nova instrução do Supremo, refazendo essa parte do processo, concedendo à defesa de Lula o direito de ser a última a falar.

A única possibilidade de que a decisão da Segunda Turma atinja a todos os condenados seria mais uma interpretação criativa.

Devido à controvérsia que a decisão causou, era provável que o recurso da Procuradoria-Geral da República fosse encaminhado pelo relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, para decisão do plenário do Supremo. Foi o que ele fez, ontem à noite, usando outro processo.

Será a única maneira de esclarecer se essa criatividade jurídica conta com o respaldo da maioria do STF. Se a Segunda Turma recebesse o recurso, dificilmente o resultado seria diferente. Pode até ser que a ministra Carmem Lucia, que surpreendeu a todos votando junto com Gilmar Mendes e Lewandowski, defendesse  a tese de que a decisão se restringe ao caso de Bendini. Os dois outros teriam interpretação diferente, provavelmente, e o resultado seria um empate de 2 a 2, que beneficiaria o réu.

O ministro Celso de Mello está internado, e provavelmente não retornará ao trabalho tão cedo. A defesa de Lula poderia se aproveitar dessa baixa na Segunda Turma para apresentar o recurso, alargando sua interpretação. Esta é a primeira grande derrota da Operação Lava-Jato no Supremo, pois resultou na anulação de uma condenação.

As outras derrotas, como o fim da condução coercitiva, ou a contenção da prisão preventiva, foram superadas na prática do dia a dia. Agora, depois da divulgação de diálogos entre Sergio Moro e Dallagnol, e entre os procuradores de Curitiba entre si, foram revelados detalhes pessoais dos investigadores que reforçaram uma rejeição que já havia latente em muitos dos ministros do Supremo, e expressada por outros, sendo o mais contundente o ministro Gilmar Mendes.

Mesmo que as conversas não revelem nenhuma irregularidade jurídica nas decisões tomadas, mostram uma faceta nada edificante das investigações. São questões morais que não deveriam interferir no julgamento, mas interferem.    Muitos atribuem a esse incômodo o voto da ministra Cármem Lúcia.

O Globo, 29/08/2019


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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

NOVAS NUVENS - Merval Pereira


O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deu início à reformulação partidária que deve acontecer no final do ano, com os partidos preparando-se para a eleição municipal de 2020, quando pela primeira vez serão proibidas as coligações proporcionais para vereador. 

Ao explicitar que DEM e PSDB devem se unir já para as eleições municipais do ano que vem, ou no máximo, para enfrentar as eleições gerais de 2022, Maia tornou realidade um movimento político que vem sendo costurado desde que o centro foi esmagado em 2018 pela polarização entre extremos que levou Bolsonaro ao poder.

 Haverá um enxugamento do número de partidos políticos, também devido às cláusulas de barreira, ou de desempenho, como preferia o ex-vice-presidente da República Marco Maciel. Exatamente 14 dos 35 partidos existentes já não cumpriram a cláusula de desempenho exigida pela nova legislação, na eleição de 2018.

Patriota, PHS, PC do B, PRP, Rede, PRTB, PMN, PTC, PPL, DC, PMB, PCB, PSTU e PCO continuam atuando no Congresso, mas com perspectivas reduzidas nas próximas eleições. Perderam o acesso ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e televisão, e as exigências de desempenho aumentam a cada eleição, até 2030.

Nas próximas eleições proporcionais, em 2022, só terão acesso ao fundo e ao tempo de TV os partidos que receberem 2% dos votos válidos obtidos nacionalmente para deputado federal em 1/3 das unidades da federação, sendo um mínimo de 1% em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos 11 deputados federais distribuídos em 9 unidades.
  
Já a chamada "janela" partidária continua em vigor, o que permitirá que os candidatos mudem de partido seis meses antes das eleições. Dos dois grandes blocos partidários hoje atuando na Câmara, um teoricamente formado pela base governista, outro da oposição, sairão as prováveis fusões, que já começam a ser negociadas nos bastidores.

PSDB e DEM se unindo pretendem criar alternativas de centro-direita para se contrapor ao radicalismo dos dois partidos que disputaram o segundo turno da eleição de 2018. Há conversas entre o DEM, o PSDB de João Dória, o PSD de Kassab, e outros para a criação de um partido que, pelas contas iniciais, poderia ter mais de 80 deputados.

A dissidência do PSDB, que não aceita a liderança do governador de São Paulo João Dória, poderia comandar um novo partido de centro-esquerda. Mas não parece ter ânimo para se fundir com Rede, Partido Verde e Cidadania, que provavelmente se unirão.

O comando de Dória entre os tucanos está sendo contestado, com a maioria do diretório nacional discordando da tentativa de expulsão do deputado Aécio Neves.

É previsível que o PSL aumente sua bancada, fortalecendo o bloco da extrema direita. PT e o bloco formado por PDT, Solidariedade, Podemos, PCdoB, PROS, Avante, PV e DC podem se unir parcialmente, embora o PDT pretenda ser o líder da oposição em substituição ao PT. O PSOL pode vir a ocupar esse lugar, tendo uma atuação independente do PT.

 Essas movimentações partidárias já trazem embutidas as eleições presidenciais de 2022. As esquerdas têm no momento dois potenciais candidatos: o do PT e Ciro Gomes. A extrema direita tem Bolsonaro e a caneta BIC presidencial. Resta à centro-direita encontrar um candidato que seja mais competitivo do que foi Alckmin em 2018.

Dória claramente já se colocou na linha de partida, e Rodrigo Maia pode ser seu vice. Ou Sérgio Moro, candidato potencial à presidência, ou reforço à chapa como vice. A característica das candidaturas é que muda de acordo com as nuvens políticas.

De possível candidato de Bolsonaro à presidência, ou um vice mais forte que o General Mourão, Moro pode vir a ser candidato de oposição. O governador paulista João Dória já lhe ofereceu abrigo em seu secretariado caso sua situação fique insustentável no governo Bolsonaro. 
    
O Globo, 22/08/2019


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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.


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sexta-feira, 12 de julho de 2019

AVANÇA A REFORMA DO ESTADO - Merval Pereira


A relevância da Câmara, como parte de um dos poderes da República, foi o destaque da sessão de ontem, quando a reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno por uma votação surpreendente pelo número de votos bem acima do necessário.

Ao final, o presidente Rodrigo Maia já puxou para a Câmara duas novas reformas: a tributária e a reorganização do serviço público, mantendo o protagonismo na reforma do Estado brasileiro

Há muito tempo não se viam deputados federais tendo o entendimento de que participavam de um momento histórico, sem receio de assumir suas posições.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, foi feliz ao definir as relações equilibradas entre o Legislativo e o Executivo como necessárias para uma democracia forte, chamando a atenção de que investidores, além das questões fiscais controladas, que indicam futuro mais seguro para seus investimentos, também olham para a qualidade da democracia praticada no país.

Raramente se viu no plenário da Câmara uma concordância tamanha. Todos eram favoráveis a uma reforma da Previdência. Um avanço diante da posição de anos atrás, quando muitos insistiam em que não havia déficit no sistema.

O que a oposição alegou é que esta reforma não era a correta para o país. Houve também outra aproximação de posições, no sentido de admitir, com maior ou menor ênfase, que a reforma impõe um sacrifício à população.

O dissenso ficou por conta da visão política de cada um, a oposição batendo na tecla de que os menos favorecidos serão atingidos. Os favoráveis à reforma, e não apenas os deputados governistas, defendendo a tese de que ela ataca os privilégios do atual sistema previdenciário.

Outra unanimidade ontem na Câmara foi a bandeira nacional. Trazida ao plenário pelos favoráveis à reforma, foi também abraçada pela oposição, cada grupo ideológico transformando-a em um símbolo de sua luta.

Nossa bandeira jamais será vermelha, gritaram líderes de partidos do centro-direita e liberais. A bandeira nacional não pode ser usada contra os mais pobres, devolveram os líderes da oposição.

A deputada Jandira Fegalli, do PC do B, chegou a dizer que era líder da minoria dentro da Câmara, mas que a oposição representava a maioria do povo brasileiro. Não foi isso o que as urnas mostraram nas últimas eleições, mesmo que o governo não tenha conseguido montar uma base parlamentar.

A maioria do plenário formou-se em torno não do governo, que não tem base majoritária, mas a favor de uma visão liberal da economia. A tendência conservadora da maioria dos eleitos para a Câmara parecia favorecer a criação de uma base parlamentar sólida, mas a negociação política foi conduzida de maneira desastrada pelo novo governo.

A definição de um relacionamento não promíscuo com o Congresso foi um ponto positivo do governo Bolsonaro. Até mesmo a liberação das emendas parlamentares e de bancadas às vésperas da votação é do jogo democrático, pois os parlamentares vivem do que podem beneficiar suas bases eleitorais.

 O que não é admissível é compra de votos por baixo do pano, através da corrupção, como vinha acontecendo desde o mensalão, chegando ao petrolão.

Mas Bolsonaro não entendeu que a falta de promiscuidade não significa, por si só, um tratamento republicano. O novo Palácio do Planalto não conseguiu manter um relacionamento profícuo com o Congresso, e gerou uma disputa de poder que foi prejudicial à democracia brasileira.

A reforma só saiu porque a Câmara foi convencida da sua necessidade, mesmo que potencialmente impopular, e decidiu encarar o desafio. À medida que as discussões foram se desenrolando, a opinião pública foi também evoluindo no entendimento dessa necessidade.

A tal ponto que ontem muitos deputados de diversos partidos fizeram questão de aparecer em conjunto na tribuna do plenário. Um ambiente hostil à reforma da Previdência transformou-se em favorável ao longo do debate, e pesquisas de opinião mostram que a maioria já a apóia.

Sem dúvida o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, foi o grande artífice da união em torno do substitutivo aprovado na Comissão Especial. E pelo ambiente tranqüilo em que transcorreu a votação, já que tem uma relação muito boa com os partidos de oposição – chegou a brincar dizendo que o DEM poderia apoiar o deputado Marcelo Freixo para a prefeitura do Rio – e conseguiu manter o plenário em desarmonia controlada.

O Globo, 11/07/2019

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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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sábado, 22 de junho de 2019

INTOLERÂNCIA POLÍTICA - Merval Pereira


O presidente Jair Bolsonaro deu várias mostras nos últimos dias daquilo que já havia sido evidenciado desde o início do governo: o que considera lealdade é mais importante para ele do que competência. E de que não admite diversidade de pensamentos em qualquer instância do governo.

O que ele fez com o presidente do BNDES, Joaquim Levy, foi demiti-lo publicamente ontem, ao anunciar que ele está “com a cabeça a prêmio” há muito tempo, e que já está “por aqui” com ele, que não estaria cumprindo o que combinara ao ser nomeado.

Isso porque Levy indicou para uma diretoria do BNDES Marcos Pinto, que trabalhou na gestão de Lula como chefe de gabinete de Demian Fiocca na Presidência do BNDES, de quem era assessor quando Fiocca foi vice-presidente.

Fiocca encaminhou a indicação de Marcos Pinto para a diretoria da CVM em 2012, na gestão de Guido Mantega. Essa relação de Marcos Pinto com a gestão petista irritou Bolsonaro, que exigiu publicamente sua demissão, ameaçando demitir Levy amanhã se não cumprisse sua ordem.

Por trás da confusão com Marcos Pinto está a irritação de Bolsonaro com o próprio Levy, a quem aceitou no BNDES por insistência do ministro da Economia Paulo Guedes. A desconfiança do presidente recai até sobre pessoas que o auxiliaram muito de perto, como os ex-ministros Gustavo Bebiano e o general Santos Cruz, de quem era amigo há 40 anos. Faz jus a um conselho que recebeu de seu pai, que dizia para confiar apenas nele e na sua mãe.  Foram vítimas de intrigas do mesmo grupo, comandado pelo filho Carlos e pelo guru esotérico Olavo de Carvalho.

O ministro da Justiça Sérgio Moro também passou pelo mesmo problema que atinge agora o ministro da Economia Paulo Guedes. Os dois supostamente tiveram carta branca de Jair Bolsonaro para escolher seus assessores, e foram desautorizados pelo presidente.

O caso de Moro foi menos grave do que o de Guedes agora, mas exemplar de uma intolerância incomum nos governos recentes, com exceção de uma atitude pontual de Michel Temer, que demitiu um garçom nos primeiros dias de presidente por considerá-lo um espião petista.

Moro foi obrigado a cancelar a nomeação da cientista política Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Presidente do Instituto Igarapé que estuda violência urbana e propõe medidas como desarmamento e descriminalização das drogas, a ideia da nomeação era justamente colocar uma voz divergente no Conselho, para que ele exercesse seu papel em plenitude, isto é, debater teses e sugerir opções ao ministro.

Nos governos anteriores, Francisco Weffort, fundador do PT, foi ministro da Cultura de Fernando Henrique por 8 anos; os economistas Marcos Lisboa e Murilo Portugal foram assessores importantes de Palocci quando era ministro, e o próprio Joaquim Levy foi ministro da Fazenda de Dilma.

Os petistas boicotaram os economistas que consideravam tucanos, mas só Levy foi demitido. Dilma era mais próxima de Bolsonaro em termos de intolerância política do que Lula, que sabia aceitar assessores que não fossem petistas de carteirinha.
Com a crescente autonomia do Congresso em relação ao Palácio do Planalto, Bolsonaro parece estar retomando uma política de contato direto com o eleitor, que tentara no início de sua gestão. Radicalizando posições para contentar seu núcleo principal de eleitores.

O próprio ministro Paulo Guedes, que no início do governo disse que daria “uma prensa” no Congresso e teve que recuar, voltou a tentar pressionar os parlamentares com críticas duras contra a proposta da Comissão Especial da Previdência.
O mais provável é que queira passar a ideia de que não gostou da proposta, para que os deputados tenham a sensação de vitória sobre o governo e não façam novas alterações. 
  
Também ontem, Bolsonaro usou o Twitter para pedir que a população pressione os senadores para manterem seu decreto que flexibiliza o porte de armas. 

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado decidiu revogar os decretos que permitem o porte de armas de fogo a cidadãos e colecionadores, atiradores desportivos e caçadores.

O presidente, que já dissera que não acreditava que os senadores fossem votar “contra o povo”, agora pede que os eleitores os pressionem.

O Globo, 16/06/2019

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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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sábado, 15 de junho de 2019

CONSPIRAÇÃO - Merval Pereira


A comprovação pelas investigações da Policia Federal de que o episódio da captação ilegal dos diálogos do então juiz Sergio Moro com o chefe dos Procuradores de Curitiba Deltan Dallagnol é apenas parte de uma ação coordenada contra a Lava Jato, atingindo membros do Poder Judiciário em diversos graus, deu nova conotação política ao episódio.

Silvio Meira, um dos maiores especialistas em tecnologia da informação e professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco, diz que “ninguém fez isso sozinho, não aconteceu por acaso, tem um desenho por trás. Havia gente que estava explicitamente dedicada, gastando imaginação, competência técnica, tempo e dinheiro para chegar a essa informação”.

Abel Gomes, desembargador do TRF-2 que julgou casos da Lava-Jato no Rio, colocou o dedo na ferida: “Por que os hackers têm mirado apenas autoridades que deram decisões desfavoráveis aos investigados da Lava-Jato?”.

Também a juíza Grabriela Hardt, substituta de Moro durante um período, foi hackeada e denunciou que essa manobra ilegal contra membros do Judiciário é um atentado à segurança do Estado brasileiro.

Para Silvo Meira, o Telegram, que passou a ser muito usado no Brasil depois que o WhattsApp ficou fora do ar por questões judiciais, pode ser seguro se as mensagens são criptografadas, “mas o usuário tem que habilitar seu celular para isso. Se não o fizer, as mensagens ficam abertas e, consequentemente, fáceis de serem lidas”.

Também a origem da empresa é um mistério. Telegram é o nome de uma empresa russa dos irmãos Durov, os criadores do Facebook russo, o VKontacte, conhecido como VK. Numa operação que até hoje não foi explicada em detalhes, venderam ou foram forçados a vender o VK a outro grupo digital russa. Saíram da Rússia logo depois, foram para Berlim, de onde também saíram reclamando que as autoridades alemãs não deram visto de trabalho para seu time.

Time que hoje ninguém sabe exatamente onde está. A empresa é tocada a partir de Dubai, e os demais funcionários estariam espalhados pelo mundo. A infraestrutura da companhia não se sabe onde está”. 

O STF deve julgar no plenário um pedido de suspensão do ex-juiz Sergio Moro, por parcialidade arguida pela defesa de Lula. Oficialmente, as conversas não estarão no julgamento, a não ser que a defesa possa pedir para incluí-las. Mas, que vão interferir, isso é claro.
  
Não creio que, se for para o plenário, seja aprovada a tese da anulação da condenação. Mesmo na Segunda Turma acho que haverá maioria para derrotar os prováveis votos dos ministros Gilmar Mendes e Lewandowski. O ex-presidente foi condenado em três instâncias, portanto, não há razão para anular todos os julgamentos em todas as instâncias. 

Para o especialista em tecnologia de informação Silvio Meira, essa crise atual chama a atenção para um problema brasileiro: o de que as autoridades não têm um sistema de troca de mensagens ou telefone protegido de invasões desse tipo.

Como já escrevi aqui, utilização do twitter para suas mensagens é um hábito que Bolsonaro copia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, seu grande ídolo. Mas Trump só usa o Twitter oficial quando trata de ações do governo.

Nos Estados Unidos, a utilização de meios particulares para atividade oficial já deu muita dor de cabeça a Hillary Clinton que, quando Secretária de Estado no governo Obama, dispensou o e-mail oficial(@state.gov) para usar seu email privado mesmo para assuntos de Estado. 

O caso provocou o temor de informações sigilosas do Departamento de Estado circularem em redes de caráter privado, ou estarem expostas a ataques de hackers. Parte do conteúdo era classificado como supersecreto, ou o foi mais tarde. Coube a Hillary um pedido de desculpas: “Foi um erro. Sinto e assumo a responsabilidade”.

Legislações sobre esse tipo de utilização garantem nos Estados Unidos que não haja violação de normas de segurança institucional..Aquim houve um ataque em massa a diversos membros da Lava Jato em vários Estados, notadamente Paraná e Rio. Está sendo revelado que houve uma verdadeira conspiração contra a Lava Jato e o Judiciário. Os diálogos que já foram revelados e os ainda a revelar podem provar - o que na minha opinião ainda não aconteceu irregularidades praticadas dentro da Operação Lava Jato. Mas não há mais dúvidas de que esse ataque cibernético foi orquestrado justamente com o objetivo de acabar com a Lava Jato.

Mas, como diz o ministro do Supremo Edson Facchin, a Lava-Jato é uma realidade que mudou a estrutura do combate à corrupção no Brasil.

O Globo, 13/06/2019


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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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quarta-feira, 15 de maio de 2019

O “MITO” ACIMA DE TODOS - Merval Pereira


O tripé de credibilidade do governo está sob fogo cerrado da ala radicalizada do bolsonarismo, com o aval, quase sempre indireto, do próprio presidente, convencido pelo filho tuiteiro Carlos e por seu guru esotérico Olavo de Carvalho, de que enfraquecê-lo é fortalecer um governo populista de comunicação direta com os cidadãos através das novas mídias sociais.

É através delas que guru e seguidores desencadeiam sua guerra particular contra quem possa ameaçar o “mito”. Em recente tuíte, Carlos explicita esse temor ao dizer que os elogios ao “ótimo” Paulo Guedes visam enfraquecer seu pai. Foi assim também com o vice-presidente Hamilton Mourão, uma reserva de bom senso em meio ao caos do governo, identificado pelos radicalizados como querendo se transformar em um contraponto a Bolsonaro.

Tudo é feito premeditadamente, uma loucura aparente, com muito método. Os superministros Paulo Guedes, da economia, e Sérgio Moro, da Justiça, e os militares que fazem parte do governo, precisam ser contidos como forças políticas, para que se destaque a liderança pessoal de Bolsonaro.

O governo foi montado sobre um projeto populista que pretende transferir ao presidente, e a mais ninguém, os êxitos alcançados, desde o combate ao crime e à corrupção, até uma eventual melhoria da economia. E a visão do presidente e sua turma geralmente não combina com as de seus principais assessores, pois objetivam fazer um governo sem limitações institucionais, com resultados imediatos.

Não é por acaso, portanto, que, sempre que pode, Bolsonaro lamenta ter que fazer a reforma da Previdência, defende os velhinhos e os pobres, que supostamente estariam sendo prejudicados pelos estudos da equipe econômica, promete ações que não se coadunam com a economia restritiva, quase de guerra, defendida pelo ministro Paulo Guedes, como reajustar a tabela de Imposto de Renda pela inflação. Ou interferir no preço do diesel.

Também no combate ao crime organizado e à corrupção, fundamento para o então juiz Sérgio Moro estar em seu ministério, o presidente tem uma visão simplista que não leva à estruturação de um programa efetivo como o que pretende Moro. Quem imaginava que a presença de Moro no governo seria uma garantia de que excessos seriam contidos, já tiveram, ele inclusive, demonstrações de que há situações em que a ideologia fala mais alto.

Permitir que cada cidadão possa ter quatro armas em casa, e não duas, como sugeria Moro, é exemplar dessa postura. Ampliar as possibilidades de porte de arma, também. Quando foi divulgado o decreto sobre posse de armas, Moro fez questão de frisar que não se tratava de porte.

Agora, teve que engolir o decreto, de que tomou conhecimento pouco antes de ser divulgado. A falta de empenho do governo para manter o Coaf no ministério de Moro é também indicativa de que Bolsonaro é capaz de abrir mão de propostas coerentes, mas secundárias para o projeto político populista.

Da mesma maneira, sua dubiedade em relação aos ataques aos militares mostra que, ao contrário do que se imaginava, estava interessado apenas na aura de credibilidade que dão ao seu ministério, não nas suas ponderações ou posturas democráticas, garantidoras da estabilidade.

Houve quem temesse que tantos militares juntos favorecessem uma situação institucional precária, que levasse ao famoso “autogolpe”. O que se vê é, ao contrário, os militares se transformando em garantidores das liberdades democráticas, enquanto os bolsonaristas radicalizados os atacam.

Moro, de candidato natural à presidência da República na sucessão de Bolsonaro, passou a ter que engolir sapos enquanto faz hora para ir para o Supremo Tribunal Federal. Foi essa a mensagem implícita da fala de Bolsonaro, ao dizer que a primeira vaga que abrir no STF será dele. Transformou-o em um subalterno sem grandeza, substituível, o que até agora parecia impensável.

Moro está sendo vítima de ataques de dentro do Congresso, porque é visto como perseguidor de político, e no governo, de pessoas que não gostam da ideia de que, sem ele e sem o ministro da economia, Paulo Guedes, o governo Bolsonaro acabaria.

A ala radicalizada do bolsonarismo joga com outra hipótese, a de que a liderança política do “mito” dispensa avalistas. O único “super” é ele mesmo, cujo aval vem das ruas.    O “mito” acima de todos.

                                                                        O Globo, 13/05/2019


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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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domingo, 12 de maio de 2019

A ATUALIDADE DOS CLÁSSICOS - Merval Pereira


A atualidade dos pensadores, brasileiros e estrangeiros, diante de nossa realidade politica e social demonstra que os problemas que enfrentamos no momento são questões há muito debatidas. E que retrocedemos nesse debate, que pareciam estar superados pelos avanços de nossa sociedade.

O presidente da Academia Brasileira de Ciências, professor Luis Davidovicht, enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Educação Abraham Weintraub, protestando contra a decisão anunciada de reduzir as verbas públicas para o ensino de Humanas, tendo sido citadas especialmente a Sociologia e a Filosofia.

Davidovich começa lembrando, em contraposição à afirmação do ministro de que o Estado só deve financiar profissões que gerem retorno de fato, como veterinária, engenharia, medicina, que é preciso “formar profissionais preparados para os desafios de um mundo em que as profissões tradicionais têm dado lugar a outras inexistentes no século passado”.

Esse rápido desenvolvimento exigiria “conhecimento amplo não só de seus campos estritamente profissionais, mas também do país e da sociedade onde atuarão”. Davidovicht lembrou então que Benjamim Constant, um dos fundadores da República brasileira, já no século XIX tinha a percepção da importância das humanidades e das ciências sociais na formação profissional: incluiu a sociologia no curso da Escola Militar.

Muito além de um retorno imediato, elas ensinam a pensar, condição necessária para a construção de uma sociedade ilustrada, democrática e produtiva, ressalta o presidente da Academia Brasileira de Ciências na carta ao presidente.

Recentemente, em palestra na Academia Brasileira de Letras, da qual é membro, sobre a presença fundamental de Ruy Barbosa na vida brasileira, o ex-ministro Celso Lafer lembrou que ele exprimiu na trajetória da sua vida e obra a trama dos problemas políticos da sociedade brasileira, “não só do seu tempo, mas as dos nossos dias, com destaque para os desafios da consolidação e vigência das instituições democráticas”.

Lafer citou alguns exemplos bem atuais. Sobre as relações do Brasil com os EUA, Ruy Barbosa, na Conferência "A Imprensa e o dever da verdade": escreveu “Não quero, nem quererá nenhum de vós, que o Brasil viesse a ser o símio, o servo ou a sombra dos Estados Unidos. Não acho que devemos nos entregar de olhos fechados à sua política internacional, se bem haja entre ela e a nossa, interesses comuns bastante graves e legítimos, para nos ligarem na mais inalterável amizade, e nos juntarem intimamente em uma colaboração leal na política do mundo. Tal é o meu sentir de ontem, e amanhã.”

Celso Lafer destacou também que Ruy Barbosa promoveu, desde o governo provisório (Decreto nº 119-A, de 7/01 de 1890) a separação da Igreja e do Estado, e a laicidade do Estado, consagrada na Constituição de 1891 e nas constituições subsequentes.

Implantou-se deste modo, ressaltou Lafer, uma nítida distinção entre, de um lado, instituições, motivações e autoridades religiosas e, de outro, instituições estatais e autoridades políticas, “de tal forma que não haja predomínio de religião sobre a política”.

A laicidade significa que “o Estado se dessolidariza e se afasta de toda e qualquer religião, em função de um muro de separação entre Estado e Igreja, na linha da primeira emenda da Constituição norte-americana”.

Em um Estado laico como Ruy Barbosa institucionalizou no Brasil, esclareceu Lafer, “as normas religiosas das diversas confissões são conselhos e orientações dirigidas aos fiéis, e não comandos para toda a sociedade’. 

Esta contribuição de Ruy para a consolidação e vigência do espaço público e das instituições democráticas em nosso país é da maior atualidade, lembrou Celso Lafer, pois “contém o muito presente risco do indevido transbordamento da religião para o espaço público”.

O filósofo britânico Berrando Russell, na História da Filosofia Ocidental, trata de um tema muito atual no Brasil: a influência dos filósofos, relativizando-a: “Quando vêem algum partido político dizer-se inspirado pelos ensinamentos de Fulano de Tal, pensam que as ações desse partido são atribuíveis a esse fulano de tal, enquanto não raro o filósofo só é aclamado porque recomenda o que o partido teria feito de qualquer modo”. 

Dou um descanso aos leitores e retomo a coluna no dia 14.

O Globo, 03/05/2019

http://www.academia.org.br/artigos/atualidade-dos-classicos
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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.


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quinta-feira, 25 de abril de 2019

QUESTÃO DE DNA - Merval Pereira



A disputa aberta de poder em que o vice-presidente Hamilton Mourão está envolvido, não por acaso, não tem paralelos históricos pela violência das palavras empregadas por Olavo de Carvalho e seus pupilos, entre eles Huguinho, Zezinho e Luisinho, como passaram a ser conhecidos no meio político os filhos de Bolsonaro, que ele denomina carinhosamente como 01, 02 e 03, como se recrutas fossem. 

São os seus recrutas, “sangue do meu sangue”, e nada também acontece ali por acaso. Bolsonaro fala através de seu filho Carlos, o 02, especialista nas mídias sociais a quem Bolsonaro atribui grande parte de sua vitória. Quando Bolsonaro estava internado, depois da tentativa de assassinato que sofreu ainda na campanha eleitoral, Carlos já evidenciou o que achava de Mourão.

Tuitou afirmando que a morte do pai interessava não apenas aos inimigos declarados, mas a quem está por perto, principalmente após a posse. De lá para cá a disputa só fez escalar, inclusive porque Mourão assumiu o papel de moderador de um governo que vive de intrigas e embates permanentes como estilo de fazer política.

A paranoia familiar é alimentada pela história, pois nada menos que oito presidentes foram substituídos por seus vices desde o início da República, por motivos variados, desde a morte do titular até o afastamento por impeachment.

Desde o primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, cujo vice Floriano Peixoto assumiu com sua renúncia e, em vez de convocar eleições, governou sob estado de sítio, até Temer, que, recusando o papel de “vice decorativo”, comandou uma conspirata política para assumir o lugar de Dilma, quando esta se enfraqueceu pelo fracasso econômico e se expôs ao cometer crimes de responsabilidade fiscal, a escolha dos vices sempre foi problemática.

Uma disputa aberta como a atual, mas não tão pouco sutil, aconteceu quando o general Figueiredo teve que viajar para a Clínica Cleveland para colocar pontes de safena. O político mineiro Aureliano Chaves assumiu o governo e fez o mesmo contraponto de Mourão em relação a Bolsonaro. Chegava cedo ao Palácio do Planalto, e saía altas horas da noite, a salientar a fama de preguiçoso de Figueiredo. O entorno do ditador não escondia a irritação, e acusava Aureliano de deixar a luz acessa no gabinete presidencial para dar a impressão de que trabalhava.

A eleição presidencial deste ano teve uma característica especial: o protagonismo de candidatos a vice. Os dois primeiros colocados nas pesquisas ficaram fora da campanha, um definitivamente, outro temporariamente. Lula por estar condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, tornando-se inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Bolsonaro por ter sofrido um atentado a faca que quase o matou.

Muitos consideravam alguns candidatos a vice melhores que os titulares, como era o caso de Mourão, que já chamava a atenção por declarações polêmicas, mas com a fala mansa e o jeito de quem desejava a pacificação política.

Admitiu intervenção militar mesmo fora da Constituição, falou até em autogolpe. Curioso é que sua escolha foi comemorada por Eduardo Bolsonaro, o 03, que disse que foi bom ter escolhido um candidato “faca na caveira” - referindo-se ao símbolo do Bope - para não valer a pena pensar em impeachment.

No discurso pouco antes de ir para a reserva, que lhe valeu uma advertência do comandante do Exército, general Villas Bôas, que ele chama de VB, seu amigo de infância, disse sobre o governo petista: “Os Poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução”.

De lá para cá, Mourão vem afinando o tom, se aproximando do pensamento médio do cidadão de classe média, condenando a censura à imprensa, por exemplo,  ou avaliando que a saída do ex-deputado Jean Wyllys era ruim para a democracia, com bom-senso e sem a visão tosca do grupo bolsonarista comandado por Olavo de Carvalho, que chamou Mourão de “moleque analfabeto” ao ser definido pelo vice como “astrólogo”.

Perguntado recentemente sobre as razões dessa mudança, Mourão disse que se devia à compreensão do papel institucional do cargo para o qual foi eleito. Estar na vice-presidência pelo voto, aliás, foi citado por ele como uma diferença fundamental com os militares do período ditatorial.

Que, aliás ele não renega, dizendo que era um momento de guerra. E também, assim como Bolsonaro, considera o torturador Brilhante Ulstra “um herói”, embora tenha se abstido de falar no assunto ultimamente.

                                                            O Globo, 25/04/2019


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Merval Pereira – Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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